Começaremos por fazer um enquadramento geral do tema, seguido de uma abordagem jurídica sob o ponto de vista internacional e nacional.
Terminaremos visualizando soluções e consequências para os marítimos nesta era pandémica.
Enquadramento geral:
Cerca de 90% do comércio mundial é feito por mar, tornando o transporte marítimo essencial para qualquer economia global.
Em Dezembro de 2019 foram detectados os primeiros casos de COVID 19 na China, em Fevereiro e Março de 2020 a doença já estava espalhada pelo mundo inteiro com casos e mortes a aumentar de dia para dia.
Muitos países aplicaram medidas de confinamento severas, fecharam escolas, o comércio em geral, os tribunais, fecharam as suas fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, a fim de evitar uma propagação maior do vírus.
Com as fronteiras fechadas os marítimos a bordo viram-se obrigados a ficar vários meses a trabalhar a bordo dos navios, sem possibilidade de saírem num qualquer porto para descanso ou férias ou de regressarem à sua residência e família porque não lhes era permitida a sua saída a bordo nos portos onde atracavam e/ou não conseguiam voos de regresso para o seu país.
Esta situação originou fadiga extrema nos marítimos, doenças físicas e psicológicas e o risco de acidentes marítimos e de desastres ambientais por erro humano.
Os marítimos que iam iniciar funções num navio não conseguiram sair do seu país de residência, os que saíram ficaram retidos num país estrangeiro onde fizeram escala porque tinham sido cancelados os voos comerciais com destino ao país onde o navio se encontrava atracado para a mudança de tripulação.
Entretanto os marítimos que se encontravam a bordo e cujo contrato tinha terminado, não tiveram outra solução se não celebrar um novo contrato imediatamente a seguir para permanecerem a bordo e colmatarem a falta dos trabalhadores que iam iniciar funções, mas que pelas razões acima expostas não conseguiram fazê-lo.
Os que não permaneceram a bordo após o fim do seu contrato de trabalho e conseguiram sair num porto, alguns não conseguiram voos de regresso, ficaram presos no país de escala, sem meios de transporte para chegarem ao país de residência.
Alguns marítimos adoeceram a bordo, com COVID ou outras doenças e foi-lhes recusada assistência médica em terra nos portos, alguns morreram por isso, outros o sofrimento psicológico de estarem longe da família levou-os ao suicídio.
Em alguns casos os marítimos não tiveram assistência médica a bordo ou acesso a medicamentos, noutros casos faltou também alimentação a bordo, pois a proibição de atracarem nos portos impedia os navios de se abastecerem de alimentos e medicamentos.
Os marítimos que tinham os certificados a perderem a validade viram a sua validade prorrogada por mais três meses mínimo, os mesmo quanto aos certificados de aptidão física e psíquica, pois não era possível tratar dessa documentação estando a bordo e sem possibilidade de ir a terra.
A situação dos marítimos a bordo tornou-se tão grave e dramática que foi considerada uma violação dos direitos humanos.
Hoje em dia com o processo de vacinação mundial em curso, quer as Companhias de Cruzeiros, quer os Armadores têm interesse que os marítimos que trabalhem ou queiram trabalhar a bordo de navios estejam vacinados.
Mas o problema ainda não chegou ao fim, as consequências estão a surgir e não deixa de ser necessário falar neste tema.
É sobre a situação dos marítimos na perspectiva jurídica internacional e interna que iremos falar a seguir.
Abordagem Internacional:
O trabalho marítimo é regulado pela Convenção Internacional de Trabalho Marítimo, criada em 2006 na Conferência Internacional de Trabalho da ILO, com o objectivo de criar um instrumento único e coerente que incorporasse, quanto possível, todas as normas actualizadas das Convenções e Recomendações Internacionais existentes sobre trabalho marítimo, bem como princípios fundamentais de outras organizações internacionais sobre trabalho. Foi posteriormente alterada em 2014, 2016 e 2018.
Nesta Convenção foram definidos os direitos do trabalhador marítimo, sendo necessário entrar nesse tema para percebermos que direitos foram suspensos ou violados nesta época de pandemia por Armadores e Estados-Membros, não apenas pelo Estado de bandeira do navio, mas também pelo Estado do porto. De forma geral a Convenção define que os marítimos têm direito a:
1- Direito a um local de trabalho seguro, em que são respeitadas as normas de segurança;
2- Direito a condições de trabalho justas;
3- Direito a condições dignas de trabalho e de vida a bordo de navios;
4- Direito à protecção da saúde, cuidados médicos, medidas de bem-estar e outras formas de protecção social.
Por razões objectivas vamos falar somente das regras que foram violadas durante a pandemia. Assim:
– Regra 2.3 (Duração do trabalho e do descanso): O número máximo de horas de trabalho não deve ultrapassar as 14 horas em cada período de 24 horas e 72 horas em cada período de 7 dias e o numero mínimo de horas de descanso não deve ser inferior a 10 horas em cada período de 24 horas e 77 horas em cada período de 7 dias e; as horas de descanso não podem ser divididas em mais de 2 períodos, devendo um destes ter uma duração mínima não inferior a 6 horas e o intervalo entre 2 períodos consecutivos de descanso não deve ultrapassar as 14 horas.
