Conforme já referido na edição anterior do Jornal hoje vamos falar do contrato de transporte marítimo de passageiros.

Vamos começar pelo regime internacional, em particular pela Convenção de Atenas, dada a extensão do artigo não iremos falar do Regulamento comunitário nº 1117/2017, ficará para a próxima edição do Jornal.

A Convenção de Atenas sobre o Transporte Marítimo de Passageiros e suas Bagagens por Mar foi negociada no âmbito da IMO (Organização Marítima Internacional) e foi adoptada em Atenas em 13 de Dezembro de 1974. Estabeleceu um regime de indemnizações por danos sofridos por passageiros transportados em navios de mar, que torna a transportadora responsável por perdas e danos sofridos pelos passageiros e respectivas bagagens. Esta Convenção foi alterado posteriormente pelo Protocolo de 1976, adoptado em 19 de Novembro, e pelo Protocolo de 1990, adoptado em 29 de Março.

O primeiro Protocolo introduziu como principal alteração à Convenção a possibilidade de utilização como unidade de conta dos Direitos de Saque Especial (Special Drawing Rights), do Fundo Monetário Internacional, em alternativa ao Franco Ouro, para efeitos de fixação de limites da responsabilidade. O segundo Protocolo nunca chegou a entrar em vigor e foi substituído em 1 de Novembro de 2002 pelo Protocolo de 2002.

Este Protocolo de 2002 à Convenção de Atenas veio alterar substancialmente o texto da Convenção, em particular em matéria de responsabilidade da transportadora e a obrigatoriedade desta de constituir uma garantia financeira.

Estabeleceu também o aumento dos limites de responsabilidade civil por perda ou danos a bagagens e veículos, bem como a compensação por morte e danos pessoais, prevendo igualmente situações de imputação de responsabilidade objectiva à transportadora.

Definiu também o aumento dos limites de responsabilidade por perdas e danos pessoais, e prevê situações de imputação objectiva à transportadora, ou seja independentes da existência de culpa desta. Introduz também um procedimento simplificado para actualização dos limites da responsabilidade e mecanismos eficazes para auxilio dos passageiros aos quais são devidas indemnizações, com base em princípios decorrentes da responsabilidade ambiental.

Produzoi ainda também alterações em matéria de reconhecimento e execução de decisões judiciais e inclui uma clausula de autoexclusão, que permite aos Estados Partes manter ou fixar limites mais elevados de responsabilidade ou até de responsabilidade ilimitada no caso de transportadoras sujeitas à jurisdição dos seus tribunais.

Esta Convenção aplica-se a qualquer transporte internacional:

1-A todos os navios de mar, excluindo os veículos de sustentação por ar;

2- Navios que arvorem bandeira ou estiverem registados num Estado Parte da Convenção;

3- O contrato de transporte foi celebrado num Estado Parte da Convenção;

4- O local de partida ou de chegada, de acordo com o contrato de transporte, estiver localizado num Estado Parte desta Convenção.

Não obstante, esta Convenção não se aplica quando o transporte estiver sujeito a outra Convenção internacional relativa ao transporte de passageiros ou de bagagens por outro modo de transporte a ele ligado, sendo o regime civil de responsabilidade de acordo com as disposições dessa convenção de aplicação obrigatória ao transporte por via marítima.

As transportadoras que efectuem de facto a totalidade ou parte do transporte num navio, autorizado a transportar mais do que 12 passageiros, que arvoram bandeira de um Estado Parte têm de manter um seguro ou uma garantia de um banco ou de uma instituição financeira semelhante, que cubra a responsabilidade por morte e lesão corporal dos passageiros, num montante que não deve ser inferior a 250.000 unidades de conta por passageiro, em cada caso concreto.

Estes são os traços gerais da Convenção, passemos agora para a análise da Convenção.

No artigo 1º constam algumas noções:

Transportadora: “designa a pessoa pela qual ou em nome da qual foi celebrado um contrato de transporte, independentemente de o transporte ser efectuado realmente por essa pessoa ou por uma transportadora de facto.”

Transportadora de facto, por sua vez, “designa uma pessoa distinta da transportadora, seja ela proprietário, afretador ou operador de um navio, que efectua de facto a totalidade ou parte do transporte.”

