«Nem no contexto de Portugal, nem no da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) existe a consciência do potencial estratégico» do mar para os respectivos Estados Membros, referiu Manuel Lapão, Director de Cooperação da CPLP durante a II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar.
Intervindo num painel subordinado ao tema «Portugal, a CPLP e o Mundo», moderado por Paulo Serra Lopes e com a participação de José Luís Cacho, enquanto Consultor da Associação de Portos de Língua Portuguesa, Sónia Ribeiro, economista da SaeR, e o advogado Nuno Antunes, da Miranda & Associados, Manuel Lapão recordou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, concluída em 2015 e que estebelece um conjunto de programas, acções e directrizes das Nações Unidas rumo ao desenvolvimento sustentável, e a Estratégia da CPLP para os Oceanos, de 2009, antes de recorrer a um filme de Sérgio Leone para expôr a perspectiva da CPLP sobre o mar. Para o Director de Cooperação da organização, o mar pode ser visto sob o ângulo do bom, do mau ou do vilão.
O bom, o mau e o vilão na CPLP
O papel do bom na CPLP fica para a dimensão político-estratégica, que Manuel Lapão considera depender da visão e da liderança política que, em cada momento, os Estados membros tenham em cada contexto, do contributo estratégico de cada Estado, que é diferente de uns para outros, e dos contextos de alargamento da soberania dos Estados membros, designadamente «dos territórios sob jurisdição nacional, com implicações no alargamento das Zonas Económicas Exclusivas».
A esse propósito, Sónia Ribeiro recordou que no trabalho desenvolvido na Saer sobre o hypercluster do mar, em que participou, «conseguimos voltar a fazer do mar um desígnio nacional», mas que para a CPLP, «o mar parece ser uma quinta prioridade». Mas acrescentou que a CPLP «permite-nos ter uma visão de futuro que dificilmente teremos sem ela», na medida em que pode ser um catalisador de ambições comuns de desenvolvimento global, quer político, quer económico.
E recordou que a CPLP é uma rede policêntrica, baseada numa matriz cultural comum muito original, em que nove países fazem a ponte com espaços regionais de alcance global, como a União Europeia (UE), o Mercosul, a ASEAN ou a SADC (South African Development Community) entre outros. «A CPLP está em portos de ancoragem que vão moldar a nova ordem internacional», referiu.
Já Nuno Antunes considera que do ponto devista estratégico, «a opção pelo mar deve ser de longo prazo, independente de ciclos políticos, sustentável e encarada sob a óptica do exercício do poder geopolítico e económico», pelo que é dessa forma que vê a «integração de Portugal, quer na UE, quer na CPLP».
O papel do mau é representado pela questão da promoção dos interesses económicos. «É que tudo o que pode resultar no plano económico-marítimo na CPLP são projectos de capital intensivo, onde o investimento de capital é muito necessário e onde nem sempre surge nos valores que parecem existir mas que não se encontram disponíveis», refere.
Neste ponto, Paulo Serra Lopes chamou a atenção para os mil milhões de dólares do Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento entre a China e os Países de Língua Portuguesa, destinados a financiar projectos da CPLP, anunciado em 2010 pelo então Primeiro-Ministro chinês, Wen Jiabao. Manuel Lapão admitiu que o problema do fundo «não é a falta de iniciativa, é a forma como está a ser gerido e acompanhado».
Ainda no plano económico, Manuel Lapão recordou as recentes descobertas de hidrocarbonetos em dois Estados membros (o pré-sal, no Brasil, e o gás natural, em Moçambique), o potencial dos países ribeirinhos da organização para assegurarem a segurança alimentar e nutricional própria e alheia, a localização privilegiada mas mal aproveitada dos portos dos Estados membros e o mau aproveitamento dos seus recursos energéticos (petróleo, gás natural, vento, marés).
Quanto à energia, Nuno Antunes salientou que «temos que saber se a Europa quer a livre circulação, como faz com as pessoas e os capitais», notando que em Portugal, o gás natural liquefeito pode entrar pelo porto de Sines (onde já entra), de onde pode seguir para o resto da Europa. E recordou que o gás natural que pode entrar por essa via é mais do que o que é consumido pelo mercado ibérico. O advogado está a pensar no gás natural de Moçambique, mas a estruturação dessa via dificilmente funcionará sem o aval da União Europeia.