O comandante de um navio tem o direito de exigir a um marítimo as horas de trabalho necessárias para garantir a segurança imediata do navio, das pessoas a bordo ou da carga, ou para socorrer outros navios ou pessoas em dificuldades no mar. Podendo suspender os horários normais de trabalho ou de descanso e exigir que o marítimo cumpra as horas de trabalho necessárias até à normalização da situação.
Contudo, depois de normalizada a situação o comandante deverá, desde que seja possível, assegurar que todos os marítimos que tenham efectuado o trabalho durante o seu período de descanso, tenham depois o descanso adequado.
Da leitura desta regra verificamos que o comandante de navio em fase de pandemia podia suspender os horários normais de trabalho ou de descanso dos marítimos para garantir a segurança imediata do navio, das pessoas a bordo.
Na situação em que alguns tripulantes estavam com COVID 19 e/ou passageiros, era possível ao comandante suspender os horários normais de trabalho ou de descanso dos marítimos para garantir a segurança imediata do navio. Obviamente que esses direitos não poderiam estar suspensos enquanto os marítimos ou passageiros estivessem infectados, sob pena de causar a exaustão dos marítimos e de colocar em risco a segurança imediata do navio e das pessoas a bordo. Teria, portanto, de ser por um tempo reduzido, que teria de ser gerido pelo comandante tendo em conta o número de tripulantes não infectados que tinha a bordo, os infectados e os que tinham de estar em quarentena.
Regra 2.4: Os marítimos têm direito a férias anuais remuneradas nas condições exigidas devendo ser-lhes concedidas licenças para ir a terra, por motivos de saúde e bem-estar, desde que compatíveis com as exigências praticas da sua função.
É proibido qualquer acordo que implique a renuncia de direito a férias anuais pagas, excepto nos casos definidos pela autoridade competente.
Durante a pandemia os marítimos não conseguiram gozar férias, não podiam sair do navio para terra, visto que o Estado do porto proibia a entrada dos marítimos no seu território, para evitar possíveis contágios, quer estes estivessem doentes com COVID ou com outra doença.
Por sua vez o Estado de bandeira impedia muitas vezes a saída dos marítimos para gozar as suas férias, uma vez que não tinham a bordo tripulantes que o substituíssem e a troca de tripulações não estava a ser possível. Em consequência disso os marítimos tinham de permanecer no navio por tempo indeterminado, sem poder gozar as suas férias.
Que responsabilidade existe para o Estado de bandeira e para o Estado do porto nestes casos? Estamos a falar de saúde publica e do direito de soberania do Estado no caso do Estado do porto e no caso do Estado de bandeira estamos a falar de segurança do navio, pelo que não nos parece ser possível responsabilizar esses Estados, excepto nas situações claras de abuso pelos Estados da condição dos marítimos a bordo.
Regra 2.5: A fim de garantir aos marítimos o regresso a casa, têm por isso direito ao repatriamento, sem custos, nos casos e nas condições específicas no código, devendo os navios que arvoram a bandeira de Estado-Membro, darem uma garantia financeira a fim de assegurar esse direito.
O direito ao repatriamento é concedido no caso de:
- cessar o contrato de trabalho,
- fim do prazo de validade,
- por iniciativa do armador ou do marítimo, com justa causa ou
- o marítimo não está em condições de exercer as funções ou não for possível pedir-lhe para as exercer em condições específicas.
Nesta fase de pandemia o direito do marítimo ao repatriamento não foi assegurado, pelo Armador porque não tinha meios financeiros para custear o repatriamento, porque os voos comerciais de regresso eram muito caros, ou porque não havia voos comerciais disponíveis para o destino e não tinha outros meios para fazer chegar o marítimo ao seu destino, e pelo Estado de bandeira que não garantiu o repatriamento dos marítimos, e também pelo Estado do porto que recusou a saída dos marítimos para terra.
Embora o paragrafo 7º desta regra refira que todos os Estados Membros devem facilitar o repatriamento dos marítimos que trabalhem a bordo de navios que escalem os seus portos ou atravessem as suas águas territoriais ou interiores, bem como a sua substituição a bordo, não houve de facto essa facilitação por parte dos Estados-Membros como Estados do porto, foram aliás, um dos grandes impedimentos ao repatriamento dos marítimos.
Esta situação obrigou, como já foi dito anteriormente, os marítimos a permanecerem a bordo para além da duração do seu contrato e a celebrar contratos seguidos, sem período de ferias, com o mesmo Armador no mesmo navio até que fosse possível o seu repatriamento.
A fim de assegurar o repatriamento dos marítimos alguns Armadores viram como solução possível o desvio da rota do navio, de modo a chegar a um porto que lhes permitisse a saída dos marítimos para terra, mas isso tinha implicações no contrato de transporte, pois originava o incumprimento do contrato, com responsabilidade indemnizatória para o transportador. Para o evitar foi introduzida no contrato de transporte marítimo internacional uma clausula sobre a eventual necessidade de desviar a rota para o repatriamento dos marítimos, a BIMCO criou uma clausula nesse sentido nos seus formulários de contrato de transporte marítimo de carga.
Sabemos que para resolver a situação do repatriamento de alguns marítimos foi necessária intervenção governamental, diga-se uma cooperação entre os governos dos Estados-Membros, do Estado de bandeira, do Estado do porto e do Estado nacionalidade do marítimo, no sentido de permitir a saída do marítimo do navio para terra (pelo Estado do porto e Estado de bandeira), de assegurar o voo de regresso (pelo Estado de bandeira e/ou Estado de nacionalidade do marítimo), com custos a pagar depois pelo armador, custeados inicialmente pelo Estado de bandeira do navio e/ou Estado de nacionalidade do marítimo.