“Transportadora que efectua de facto a totalidade ou parte do transporte, designa a transportadora de facto ou a transportadora, caso esta efectue de facto o transporte.”

Contrato de transporte é “um contrato feito por ou em nome de um transportador para o transporte por via marítima de um passageiro ou de um passageiro e sua bagagem, conforme seja o caso.” Artigo 1º nº 2)

Passageiro é “qualquer pessoa transportada num navio sob um contrato de transporte ou quem, com o consentimento do transportador, esteja a acompanhar um veículo ou animais vivos cobertos por um contrato de transporte de mercadorias não reguladas por esta Convenção.” (Artigo 1º nº 3)

Navio é “uma embarcação marítima, excluindo veículos com colchão de ar.” (Artigo 1º nº 4)

Bagagem é “qualquer artigo ou veículo transportado pelo transportador sob um contrato de transporte, excluindo: (Artigo 1º nº 5)

  1. Artigos e veículos transportados por um afretador, documento de embarque de carga ou outro contrato cobrindo principalmente o transporte de mercadorias, e
  2. Animais vivos.”

Bagagem de cabine constitui “a bagagem que o passageiro tenha em sua cabine ou da qual esteja de posse ou que esteja sob a sua guarda ou controle. Excepto para os fins de aplicação do parágrafo 8 deste artigo e do artigo 8, bagagem de cabine inclui a bagagem que o passageiro tenha dentro ou sobre o seu veículo.” (Artigo 1º nº 6)

Perda ou dano à bagagem inclui “o prejuízo patrimonial resultante da bagagem não ter sido devolvida ao passageiro dentro de um período razoável após a chegada do navio no qual a bagagem tenha sido, ou deveria de ter sido, transportada, mas não inclui atrasos resultantes de litígios trabalhistas.” (Artigo 1º nº 7)

Transporte “cobre os seguintes períodos: (Artigo 1º nº 8)

  1. Em relação ao passageiro e à sua bagagem de cabine, o período durante o qual o passageiro e/ou sua bagagem de cabine estiver a bordo do navio ou durante o embarque ou desembarque, e o período durante o qual o passageiro e sua bagagem de cabine forem transportados por via marítima da terra para o navio ou vice-versa, se o custo deste transporte estiver incluído na tarifa ou se o navio utilizado para fins de transporte auxiliar tenha sido colocado à disposição do passageiro pelo transportador. No entanto, no tocante ao passageiro, o transporte não inclui o período durante o qual ele esteja em uma estação ou terminal marítimo ou em um cais ou em qualquer outra instalação portuária;
  2. Em relação à bagagem de cabine, também o período durante o qual o passageiro estiver em uma estação ou terminal marítimo, em um cais, ou em qualquer outra instalação portuária, caso aquela bagagem tenha sido levada pelo transportador ou pelo seu servidor ou agente e não tenha sido devolvida ao passageiro;
  3. Em relação a outra bagagem, que não seja a bagagem de cabine, o período a partir do momento em que tenha sido levada pelo transportador, ou pelo seu servidor, ou agente em terra ou a bordo até o momento em que seja devolvida pelo transportador, ou seu servidor ou agente.”

Transporte internacional é “qualquer transporte no qual, de acordo com o contrato de transporte, o local de partida e o local de destino estejam situados em dois Estados diferentes, ou n um único Estado se, de acordo com o contrato de transporte ou com o roteiro de viagem, haja uma escala em um porto intermediário em um outro Estado.” (Artigo 1º nº 9)

Organização designa a Organização marítima Internacional. (Artigo 1º nº 10)

Secretário-Geral designa o Secretário-Geral da Organização. (Artigo 1º nº 11).

Quanto ao âmbito de aplicação desta Convenção, o artigo 2º refere que esta se aplica a qualquer transporte internacional se: (nº 1)

  1. O navio tiver bandeira ou estiver registado num Estado Parte da Convenção;
  2. O contrato de transporte tiver sido celebrado num Estado parte da Convenção ou;
  3. O local de partida ou de destino, de acordo com o contrato de transporte, estiver localizado num Estado Parte da Convenção.