Nuno Antunes não esqueceu a possibilidade do aproveitamento da energia eólica, designadamente através de parques eólicos que alimentem a rede, a gerir por uma smart grid. «Toda a CPLP pode usar as eólicas offshore», referiu, e apontou o exemplo de Cabo Verde e da zona dos Alíseos. «No caso do mar e na perspectiva portuguesa, o que tem que ser maximizado é o conjunto de relações que advêm deste tipo de potencialidades ligadas ao mar, num conjunto diferente de panoramas; a posição de Portugal no espaço europeu é diferente da que temos no espaço da CPLP», referiu.
No caso dos portos, Manuel Lapão identificou as potencialidades do Oceano Atlântico. Os portos do Rio de Janeiro e Luanda são importantes no Atlântico Sul, designadamente na ligação ao Oceano Índico. Depois temos Cabo Verde e Portugal como entradas para o Atlântico Norte e a Europa. «E em Portugal temos o porto de Sines, com uma capacidade de irradiação para o contexto europeu que não está a ser aproveitada», salientou. «Por isso, dá que pensar como é que o gás natural liquefeito de Moçambique e o porto de Sines não têm uma estratégia de entrada desse produto no contexto europeu, com todas as vantagens de escala que podem daí resultar», acrescentou.
Finalmente, o papel do vilão cabe à questão sócio-cultural. Aqui cabe destacar o benefício decorrente da proximidade linguística e dos laços históricos entre os Estados membros da CPLP. Manuel Lapão aponta a organização como fórum de projecção de conhecimento e investigação, igualmente desaproveitado. E recorda os projectos do Atlas dos Oceanos e o Centro de Estudos Marítimos, previstos na Estratégia da CPLP para os Oceanos.
Portos em português
Inspirada na CPLP existe a Associação de Portos de Língua Portuguesa (APLOP), que congrega os portos de Portugal, Brasil, Timor-Leste, Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Princípe, Guiné-Bissau e Guiné-Equatorial. E que tem a Agence National de Ports, que gere os portos de Marrocos (com excepção do porto de Tânger Med), como observador. O caso de Marrocos é interessante, não só pela proximidade geográfica com Portugal, mas também porque ali estão previstos investimentos de 5 mil milhões de euros até 2030 no sector portuário, incluindo a construção de três portos de raíz.
Desde que nasceu, há cinco anos, «tem tido uma dinâmica intererssante e é um caso de sucesso, porque liga os portos de todos os países de língua portuguesa», considera José Luís Cacho, até há pouco consultor da APLOP e actualmente à frente dos destinos de alguns dos portos membros da organização (Sines e Algarve).
O mesmo responsável admite que no seio da APLOP «as oportunidades são muitas», embora o estado de desenvolvimento de cada país, e por consequência, dos seus portos, seja diferente. O que torna complexa a adopção de projectos comuns. Questões de segurança e de financiamento são apenas duas das áreas sensíveis.
Mas isso não invalida que a associação tenha tentado desenvolver projectos comuns. José Luís Cacho deu o exemplo da «criação de uma marca APLOP», que consistiria numa certificação de portos orientada para a facilitação de mercadorias nestas infra-estruturas. «Isso poderia reduzir custos, que por vezes inviabilizam a importação e a exportação de ou para os portos desses países», refere José Luís Cacho.
Outro exemplo é a criação de mais linhas de transporte marítimo nos países da APLOP. E nesse ponto, José Luis Cacho refere «a criação de uma empresa de bandeira APLOP”, o que se torna dificil porque actualmente nenhuma das existentes nestes países tem a dimensão adequada para o efeito. “É preciso uma estratégia de médio e longo prazo», refere.
Actualmente, é o Brasil que preside à associação, através da ABEPH (Associação Brasileira das Entidades Portuárias e Hidrovias), e tem Moçambique na vice-presidência, representado pelos Caminhos de Ferro de Moçambique. O mesmo Brasil que também preside à CPLP.
Questionado sobre se na qualidade de presidente da CPLP o Brasil não poderia ter uma intervenção «mais musculada em prol da comunidade», Manuel Lapão admitiu que «tem a oportunidade de o fazer». «Claro que um país como o Brasil na CPLP constitui um potencial não negligenciável», referiu aquele responsável, mas sem deixar de reconhecer que as prioridades do país são primeiro domésticas, depois regionais e só depois globais, ou seja, à escala das Nações Unidas, onde a CPLP não tem desempenhado um papel muito relevante, até pelos limitados recursos de que dispõe.
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