Regra 2.7: De modo a assegurar que os marítimos que trabalham a bordo de navios com a lotação suficiente para garantir a segurança, a eficiência e a segurança das operações dos navios,osnaviosdevem terumnúmerosuficientedemarítimosabordoparagarantirasegurançaeaeficiênciadasoperaçõesdonavio,comadevidaatençãoàsegurançaemqualquercircunstância,tendoemcontaapreocupaçãodeevitarafadigadosmarítimoseanaturezaeascondiçõesespeciaisdaviagem.
Apesar de em circunstâncias normais, a tripulação bordo de um navio ser sempre em número suficiente para garantir a segurança e eficiência das operações do navio, em fase de pandemia o número tornou-se claramente insuficiente, sobretudo no caso de marítimos infectados ou em quarentena, obrigando os outros marítimos a fazerem também as funções dos infectados ou em quarentena além das suas próprias funções, com acréscimo de horas de trabalho e um decréscimo de horas de descanso.
Regra 4.1- Com vista a proteger a saúde dos marítimos e garantir-lhes um acesso rápido a cuidados médicos a bordo e em terra, todososmarítimosquetrabalhamabordodenavio devem estar abrangidospormedidasadequadasparaaprotecçãodasuasaúdeequetenhamacessoacuidadosmédicosrápidoseadequadosduranteoperíododeserviçoabordo.
Nesta fase de pandemia a protecção da saúde e o acesso a cuidados médicos foi posta em causa, não apenas a bordo do navio por não haver médicos garantissem a necessária assistência médica aos marítimos infectados ou possivelmente infectados e em quarentena, ou por não terem equipamento de protecção básico necessário como máscaras e gel para lavagem frequente das mãos, bem como a impossibilidade de manter a distância necessária entre tripulantes a bordo do navio, e em terra por não lhes ser permitida a saída a bordo num qualquer porto onde atracassem.
Refira-se aliás que nem todos os navios têm médicos a bordo, depende das dimensões dos navios e do tipo de transporte.
Regra 4.2- A fim de garantir a protecção dos marítimos contra as consequências financeiras de uma doença, acidente ou morte relacionadas com o seu emprego, os marítimos a bordo de naviotêm direitoaumaassistênciaeaumapoiomaterialdapartedoarmadorparafazerfaceàsconsequênciasfinanceirasdedoenças, acidentesoumortesocorridasduranteoserviçonoquadrodeumcontratodetrabalhomarítimoouresultantesdoseuempregonoquadrodessecontrato.
Estamos a falar de seguros de saúde e de vida, mas também de assistência médica a bordo e em terra.
Regra 4.3- O ambiente de trabalho dos marítimos que trabalham a bordo dos navios deve contribuir para a sua saúde e segurança no trabalho, os marítimos que trabalham a bordo de navios devem beneficiar de um sistema de protecção da saúde no trabalho e que vivam, trabalhem e se formem a bordo dos navios num ambiente seguro e são.
Falamos não apenas de seguros de saúde, mas de um ambiente seguro e são a bordo do navio e aqui mais uma vez estamos a falar do equipamento e condições necessárias para a prevenção no contágio da pandemia. Obviamente que os Armadores não tinham como prever a situação de pandemia e tiveram muitas dificuldades logísticas no sentido de ter a bordo equipamento de protecção para os seus tripulantes, não apenas porque os Estados do porto não permitiam a saída a terra de marítimos para que estes comprassem equipamento de protecção em falta, mas porque era difícil conseguir que lhes fosse trazido a bordo o equipamento em falta ou não conseguiam comprar em quantidade suficiente.
Cabia ao Armador obter esse equipamento e em última instância poderia solicitar a colaboração do Estado de bandeira para que este fornecesse o equipamento e o fizesse chegar a bordo, com a permissão do Estado do porto, obviamente.
Regra 4.4- Aos marítimos que trabalham a bordo de um navio, deve ser garantido o acesso a instalações e serviços em terra que protejam a sua saúde e o bem-estar, deve ser assegurado que as instalações de bem-estar em terra, quando existam, sejam de fácil acesso e devem promover a criação de instalações de bem-estar, em determinados portos, para assegurar aos marítimos dos seus navios que se encontram nesses portos, o acesso a instalações e serviços de bem-estar adequados.
Uma vez que grande parte dos Estados do porto impediram o acesso a terra de marítimos, não foi por isso assegurado o acesso a instalações e serviços de bem-estar adequados em terra.
Regra 5.2- A fim de assegurar a aplicação e o cumprimento das normas da Convenção a bordo de navios estrangeiros são definidas inspecções aos navios estrangeiros no porto e procedimentos de tratamento em terra de queixas de marítimos.
Comapandemiatornou-senecessárioqueoEstadodoporto,atravésdo “PortStateControl”,nassuasinspecçõesaos naviosqueatracamnoportoverifique, não apenas que os direitos dos marítimos estão assegurados em circunstâncias normais, mas também seestãoaserasseguradasascondiçõesadequadasdeprotecçãoesaúdeaosmarítimosabordoemfasedepandemia, diga-se equipamento de protecção e que o descanso, férias e horas de trabalho, estão a ser cumpridas.
