Dificuldade em passar da excelente investigação que já se faz em Portugal à efectiva inovação, como o pouco investimento de iniciativa privada, seja por inibição, seja por receio, seja até por falta de condições, eis dois dos temas que mais nos devem preocupar quando se pensa em o salto para o futuro que nunca fica à espera de nós.

Nos últimos anos, Portugal tem manifestado cada vez mais preocupações com a exploração com o seu mar profundo, ou deep sea, na terminologia científica internacional. Disso deu conta o ex-Director-Geral de Política do Mar, João Fonseca Ribeiro, durante o recente debate Da Inovação à Exploração do Mar Profundo promovido no âmbito da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar.

Para Fonseca Ribeiro, nos últimos tempos, “houve uma certa orientação estratégica para encaminhar algum financiamento no sentido da investigação do mar profundo”, que pode não ter tido expressão em valores significativos, mas gerou uma percepção pública de que essa preocupação existe, “posso dizê-lo sem preconceito”.

Prova do que afirma pode bem ser o “esforço para sistematizar e quantificar a economia do mar que, de acordo com a análise que decorre da Conta Satélite do Mar, não nos deve deixar deprimidos”, referiu. “Antes pelo contrário, no contexto do desenvolvimento sustentável de Portugal, a economia do mar tem aqui uma segmentação que está muito em linha com as recomendações da OCDE relativamente à economia azul”, afirmou.

Uma tese partilhada por várias personalidades ligadas à investigação do mar em Portugal, e que partilharam o painel com o antigo Director-Geral de Política do Mar, como Miguel Miranda, presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), e António Sarmento, presidente da associação privada sem fins lucrativos WavEC Offshore Renewables.

De acordo com Miguel Miranda, nesta matéria, desde há três anos, passou-se de uma situação em que “falar do mar profundo era impossível, já que as prioridades eram as zonas estuarinas e costeiras, para uma situação em que os actores se renovaram, os grupos de investigação sem intervenção significativa passaram a tê-la, vários grupos de tecnologia distintos aproximaram-se do mar e várias sub-áreas de investigação tecnológica aproximaram-se entre si”. Tal evolução reflecte-se “mais em comportamentos do que em números”, referiu, sem deixar de notar que a ligação à Noruega “foi instrumental neste processo”.

Embora tenha reconhecido esta realidade, António Sarmento preferiu destacar uma distinção entre investigação, que classificou como “utilização de dinheiro para gerar conhecimento, e inovação, que considerou como “utilização de conhecimento para gerar dinheiro”. Para o presidente da WavEC, “são conceitos ligados, mas diferentes”. A investigação é “uma realidade menos estruturada do que a inovação, mas é algo de que Portugal está bem dotado”, referiu. Já a inovação é algo mais exigente, “em que Portugal tem uma situação mais débil”. A primeira equivale ao conhecimento e a última corresponde à conversão do conhecimento em negócio.

António Sarmento esclarece que não basta ter o conhecimento para gerar o valor acrescentado necessário ao desenvolvimento da sociedade. “É aqui que falamos em colocação de novos produtos, serviços e processos no mercado, mas essa colocação é mais do que a capacidade tecnológica, é mais do que fazer um protótipo, é também saber penetrar no mercado”. O que implica “saber quais são os produtos que queremos desenvolver e que mais facilmente conseguimos colocar no mercado”, referiu. Se assim não for, “podemos perder oportunidades”, afirmou.

E deu exemplos desse risco, relacionados com o aproveitamento das energias renováveis marinhas e com boa parte do financiamento assegurado. Um é o projecto Windfloat, que envolve um investimento de 125 milhões de euros, dos quais 20% da EDP e 80% de origem estrangeira, acrescidos de 35 milhões de euros, “que é o custo do cabo eléctrico” e que estará “a bloquear o processo há meses”.

Outro exemplo será o do projecto Waveroller, no qual o investidor estrangeiro já aplicou 10 milhões de euros. Mas que tem uma perspectiva de investimento de “mais 20 milhões de euros em projectos em curso e outros 40 milhões de euros a médio prazo”. Também aqui António Sarmento admite que a suspensão do projecto é devida à falta de autorização para a ligação do cabo eléctrico a terra, “que envolve investimento”.

Apesar de admitir compreender “as razões que levam a estas dificuldades”, reconhece que “custa perceber que não exista capacidade para as ultrapassar”, acrescentando que “a importância destes projectos é a de estarem ligados a um eventual desenvolvimento de produtos com aplicação genérica, designadamente, na aquacultura”. Para este responsável, “captar estes dois projectos confere massa crítica e capacidade de atrair empresas para este sector”.

 

Dúvidas e desafios

Outros três membros do painel, Miguel Saldanha, administrador da empresa de prospecção Geosub, Roland Mugli, Director de Exploração da GALP, e João Folque Patrício, Director de Empresas do BPI, sinalizaram algumas preocupações do sector privado com o quadro de desenvolvimento da exploração do mar profundo em Portugal.