Não se aplica a presente Convenção quando o contrato de transporte estiver sujeito, de acordo com outra Convenção Internacional relativa ao transporte de passageiro ou de bagagem por outro modo de transporte, a um regime de responsabilidade civil de acordo com as disposições dessa Convenção, desde que sejam de aplicação obrigatória ao transporte por via marítima. (nº 2)

No que se refere à responsabilidade do transportador, de acordo com o artigo 3º nº 1 a transportadora é responsável pelos danos resultantes da morte ou lesão corporal de um passageiro causados por um incidente de navegação, na medida em que essas perdas não excedam 250.000 unidades de conta, em cada caso concreto, a menos que a transportadora prove que o incidente:

  1. Resultou de um acto de guerra, hostilidades, guerra civil, insurreição ou de um fenómeno natural de carácter excepcional, inevitável e irresistível, ou;
  2. Foi inteiramente provocado por um acto ou omissão de um terceiro, cometido com a intenção de causar o incidente.

Se os danos excederem o limite, a transportadora continua a ser responsável, a menos que prove que o incidente que causou os danos ocorreu sem culpa ou negligencia da sua parte. (nº 1)

A transportadora é ainda responsável pelos danos resultantes da morte ou lesão corporal de um passageiro não causados por um incidente de navegação, se o incidente que que tiver ocasionado os danos se dever a culpa ou negligência da transportadora, cabendo o ónus da prova ao requerente. (nº 2 artigo 3º)

A transportadora é também responsável pelos danos resultantes de perda ou dano da bagagem de camarote, se o incidente que tiver ocasionado o dano se dever a culpa ou negligência da sua parte. Presumindo-se a existência de culpa ou negligencia da transportadora caso os danos sejam causados por um incidente de navegação. (nº 3 artigo 3º)

A transportadora é responsável pelos danos resultantes da perda ou dano de bagagem distinta da bagagem de camarote, a menos que prove que o incidente que originou os danos ocorreu sem culpa ou negligencia da sua parte. (nº 4 do artigo 3º)

O nº 5 do artigo 3º define:

  1. a) “incidente de navegação” um naufrágio, virar da quilha, colisão ou encalhe de navio, explosão ou incêndio do navio ou defeito do navio.
  2. b) “culpa ou negligência da transportadora”, a culpa ou negligência dos trabalhadores da transportadora, agindo no exercício das suas funções;
  3. c) “Defeito do navio” qualquer anomalia, deficiência ou incumprimento das disposições de segurança aplicáveis relativamente a qualquer parte do navio ou do seu equipamento utilizada para a saída, evacuação, embarque e desembarque de passageiros, ou utilizada para a propulsão, governo, segurança da navegação, amarração ancoragem, chegada ou partida de um cais ou fundeadouro ou limitação de avarias na sequência de um alargamento, ou utilizada para o lançamento à água de meios de salvação; e
  4. d) “Danos” exclui os danos punitivos ou exemplares.

A responsabilidade da transportadora refere-se apenas aos danos resultantes de incidentes ocorridos no decurso do transporte, sendo que o ónus da prova deste e a dimensão dos danos pertencem obviamente ao requerente. (nº 6 do artigo 3º)

O direito de regresso da transportadora contra terceiros não é prejudicado por nenhuma disposição da Convenção, nem o de invocar a concorrência da culpa nos termos do artigo 6º, nem o direito de limitação previsto no artigo 7º ou 8º. (nº 7 do artigo 3º)

De referir que a presunção de culpa ou negligencia de uma parte ou a atribuição do ónus da prova a uma parte não impedem que sejam consideradas provas a favor dessa parte. (nº 8 do artigo 3º)

Falando em particular da transportadora de facto o artigo 4º estabelece que caso a execução do transporte ou parte dele tiver sido transferida para uma transportadora executante, a transportadora de facto, a transportadora deverá continuar sendo responsável por todo o transporte, de acordo com as disposições da Convenção, devendo a transportadora de facto estar sujeita e ter direito às disposições da Convenção para a parte do transporte que seja executada por esta. (Nº 1)

A transportadora deve, em relação ao transporte realizado pela transportadora de facto, ser responsável pelo actos e omissões desta e de seus representantes e agentes que ajam no âmbito do seu trabalho. (nº 2)