Chegouafalar-senapossibilidadedesuspenderaaplicaçãodaConvençãoduranteafasedepandemia, visto quenemosArmadores,nemosEstados–membrospoderiamgarantiremanterosdireitosdosmarítimosaodescansoemterra,àmudançadetripulação,repatriamentoegarantiadecuidadosdesaúdeebem-estar.MasaConvençãonãotem prevista essa possibilidade, os direitos dos trabalhadores não podem ser suspensos neste caso, nem noutros.
A IMO interviu em algumas situações no sentido de auxiliar o marítimo a retornar ao seu país, mas não foi possível ajudar todos os marítimos, apenas nas situações mais dramáticas.
AIMOcriouváriascircularesnosentidodedarorientaçõessobreomodocomoosEstadosMembrosdevemagirrelativamenteaosnavios,nosportosequantoàscondiçõesdosmarítimosabordo.Atítulodeexemplotemosa“Circularletternº4204,add11”ondesãodefinidosmodosderesoluçãoderepatriamentodemarítimosentreEstados-Membros,emqueuméEstadobandeiraeooutroEstadodoporto,bemcomooauxíliomédicoamarítimosabordoeemterra.
Sem uma resposta única internacional foram feitas recomendações por parte da IMO no sentido de os Estados Membros declararem os marítimos como trabalhadores essenciais, permitindo a sua livre entrada e circulação entre fronteiras, marítimas, aéreas e terrestres.
Ao serem declarados trabalhadores essenciais os marítimos não podem ficar impedidos de sair do navio, nem podem ser obrigados ficar em quarentena no Estado do porto quando desembarcarem, nem em nenhum Estado-Membro onde façam escala de voo aéreo de repatriamento. Também significa que são dos primeiros a serem vacinados contra a COVID 19.
Nesse sentido, em 01 de Dezembro de 2020 foi adoptada pelas Nações Unidas na Assembleia Geral uma Resolução de Cooperação Internacional no sentido de resolver os desafios enfrentados pelos marítimos na decorrência da pandemia, sendo a solução preconizada a de declarar os marítimos como trabalhadores essenciais, contudo não foi o suficiente para resolver a situação.
A ILO, por sua vez, em 08 de Dezembro de 2020 adoptou uma Resolução relativo à situação dos marítimos na pandemia no sentido de definir as acções a tomar com urgência. Os Estados devem prescrever a duração máxima dos períodos de serviço a bordo, que tem de ser inferiores a 12 meses. Esta resolução insta os Estados-membros da OIT a:
- Tomar a medidas concertadas, em consulta com os parceiros sociais a fim de identificar os obstáculos às trocas de tripulação, desenvolver e implementar os planos mensuráveis e calendarizados de modo a assegurar a rotação e viagem seguras das tripulações, tendo em conta os protocolos adoptados;
- Designar os marítimos como trabalhadores essenciais com o objectivo de facilitar a circulação segura e sem obstáculos de e para um navio, bem como facilitar a licença em terra e os cuidados médicos em terra;
- Considerar a aceitação de documentos internacionalmente reconhecidos transportados por marítimos, incluindo documentos de identidade de marítimos emitidos em conformidade com as Convenções 108 e 185 da OIT;
- Assegurar que, se os marítimos necessitarem de cuidados médicos imediatos, tenham acesso a instalações médicas em terra e a cuidados médicos de emergência independentemente da nacionalidade e se necessário à repatriação com urgência;
- Considerar medidas temporárias incluindo derrogações, isenções e outras alterações aos requisitos de visto ou de documentos que se aplicariam normalmente a marinheiros.
Ainda na ILO, em 15 de Dezembro foi emitida uma declaração pelo Comité Tripartido da Convenção sobre Trabalho Marítimo, sobre COVID 19 e a necessária colaboração entre Proprietários do Navio e Afretadores no sentido de facilitar a troca de tripulações, proibindo também a inserção de clausulas no contrato que impeçam a mudança de tripulação.
Recentemente foi criada a Declaração Neptuno, na qual os signatários se comprometem a resolver a questão das mudanças de tripulação e o repatriamento. Tendo sido definido que era necessário:
1-Reconhecer os marítimos como trabalhadores essenciais e conceder-lhes acesso prioritário na vacinação contra o COVID 19;
2- Definir e implementar protocolos de saúde de standard elevado baseado na melhor prática;
3- Incrementar a colaboração entre “Ship Operators” e “Charterers “, a fim de facilitar a mudança de tripulação;
4- Assegurar ligação aérea entre hubs marítimos para os marítimos.
Esta declaração foi assinada por governos, empresas marítimas e organizações não governamentais.
Dado que nem todos os Estados seguiram essa recomendação ou assinaram a Declaração Neptuno a situação de todos os marítimos a bordo de navios ainda não tem solução. Veja-se o caso de Portugal que só muito recentemente passou a considerar os marítimos trabalhadores essenciais, apesar da recomendação da IMO nesse sentido ser de 2020.
Acresce ainda que apesar de os Estados terem declarado os marítimos trabalhadores essenciais em alguns casos apenas se aplica aos marítimos nacionais daquele Estado-Membro e marítimos a bordo de navios com bandeira desse Estado-Membro, excluindo os marítimos estrangeiros que trabalhem a bordo de navios estrangeiros. Pelo que o problema dos marítimos subsiste.
