Há vários os projectos em in Portugal que estão a agitar águas e a gerar marés de confiança mas falta também uma visão administrativa que liberte a iniciativa e não a tolha como, em muitos casos, ainda sucede.

Transformar a náutica de recreio em negócio de sucesso é o grande desafio para os empresários ligados ao sector. E os oradores que participaram na II Grande Conferência “Blue Economy”, organizada pelo Jornal da Economia do Mar, são o exemplo de histórias motivadoras de quem soube juntar competências nacionais, ultrapassar obstáculos e criar escala para o mercado

Integrado no painel “Avanços e Impasses na Náutica de Recreio”, foram divulgados vários projectos concretos que apostam forte no sector nacional. O fundador da Alma Design, Rui Marcelino, que venceu recentemente o prémio de reconfiguração das cadeiras do A330, comprado pela TAP à Airbus, ainda não é um homem da náutica mas pretende vir a ser. A empresa de design industrial que opera em sectores de ponta (aeronáutica, aeroespacial e ferroviário) anseia ingressar naquele ramo de actividade, apesar das barreiras burocráticas que tem encontrado pelo caminho.

Os primeiros contactos com a Indústria Naval começaram em 2001, conta Rui Marcelino. Depois de iniciarem trabalhos com alguns estaleiros do país, nunca conseguiram terminar qualquer projecto. Reconhece a complexidade de entrada no sector, mas opta por deixar a imagem positiva do percurso da Alma Design.

Responsável pela Associação Portuguesa de Indústria Aeronáutica, o gestor recorda como as várias áreas se associaram, dando origem à Associação da Indústria Aeronáutica Espaço e Defesa. “Foram mais de 60 empresas que se souberam juntar, algo raro e difícil no nosso país, para criar escala para o mercado internacional”, relata.

Esta é uma das experiências que o administrador da Alma Design quer partilhar. Mas há mais. O caso da entrada no mercado da aviação correu tão bem, que a TAP está a recuperar toda a sua frota A320, A330 e A340 com incorporação de mão-de-obra portuguesa. “E há três anos a TAP não acreditava nisto”, sublinha.

Segundo o administrador, o caminho trilhado resume-se de forma simples: construíram a história a partir do zero. Depois de perceberem que sozinhos não conseguiam fazer nada e não tinham qualquer visibilidade no exterior, juntaram competências e associaram-se a alguns nomes internacionais como a Embraer. “O sucesso pode estar aqui: encontrar dois ou três projectos chave que permitam dar visibilidade ao sector, projectando, trabalhando em conjunto, gerando produtos tangíveis que podemos levar lá para fora e dizer que somos capazes”, adianta.

Também hoje, a Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário (EMEF) está a remodelar os Alfa Pendulares da CP com incorporação da indústria nacional. Rui Marcelino garante que tanto a aeronáutica como a ferrovia estavam mais atrasadas há dez anos do que esta hoje a indústria náutica.

Sobre a missão da tutela, defende que o Estado tem um papel, não de sustentação, mas de alavancagem no investimento inicial. Por outro lado, o caso TAP e da CP são emblemáticos para demonstrar que é essencial aproveitar as oportunidades que existem dentro de portas. Como se costuma dizer,“pensar globalmente, agir localmente”. “Se juntarmos tudo isto à dinâmica colectiva das empresas, então sim, este sector tem tudo para contar uma boa história a nível internacional”, termina Rui Marcelino.

Segundo o moderador Eduardo Almeida Faria, Portugal tem competências, capacidades, conhecimento e saber fazer para realizar projectos inovadores e diferente. E a prova disso é o exemplo do projectista naval Miguel Subtil que, com a acumulação de conhecimentos tecnológicos e anos de experiência, promete levar a náutica, o desenho e o fabrico nacionais para novos patamares.