Qualquer acordo especial através do qual a transportadora assuma obrigações não impostas pela Convenção ou qualquer renúncia dos direitos conferidos por esta deverá afectar também a transportadora de facto, mas apenas se houver acordo expresso por escrito nesse sentido. (Nº 3)

Quando, e na medida em que, tanto a transportadora quanto a transportador de facto forem responsáveis, a responsabilidade destas será conjunta e solidária. (nº 4)

O nº 5 deste artigo faz uma ressalva dizendo que nada no artigo deverá prejudicar o direito ao recurso entre a transportadora e a transportadora de facto.

Com o Protocolo de 2002 foi introduzido um artigo referente ao seguro obrigatório, o artigo 4ºbis, que define que quando os passageiros são transportados a bordo de um navio registado num Estado Parte, autorizado a transportar mais de doze passageiros, e caso a Convenção seja aplicável, as transportadoras que efectuem de facto a totalidade ou parte do transporte devem subscrever um seguro ou outra garantia financeira, nomeadamente a garantia de um banco ou de uma instituição financeira semelhante, para cobertura da responsabilidade por morte e lesão corporal dos passageiros nos termos da Convenção, sendo que o limite do seguro obrigatório ou de garantia financeira não pode ser inferior a 250.000 unidades de conta por cada passageiro, em cada caso concreto. (Artigo 4º bis nº 1) Já tínhamos referido antes aquando dos traços gerais da Convenção.

Após a subscrição do seguro obrigatória ou garantia financeira deve ser emitido pelo Estado Parte um certificado para cada navio que comprove que este beneficia de um seguro ou de uma garantia financeira válidas. (Artigo 4ºbis nº 2)

Se não for cumprido o seguro obrigatório ou a garantia financeira o Estado Parte não pode permitir que navio que arvore a sua bandeira opere sem o necessário certificado. (nº 12)

O pedido de indemnização coberto por um seguro ou outra garantia financeira pode ser apresentado directamente contra a seguradora ou outra pessoa que tiver prestado a garantia financeira. Nesse caso o montante mínimo de 250.000 unidades de conta é aplicável como limite de responsabilidade da seguradora ou de outra pessoa que tiver prestado a garantia financeira, ainda que a transportadora ou a transportadora de facto não tenha o direito de limitar a sua responsabilidade. O Requerido pode invocar argumentos de defesa que a transportadora poderia prevalecer-se, com exclusão de insolvência ou processo de liquidação, pode ainda alegar que o dano resultou de conduta dolosa do segurado, contudo, não pode invocar outro argumento de defesa que tivesse podido invocar em acção intentada contra si pelo segurado. (nº 10 do artigo 4ºbis)

Cabe aos Estados Parte da Convenção garantir que qualquer navio autorizado a transportar mais de doze passageiros, independentemente do seu local de registo, que entre ou saia de um porto no seu território está coberto por um seguro ou outra garantia financeira. (nº 13 do artigo 4ºbis)

A Convenção fala também em objectos de valor referindo no seu artigo 5º que a transportadora não deverá ser responsável pela perda ou dano em dinheiro, títulos mobiliários negociáveis, ouro, prata, jóias, obras de arte, ou outros objetos de valor, excepto quando lhe tenham sido depositados/ entregues para guarda desses valores. Neste caso, a transportadora deverá ser responsável até ao limite previsto no parágrafo 3 do Artigo 8, excepto se um limite mais alto tiver sido acordado, conforme estabelecido no nº 1 do Artigo 10º.

E se o passageiro/lesado tiver contribuído para o dano? Neste caso a Convenção estabelece no seu artigo 6º que se a transportadora provar que a morte ou lesão corporal de um passageiro ou que a perda ou dano na sua bagagem foi causada ou contribuiu para esta a falta ou negligência do passageiro, neste caso o tribunal com competência para julgar a acção de indemnização poderá exonerar a transportadora de toda ou parte de sua responsabilidade, de acordo com as disposições da lei daquele tribunal.