A nível da União Europeia foi emitida uma Comunicação da Comissão (2020/C 102 I/03 a considerar os marítimos como trabalhadores que exercem profissões críticas, dizendo ser essencial que todos os trabalhadores em profissões criticas possam continuar a circular livremente, incluindo os trabalhadores fronteiriços e os trabalhadores destacados, devendo para o efeito os Estados-Membros permitir que os trabalhadores entrem no território do Estado-Membro de acolhimento e tenham acesso livre ao respectivo local de trabalho. Insta também os Estados-Membros a estabelecerem procedimentos específicos, rápidos e livres de encargos para a travessia das fronteiras por onde passam um fluxo regular de trabalhadores fronteiriços e trabalhadores destacados, a fim de lhes facilitar a passagem, podendo ser feito através de corredores reservados na fronteira para esses trabalhadores ou de vinhetas específicas reconhecidas pelos Estados-Membros vizinhos para facilitar o seu acesso ao território do Estado-Membro de emprego.
No que se refere aos certificados dos marítimos foi recomendada pela IMO que os Estados-Membros prorrogassem os certificados médicos e de competência por alguns meses, máximo 3 meses, durante a fase de pandemia de modo a permitir que os marítimos que tivessem de permanecer a bordo tivessem a sua situação legalizada, pois não conseguiriam desembarcar para tratar da sua documentação.
Abordagem nacional:
FoijámencionadoquePortugalsó recentemente seguiuarecomendaçãodasNaçõesUnidasnosentidodedeclararosmarítimoscomotrabalhadoresessenciais.
Os marítimos portugueseseosmarítimosquetrabalhamemnavioscombandeiraportuguesa,bemcomoosmarítimosquetrabalhamemnaviosquefaçamescalanosportosnacionais, estiveram até muito recentemente numasituaçãomuitodelicada,quantoasaídasparaterraerepatriamento, dado que Portugal não seguia a recomendação da IMO.
NãoexisteformadeobrigarosEstados-MembrosaseguiremasrecomendaçõesdasNaçõesUnidasedaIMO,sobpenadecolocaremcausaasoberaniadosEstados, embora seja mais conveniente para os Estados que o façam.
NaesferadaUniãoEuropeiaquantoàComunicaçãoemitidapelaComissão,como o nome indica éumameracomunicação,nãoévinculativaparaosEstados-MembrosecomotalnãoévinculativaparaPortugal.
Emtermoslegislaçãointernasobretrabalhomarítimo,temosaLein°146/2015,de9deSetembro, actualizada com a ultima redacção dada pelo decreto-lei nº101-F/2020, de 7 de Dezembro, queregulaaactividadedemarítimosabordodenaviosquearvoramabandeiraportuguesaeasresponsabilidadesdoEstadoPortuguês,enquantoEstadodebandeiraoudoporto,tendoemvistaocumprimentodasdisposiçõesobrigatóriasdaConvençãodoTrabalhoMarítimode2006daOITeasdirectivascomunitáriassobreamatéria.
Assim, o artigo 9º deste diploma estabelece que o período normal de trabalho não pode exceder 8 horas por dia e 48 horas por semana (nº 1).
Estando tripulantes infectados e com sintomas ou gravemente doentes não terá sido possível respeitar esta norma, por um lado para a segurança do navio poderá ser necessário em situação limite e numa situação de pandemia a bordo ultrapassar esta norma, por outro lado a própria segurança do navio será posta em causa se o marítimo trabalhar demasiadas horas sem o descanso devido e necessário para fazer o seu trabalho a bordo.
O artigo 10º fala em limites de tempo de trabalho e de descanso que são idênticos aos que constam na Convenção.
De referir que a opção entre a sujeição da actividade do marítimo a um regime de duração do trabalho ou a um regime de duração do descanso, é feita por convenção colectiva de trabalho ou na sua falta pelo armador (nº 6).
A convenção colectiva de trabalho pode afastar os limites estabelecidos no diploma mediante períodos mais frequentes e mais longos (nº 7).
É garantido um dia de descanso semanal (Artigo 11º nº 1), sendo que o comandante autoriza, quando possível, o desembarque do marítimo nos portos de escala do navio (nº 2).
Quando esteja em causa questões de segurança ou socorro a navio, a pessoas ou a carga o comandante pode exigir ao marítimo que preste o trabalho necessário à segurança imediata do navio, das pessoas a bordo ou da carga ou para socorrer outros navios ou pessoas em perigo no mar, podendo suspender os horários normais de descanso e exigir que prestem as horas de trabalho necessárias à normalização da situação. (Artigo 15º)
Foi exactamente por via desta disposição legal que certamente os comandantes em navios de bandeira portuguesa em fase de pandemia exigiram aos marítimos o trabalho necessário para a segurança imediata do navio, suspendendo os horários de descanso e exigindo a prestação das horas de trabalho necessárias à normalização da situação.
De referir que este trabalho prestado pelo marítimo para segurança ou socorro a navio, pessoas ou carga não confere direito a qualquer pagamento ao marítimo, mas se tiver sido prestado trabalho durante um período de descanso tem direito a gozar o tempo de descanso em falta, logo que possível (nº 2 e 3).
O que está estabelecido neste artigo aplica-se também a exercícios de salva-vidas, de extinção de incêndios ou outros similares, bem como ao trabalho exigido por formalidades aduaneiras, quarentenas ou outras disposições sanitárias (nº 4). Refira-se que se fala aqui expressamente em quarentena ou outras disposições sanitárias, pelo que se aplica, portanto, a uma situação de pandemia.