O proprietário da famosa embarcação Cote D’Or II, o trimarã que nos tempos gloriosos chegou a ser o mais rápido do mundo, pode marcar o momento de viragem na embarcação à vela em Portugal. Depois da aquisição, demorou dez anos a juntar as peças do puzzle. E contagiado pelas ideias do Cote D’Or, revela que está em fase de preparação o Vortex 25 – um novo projecto também com assinatura portuguesa. Miguel Subtil adianta que na primavera do próximo ano, o Vortex poderá estar a navegar nas águas do Tejo para total desfrute dos amantes da vela.

Duas outras empresas convidadas para partilhar experiências no painel dedicado aos “Avanços e Impasses da Náutica de Recreio” foram as WaterX e Luso Yacht, que trabalham em conjunto e conseguiram construir várias embarcações marítimo-turísticas também com mão-de-obra interna. Com oito modelos a operar, o sucesso comercial está garantido e o futuro apresenta-se risonho.

Tomás Costa Lima, administrador da Luso Yacht, explica como tudo começou em 2011. Dos trabalhos de pesquisa até à procura de estaleiros nacionais e concepção do primeiro desenho foi um salto. Partiram depois para outras andanças. Percorreram feiras, estabeleceram contactos e perceberam que existiam oportunidades de mercado. Aliaram o produto funcional à tecnologia e design vocacionado para cada tipo de evento. E hoje têm em vista a internacionalização, que ensaia agora os primeiros passos.

“Desenhei um barco que respondia às necessidades do cliente e das operações em termos de funcionalidade, e a intenção era que as pessoas se sentissem num iate, pensado para aquele turismo de grupo, de copo de vinho na mão”, sublinha.

O administrador da WaterX, João Mendonça, lembra que o objectivo foi devolver à cidade lisboeta uma parte da economia que o rio podia trazer e que não estava bem explorada. “Gostava muito que os exemplos da WaterX e da Luso Yacht pudessem acontecer noutras áreas de negócio, que juntássemos os portugueses mas sempre com os olhos na internacionalização, facilitada pelo nosso histórico da ligação ao mar”.

João Mendonça vê o futuro com boas perspectivas, mas diz serem precisos mais estaleiros, mais operadores, e mais e melhores infraestruturas. Adianta que criar varadouros de embarque é fundamental para dinamizar o Tejo e permitir o crescimento da actividade.

Também Rodrigo Moreira Rato, responsável pela comunicação da Sail Portugal, está envolvido em dois projectos de grande dimensão: a Volvo Ocean Race (VOR), a maior prova de vela oceânica que vai regressar a Lisboa em 2017; e o boatyard (estaleiro) da VOR, que é uma unidade de negócios autónoma com identidade própria.

Depois do sucesso alcançado em 2015, tendo sido considerada como “uma das melhores escalas de toda a regata”, a edição do próximo ano terá início na cidade espanhola de Alicante. A capital portuguesa será o segundo stopover mas a ligação à competição será contínua. Na segunda etapa, Lisboa – Cape Town, será recriado o percurso histórica realizado há mais de 500 anos por Vasco da Gama.

A instalação do boatyard na Doca de Pedrouços permite que até ao início da competição prevista para Outubro, todos os barcos concorrentes vão chegando à cidade para serem sujeitos a melhoramentos, testes e treinos. Moreira Rato congratula-se com a história do boatyard, que veio para ficar durante dez anos, e onde estão cada vez mais portugueses envolvidos. Desde a reparação à assessoria técnica, das ferramentas aos equipamentos de segurança, são vários os fornecedores nacionais, em diversas áreas técnicas, a prestarem serviços. Até os os semi-rígidos que suportam as equipas vão ser construídos em Portugal, informa.

“Mas não é possível levar a cabo investimentos desta natureza sem a participação estrangeira”, lamenta Moreira Rato ao finalizar: “A economia portuguesa não tem vontade em incentivar projectos desta dimensão, as empresas portugueses só olham para eles depois de acontecerem”.

Por fim, o moderador Eduardo Almeida Faria conclui que existe náutica com sentido económico e com boas perspectivas de futuro. “É preciso que entidades públicas e privadas se juntem para alavancarem ainda mais o desenvolvimento do sector náutico”, que, estima-se, tenha crescido perto de 30 por cento nos últimos três anos.



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