No que se refere aos limites de responsabilidade por morte ou lesão corporal, de acordo com o artigo 7º, a responsabilidade da transportadora por morte ou lesão corporal de um passageiro, por força do artigo 3.º não excede, em nenhum caso, 400.000 unidades de conta por passageiro em cada caso concreto. Se, em conformidade com a lei do tribunal onde a ação é proposta, os danos forem reparados sob a forma de pagamento de uma renda periódica, o montante do capital equivalente a esses pagamentos não excede o referido limite. (nº 1)

Contudo os Estados Partes podem regular, mediante disposições específicas da legislação nacional, o limite de responsabilidade previsto no n.º 1, desde que o limite nacional de responsabilidade, caso exista, não seja inferior ao estabelecido no n.º 1. Neste caso o Estado Parte que recorra a esta opção deve informar o Secretário-Geral do limite de responsabilidade adoptado ou do facto de que não existe limite. (nº 2)

Quanto ao limite de responsabilidade por perda ou dano da bagagem e dos veículos, o artigo 8º estabelece que a responsabilidade da transportadora pela perda ou dano da bagagem de camarote não excede, em nenhum caso, 2250 unidades de conta por passageiro e por transporte. (nº 1)

A responsabilidade da transportadora pela perda ou dano dos veículos, incluindo toda a bagagem transportada dentro ou sobre estes, não excede, em nenhum caso, 12700 unidades de conta por veículo e por transporte. (nº 2)

A responsabilidade da transportadora pela perda ou dano de bagagem distinta da mencionada nos nºs 1 e 2 não excede, em nenhum caso, 3375 unidades de conta por passageiro e por transporte. (nº 3)

A transportadora e o passageiro podem acordar que a responsabilidade da transportadora fique sujeita a uma franquia não superior a 330 unidades de conta, em caso de dano causado a um veículo, e não superior a 149 unidades de conta por passageiro, em caso de perda ou dano causados a outra bagagem, devendo essa verba ser deduzida do montante da perda ou dano. (nº 4)

Já vimos que o regime de responsabilidade e respectivos valores se define em unidades de conta, nesse sentido o artigo 9º nº 1 da Convenção estabelece que a unidade de conta é o direito de saque especial, conforme definido pelo Fundo Monetário Internacional. Mais refere que os montantes mencionados no n.º 1 do artigo 3.º, no n.º 1 do artigo 4º bis, no n.º 1 do artigo 7.º e no artigo 8.º são convertidos na moeda nacional do Estado do tribunal onde a acção é proposta, com base no valor dessa moeda por referência ao direito de saque especial na data da decisão ou na data acordada pelas Partes.

O valor, em termos de direito de saque especial, da moeda nacional de um Estado Parte que seja membro do Fundo Monetário Internacional deve ser calculado de acordo com o método de avaliação, em vigor na data em causa, aplicado pelo Fundo Monetário Internacional às suas operações e transações. (nº 1)

O valor, em termos de direito de saque especial, da moeda nacional de um Estado Parte que não seja membro do Fundo Monetário Internacional deve ser calculado de forma a determinar por esse Estado Parte. (artigo 9º nº 1)

Porém, um Estado que não seja membro do Fundo Monetário Internacional e cuja legislação não permita a aplicação do disposto no n.º 1 pode, na data de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção ou em qualquer data ulterior, declarar que a unidade de conta prevista no n.º 1 é igual a 15 francos-ouro. O franco-ouro equivale a sessenta e cinco miligramas e meio de ouro fino de novecentos milésimos. A conversão do franco-ouro em moeda nacional deve ser efetuada em conformidade com a legislação do Estado em causa. (artigo 9º nº 2)

O cálculo mencionado no n.º 1 e a conversão prevista no n.º 2 são efetuados de forma a exprimir, tanto quanto possível, na moeda nacional dos Estados Partes o mesmo valor real para os montantes previstos no n.º 1 do artigo 3.º, no n.º 1 do artigo 4.º bis, no n.º 1 do artigo 7.º e no artigo 8.º que resultaria da aplicação das três primeiras parágrafos do n.º 1. (artigo 9º nº 3)

Os Estados devem comunicar ao Secretário-Geral o método de cálculo em conformidade com o n.º 1 ou o resultado da conversão nos termos do n.º 2, consoante o caso, por ocasião do depósito do instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à Convenção e sempre que se verifique uma alteração de qualquer daqueles. (artigo 9º nº 3)

De referir que a transportadora e o passageiro podem acordar expressamente e por escrito limites mais altos do que os estabelecidos nos artigos 7º e 8, conforme consta do artigo 10º nº 1. Não podem obviamente definir limites inferiores do que os constantes na Convenção.