Miguel Saldanha reconheceu que os investidores ainda têm uma confiança frágil na exploração marinha em Portugal. “O mar em Portugal tem constrangimentos, como a agitação marítima, que se reflecte no mar profundo”, referiu. Paralelamente, admitiu que “sem um plano estratégico nacional a prazo”, é de temer que os pequenos investidores prefiram não se aventurar.

Roland Mugli, por seu lado, recordou que “nos últimos 20 anos, as descobertas de hidrocarbonetos, como o petróleo, no mar, deram-se em águas mais profundas”. Embora não seja uma exploração fácil, têm existido desenvolvimentos na tecnologia que a permite, à custa de elevados investimentos, o que aumenta o risco das iniciativas.

Relativamente a Portugal, refere que está a ser prosseguida investigação. “A questão em Portugal não é a de criar uma companhia de exploração de petróleo, mas antes a de saber se existem hidrocarbonetos que possam ser explorados comercialmente”, referiu. E nesse contexto, tal como António Sarmento, reconheceu que existe em Portugal capacidade de prestar serviços “a esta indústria, há conhecimento”, sendo que a prioridade, neste momento, é fazer o mapeamento dos recursos existentes, em linha com a estratégia europeia nesta matéria.

Já João Folque Patrício reflectiu parte das preocupações do sector financeiro face à exploração das actividades marítimas emergentes. “Detemos conhecimento relativamente às actividades tradicionais, mas ainda estamos a aprofundar o nosso conhecimento sobre as actividades emergentes, como a biotecnologia, a aquacultura ou a energia”, reconheceu. “Temos dificuldade em financiar estas últimas actividades porque o seu ciclo de vida está pouco consolidado”, admitiu.

Apesar destas dúvidas, o representante do BPI referiu que a instituição para que trabalha considera o mar um sector estratégico, “que temos vindo a apoiar”. Por isso, o BPI apoiou o Biomarine, integrou o Observatório da Economia do Mar e a Bluebio Alliance, e patrocinou os Prémios Excellens Mare, da PWC, ou esta conferência do Jornal da Economia do Mar. E recordou que a instituição tem linhas de apoio a investimentos em projectos de inovação, tendo mesmo assinado um acordo com o Banco Europeu de Investimentos (BEI) para efeitos de partilha de risco.

A aposta progressiva de Portugal na exploração do mar profundo, ainda que bem acolhida, designadamente pelo sector científico, enfrenta desafios, alguns dos quais expressos pelas empresas privadas. Desafios que requerem opções, quer no plano económico-social, quer no plano tecnológico, quer ainda no plano estratégico.

Miguel Miranda referiu, desde logo, o desafio da descarbonização. “Pensar que se vão fazer operações no mar em 2020 como se faziam em 1920 não é realista; a principal operação no mar terá a ver com os recursos energéticos, cujo principal desafio será a descarbonização, um jogo complexo que terá que ter uma resposta dos serviços de investigação e desenvolvimento”, referiu o presidente do IPMA.

O mesmo responsável admite também que a exploração marítima, nomeadamente no Atlântico, conhecerá alterações decorrentes do resultado eleitoral das recentes eleições presidenciais nos Estados Unidos. “A eleição de Donald Trump pode converter o Atlântico de bacia interior, ou seja, um mar euro-americano, em bacia exterior, como se fosse um muro”, referiu. Isto significa que a exploração oceânica terá que considerar desafios de defesa e soberania.

No plano nacional, Miguel Miranda propôs uma série de passos, que incluem a desfragmentação de iniciativas paralelas, a selecção de alvos definidos, a verticalização (integração de todas as formas de aproveitar um recurso no mesmo circuito de análise e operação económica), reforçar a difusão da informação por via da abertura de repositórios e bases de dados para deixar entrar novos actores na investigação marinha, liberalizar o acesso aos meios, mapear as capacidades existentes e avaliar o sistema como um todo pelos próprios actores.

António Sarmento considera que o desafio é grande e sujeito a um condicionalismo. “É que nós estamos falidos, pelo que ou encontramos quem queira investir no país ou não vamos a lado nenhum”, referiu. E acrescentou que “deixava de fazer planos, para em vez disso, identificar os projectos que queremos trazer para Portugal nos próximos cinco anos, verificar quem é que quer investir cá, garantir que esse investimento chega ao país e ter uma estratégia de maximização do retorno desses projectos”.

Neste processo de passos e desafios, João Fonseca Ribeiro considerou que “a transferência de conhecimento e tecnologia deve substituir os esforços de criação de instrumentos financeiros de apoio, geralmente públicos, convertendo-se em processos de parcerias público-privadas, nos quais os privados assumam maior protagonismo”. E como democratizar esse conhecimento?

João Fonseca Ribeiro responde, assumindo que as instituições públicas deverão ser a salvaguarda desse bem que os cidadãos consideram seu, que é o mar, colocando-se ao seu serviço e promovendo o diálogo necessário com os agentes económicos privados, “para que grandes empreendimentos no mar possam ter lugar de forma coerente e seguindo os princípios do desenvolvimento sustentável”.



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