Quando no porto não haja pessoal especializado em terra os marítimos podem exercer funções de movimentação e arrumação de cargas a bordo ou de movimentação de mantimentos fora do navio e confere ao marítimo o direito a pagamento específico mesmo durante o seu horário de trabalho (artigo 16º).
Durante a fase inicial da pandemia e com o fecho das fronteiras os operadores portuários não queriam que os trabalhadores portuários fossem a bordo de navio, nem queriam que os marítimos retirassem a carga do navio e a colocassem em terra para não contagiarem o pessoal de terra. Não aconteceu em todos os portos, mas de facto houve situações em que foi difícil encontrar o equilíbrio, o armador corria o risco de não cumprir o contrato de transporte de mercadoria se não descarregasse a mercadoria no porto de destino e o Estado do porto que recusasse a descarga poderia perder acesso a bens essenciais importados.
No que se refere às férias, dispõe o artigo 17º que são reguladas pelas disposições nessa matéria constantes do Código de Trabalho, sendo que o período anual de férias tem a duração mínima de dois dias e meio por cada mês de duração do contrato de trabalho ou proporcionalmente no caso de mês incompleto (nº 1 e 2).
As férias são concedidas ao marítimo no porto de armamento, na localidade na sede do armador ou no porto de recrutamento, cabendo a escolha ao armador (nº 3). Apesar de o marítimo ter legalmente direito às suas férias, no entanto, devido às restrições e fecho de fronteiras não foi possível aos marítimos gozar o seu direito às férias e não foi possível ao Armador assegurar esse direito, sem culpa, diga-se, pois, a pandemia foi um acontecimento exterior, de força maior. Pelo menos na maioria dos casos, cremos.
O marítimo tem direito às passagens para e do local de férias, por conta do armador, em meio de transporte à escolha deste (nº 4). Com as fonteiras fechadas, sem a possibilidade de obter voos comerciais, a única possibilidade foi de facto a intervenção do Estado Português para conseguir voos, mas isso aconteceu essencialmente no repatriamento de marítimos, ou seja, com o fim do contrato de trabalho marítimo.
A duração das viagens para e do local de gozo de férias não é incluída no período de férias, salvo se o marítimo utilizar meio de transporte mais demorado do que o indicado pelo armador (nº 5). Numa situação de pandemia, com o fecho de fronteiras o meio menos adequado em circunstâncias normais poderá ter sido a única solução possível e neste caso o Armador tinha de custear essas despesas, por ser o único meio de transporte disponível.
Em caso de falecimento de cônjuge, parente ou afim ou de pessoa em união de facto ou em economia comum, o marítimo pode exercer a faculdade de faltar após a chegada a porto de escala ou ao porto de armamento ou de recrutamento (artigo 18º). Estando o marítimo impedido de sair para terra pelo Estado do porto, não poderia exercer esse direito.
No que se refere ao repatriamento, o artigo 20º diz que o marítimo tem direito ao repatriamento nas seguintes condições:
- Cessação do contrato de trabalho, salvo em caso de denúncia por parte do marítimo;
- Doença, acidente ou outra situação de natureza clínica que seja prejudicada pela permanência a bordo;
- Naufrágio;
- Pirataria;
- Suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição;
- Suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial do armador;
- Recusa em viajar para zona de guerra;
- Após um ou mais períodos de embarque que perfaçam 11 meses e 15 dias de duração.
É o armador que organiza o repatriamento do marítimo e suporta as respectivas despesas, incluindo-se nestas (nº 3):
- A viagem de avião ou outro meio adequado e rápido de transporte até ao local do destino;
- O alojamento e alimentação desde o desembarque até à chegada ao local de destino;
- A retribuição a que o marítimo teria direito se estivesse embarcado até à sua chegada ao local de destino;
- O transporte de 30 kg de bagagem pessoal até ao destino;
- Tratamento médico necessário até que o marítimo possa viajar para o local de destino ou de que este necessite durante a viagem; e
- os custos administrativos decorrentes do controlo de fronteira e eventual escolta, em conformidade com a legislação que regula a entrada, saída, permanência e afastamento do território.
A autoridade competente mais próxima do local de embarque deve organizar o repatriamento nos casos em que o armador não tratar do repatriamento de marítimo que preste serviço em navio de bandeira portuguesa ou no caso de marítimo português, se o armador ou o Estado Bandeira de um navio não o fizerem (nº 6)
Neste caso o Estado Português pode exigir o pagamento das despesas efectuadas com o repatriamento ao armador ou ao Estado de Bandeira e enquanto o pagamento não for efectuado pode proceder à detenção dos navios do armador, tendo em conta os instrumentos internacionais aplicáveis (Convenção Internacional sobre Arresto de Navios), ou solicitar à autoridade competente de outro Estado que proceda à detenção (nº 7 e 8).
O armador tem de dar uma garantia financeira ao Estado bandeira que serve para assegurar determinadas situações, onde se inclui o repatriamento e assistência médica aos marítimos (artigo 21º-A e B)
Em matéria de assistência à doença ou acidente, é definido que o armador deve assegurar o tratamento, pagando os respectivos encargos do marítimo que estando em viagem, sofra doença natural ou acidente que não seja de trabalho e necessite de tratamento em terra fora do território nacional, incluindo os cuidados dentários essenciais, bem como o alojamento e a alimentação ao marítimo durante o período de tratamento a bordo, em terra ou à espera de ser repatriado. (artigo 21º nº 1 e 2).
Contudo, se o marítimo tiver ocultado intencionalmente no momento da admissão uma doença ou lesão, ou quando estas sejam resultantes da sua actuação deliberada, tem direito às referidas prestações por doença, mas terá de compensar o armador do respectivo custo (nº 3). Supondo que o marítimo sabia que tinha COVID 19 e omitiu ao Armador porque precisava de trabalhar, neste caso o Armador pagaria os custos e o trabalhador teria de compensá-lo, sem prejuízo obviamente da instauração de um processo disciplinar contra o trabalhador e até de uma queixa-crime, tendo em conta os riscos de trazer a pandemia a bordo para os passageiros e tripulantes.
Caso o marítimo não seja beneficiário do Serviço Nacional de Saúde tem acesso a condições idênticas ao beneficiário, quanto à protecção na saúde e cuidados médicos, incluindo cuidados dentários necessários (nº 4)
É o armador que tem de assegurar os pagamentos dos cuidados de saúde prestados em caso de doença natural ou acidente que não seja de trabalho. (nº 5)
O regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais consta de legislação específica, contudo a lei define que em caso de acidente ou de doença a bordo de navio que impossibilite o marítimo de prestar a sua actividade o armador deve pagar a este (nº 6 e 7):
- A retribuição ou a diferença entre esta e o subsídio de doença ou a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho, resultantes de acidente de trabalho ou doença profissional, durante o período em que o marítimo esteja a bordo ou desembarcado à espera de ser repatriado;
- Após este período e caso o marítimo não tenha direito ao subsídio ou à indemnização previstos, um montante equivalente ao primeiro, ou não sendo este determinável, correspondente a metade da retribuição, durante 16 semanas a contar do início da doença ou do acidente.
No artigo 39º que se refere a cuidados de saúde urgentes, consta que o marítimo não beneficiário do Serviço Nacional de Saúde, afecto a navio que se encontra em porto nacional, tem acesso às instituições para efeitos apenas de cuidados médicos urgentes, cabendo ao armador assegurar o pagamento desses cuidados de saúde. A questão que se coloca é pode o Estado Português como Estado do porto recusar a entrada de marítimo com COVID 19 e recusar-lhe a assistência de cuidados urgentes? Não existe nenhuma excepção a esta disposição legal, mas estando a falar-se da possibilidade de uma contaminação em massa pode o Estado Português como estado soberano e numa situação excepcional como esta recusar a entrada do marítimo em território nacional, via porto, para cuidados de saúde urgentes em hospital. Entendemos que sim embora com cautela, devendo as situações serem vistas caso a caso e não de um modo generalizado. Sem esquecer os direitos humanos que têm de ser salvaguardados e possível responsabilidade civil.
Falando da responsabilidade como Estado de bandeira, estabelece o artigo 30º que o cumprimento das obrigações decorrentes da legislação relativa às matérias previstas na Convenção, em navio que arvore a bandeira portuguesa, é assegurado através de um sistema de inspecção e de certificação das condições do trabalho marítimo (nº 1).
No que se refere à responsabilidade do Estado do porto, estabelece o artigo 38º que qualquer navio que arvore bandeira estrangeira e se encontre em porto ou fundeadouro nacional no decurso normal da sua actividade ou por razões inerentes à sua exploração pode ser inspeccionado pela DGRM para verificar:
- Caso o navio arvore a bandeira de Estado que tenha ratificado a Convenção, o cumprimento das suas disposições obrigatórias, designadamente as relativas às condições de vida e de trabalho a bordo;
- Caso o navio arvore bandeira de Estado que não tenha ratificado a Convenção, se os respectivos marítimos beneficiam de um tratamento igual ou mais favorável do que o decorrente da aplicação das disposições obrigatórias da Convenção.
O Estado Português como Estado do porto tem de verificar os navios estrangeiros que atracam em portos nacionais se de facto estão a cumprir as regras normais quanto aos marítimos, mas também se estão a ter acesso a mascaras e desinfectante para as mãos, se estão a cumprir os protocolos sanitários e recomendações constantes das circulares da IMO e da ILO.
A única situação que se conhece dos meios de comunicação social e que exigiu a intervenção do Estado Português, não como Estado do porto ou Estado de bandeira, mas por ser o Estado de nacionalidade do marítimo, foi de um marítimo português a trabalhar num navio de cruzeiros de bandeira estrangeira que estava doente com COVID e que não teve assistência médica a bordo, obrigaram-no a estar isolado na sua cabina. Neste caso o Estado Português através das vias diplomáticas e com a colaboração do Estado de bandeira e do Estado do porto conseguiu que o marítimo saísse do navio, tivesse assistência médica e fosse repatriado para Portugal. Possivelmente as despesas foram custeadas pelo Estado Português para depois o Armador reembolsar ou solicitadas ao Estado de bandeira para que este depois solicite o reembolso ao Armador.
Consequências actuais e futuras da pandemia COVID 19:
A primeira questão que se pode colocar de imediato é haverá necessidade de regular por meio de uma Convenção situações como esta de pandemia, tendo em conta que não será certamente a única que iremos enfrentar? Parece não existir ainda a necessidade ou a vontade de uma Convenção que regule situações de pandemia.
De referir que a Convenção sobre a Facilitação do Tráfego Marítimo Internacional (FAL) de 1965, que ajuda na troca de informações entre navios e portos, informação essa onde se inclui obviamente a informação sobre se existem marítimos com COVID a bordo, que tem de ser obrigatoriamente dada pelo comandante do navio ao porto onde pretende atracar, mas que poderá ser dada pelo Estado do porto em resultado de inspecção a bordo de navio. Contudo esta Convenção não é suficiente para este tipo de situações.
E a Convenção sobre Trabalho Marítimo terá de ser revista? Possivelmente sim pois necessita de ser actualizada para um cenário como este de pandemia e também para evitar eventuais abusos por parte dos armadores relativamente aos trabalhadores marítimos, quanto ao horário de trabalho e de descanso, o repatriamento e assistência médica a bordo.
EstapandemiavaicertamenteobrigarosArmadoresareformularnãoapenasagestãodopessoalmarítimo, com uma maior rotatividade das tripulações, mastambémaestruturaorganizacionaldonavio. Haverámaisequipamentomédicoabordo,médicoseenfermeirosabordo,cabinas para cada um dos tripulantes, uma cabina ou uma área de isolamento, uma redução do número de áreas de lazer comum, mas com maior dimensão e um aumento das áreas privativas de cada passageiro, estamos a falar de navios de passageiros, de navios de cruzeiros em específico.
Aliás o crescimento que se estava a verificar no mercado de navios de cruzeiros, quer em termos de passageiros, quer em termos de oferta de trabalho para marítimos foi dos que mais sofreu com a pandemia e não sabemos se irá recuperar totalmente, será pelo menos gradual e muito lenta.
Noqueserefereanaviosdecarga,entende-sequeasmudançaspassamportermaisequipamentomédicoedeprotecçãoabordo,aexistênciaeventualdemédicoouenfermeiroabordo,maispessoalmarítimo de modo a garantir uma maior rotatividade a bordoe/ouumamaiorautomatizaçãodonavio, cabinas e áreas restritas para isolamento de tripulantes.
Possivelmente no futuro muito próximo iremos ver navios com uma tripulação maior a bordo ou mais navios automatizados e mais navios autónomos.
Quanto à formação dos marítimos possivelmente irá mudar no sentido de dar uma enfase maior ao cenário de preparação para uma pandemia a bordo de navio.
Será necessário reformular o contrato de trabalho marítimo? Sim, no sentido de permitir a renovação do contrato, caso tenha de continuar a bordo a trabalhar. Também quanto ao repatriamento e troca de tripulações, prevendo situações como esta de pandemia.
E o contrato de seguro de saúde e de vida? Também terá de ser alterado a fim de prever situações limite como esta e também de modo a proporcionar mais cuidados não apenas físicos, mas também de acompanhamento psicológico e emocional dos marítimos a bordo e também em terra.
A garantia financeira paga pelo Armador ao Estado de bandeira também deverá ser superior de modo a acautelar maiores despesas com o repatriamento e mudança de tripulação em situações pandémicas que poderão carecer da intervenção do Estado de bandeira.
Haverá mudanças no contrato de transporte marítimo? Sim, no sentido de incluir uma clausula que permita o desvio de rota para facilitar a troca de tripulação e o repatriamento de marítimos em situações excepcionais como a de pandemia e resultem no fecho de fronteiras.
Os Estados-Membros, falando em particular do Estado Português, terão de adaptar a sua legislação interna a esta nova realidade, considerar os trabalhadores marítimos trabalhadores essenciais, criar uma colaboração estreita entre os Estados para que em conjunto possam assegurar os direitos dos marítimos a bordo e em terra.
Conclusões:
– Em situação de pandemia:
1) Não existem actualmente mecanismos legais que assegurem os direitos dos marítimos.
2) Não existem mecanismos que obriguem os Estados porto e Estado de bandeira a assegurar os direitos dos marítimos.
3) Os direitos dos marítimos estão dependentes da actuação dos Estados-Membros a nível governamental.
Bibliografia:
– Convenção sobre Trabalho Marítimo;
– Lei nº 146/2015, 9 de Setembro actualizada;
– ILO Resolution concerning maritime labour issues and the COVID 19 pandemic;
– The Neptune Declaration on Seafarer Wellbeing and Crew Change;
– ILO- Statement of the Officers of the Special Tripartite Comitee on the coronavírus desease (COVID 19) regarding increased collaboration between shipowners and charterers to facilitate crew changes;
– IMO Resolution MSC.473
– IMO Protocols for ensuring safe ship crew changes and travel during coronavírus pandemic;
– ILO- General observation on matters arising from the application of the Maritime Labour Convention, during the COVID 19 pandemic;
– ILO- Information note on maritime labour issues and coronavírus (COVID 19), revised version 3.0;
– European Comission cComunication- Guidelines on protection of health, repatriation and travel arrangements for seafarers, passengers and other persons on board ships;
– International Chamber of Shipping. Coronavirus (COVID 19) Guidance for Ship Operators for the Protection of the Health of Seafarers;
– EMSA: COVID 19-Impact on Shipping;
– IMO Circular letters nº 4203 and 4204
- A Pesca Marítima Lúdica
- O Regime Jurídico da Aquicultura
- Novo Regime Jurídico do Megulho Recreativo
- Mergulho profissional – Regime jurídico
- Aluguer de Embarcações Com e Sem Tripulação
- A Lotação de Segurança das Embarcações
- O SNEM- Sistema Nacional de Embarcações Marítima
- Registo de Embarcações de Recreio e o IUC