E os limites de responsabilidade da transportadora já inclui os juros sobre os danos e as despesas judiciais? Não, não inclui, conforme consta no artigo 10º nº 2. Apenas os danos em si estão sujeitos aos limites constantes do artigo 7º e 8º.

Estatui o artigo 11º que o agente ou representante da transportadora ou da transportadora de facto nas acções interpostas contra ela por danos incluídos na Convenção, pode, quando esteja em representação da transportadora ou da transportadora de facto, invocar os argumentos de defesa e os limites de responsabilidade que a transportadora e a transportadora de facto têm o direito de invocar nos termos da Convenção.

Os limites de responsabilidade aplicam-se à soma das quantias recuperáveis em todas as reclamações provenientes de morte ou lesão corporal a qualquer passageiro, ou de perda ou dano na sua bagagem. (artigo 12º nº 1)

Quanto ao transporte realizado por uma transportadora de facto, a soma das quantias recuperáveis da transportadora e da transportadora de facto e dos seus representantes e agentes que estejam em representação daquelas não deverá exceder a quantia mais alta que poderia ser estipulada contra a transportadora ou a transportadora de facto de acordo com a Convenção, mas nenhuma das pessoas mencionadas deverá ser responsável por uma quantia que exceda o limite a ela aplicável. (nº 2)

Nos casos em que o agente ou representante da transportadora ou da transportadora de facto tiver direito, de acordo com o artigo 11º, de invocar os limites do nº 7 e 8, a soma das quantias recuperáveis da transportadora ou da transportadora de facto, conforme seja o caso, e daquele representante ou agente, não deverá exceder esses limites. (nº 3)

A transportadora pode perder o direito de invocar os limites estabelecidos nos artigos 7º e 8º e no parágrafo 1 do artigo 10º? Sim, pode, de acordo com o artigo 13º nº 1, se for provado que o dano foi causado por um ato de omissão desta feito com a intenção de causar o dano, ou por imprudência da sua parte e com o conhecimento de que esse dano provavelmente ocorreria. E quem tem de fazer a prova? O lesado obviamente. O mesmo se diga quanto ao representante ou agente da transportadora ou da transportadora de facto que perda o direito ao benefício daqueles limites se for provado que o dano foi causado por um ato de omissão seu, feito com a intenção de causar aquele dano, ou por imprudência e com o conhecimento de que o dano provavelmente ocorreria. (artigo 13º nº 2)

As acções por danos provenientes de morte ou lesão corporal a um passageiro, ou pela perda ou danos a sua bagagem, apenas poderão ser intentadas contra uma transportadora ou transportadora de facto, se estiverem de acordo com as disposições da Convenção. (Artigo 14º)

O artigo 15º define o modo e quando a notificação de perda ou dano na bagagem deverá ser feita, definindo que: (nº 1)

  1. No caso de dano aparente na bagagem o passageiro deverá notificar a transportadora ou o seu agente ou representante por escrito antes ou na hora de desembarque do passageiro no caso de bagagem de cabine e para as outras bagagens antes ou na hora da sua entrega (artigo 15º nº 1 alínea a))
  2. No caso de dano não aparente na bagagem ou de perda de bagagem, deverá o passageiro notificar por escrito a transportadora ou o agente ou representante dentro de 15 dias a contar a partir da data de desembarque ou entrega, ou a partir da hora em que tal entrega deveria ter ocorrido. (artigo 15º nº 1 alínea b))

Se o passageiro não cumprir o modo de notificação, nem os prazos estabelecidos presume-se que ele recebeu a bagagem intacta, a menos que ele prove o contrário. (Artigo 15º nº 2)

Contudo, se a bagagem no momento do seu recebimento tiver sido sujeita a uma vistoria ou inspecção conjunta, não é necessário proceder à notificação por escrito. (nº 3 do artigo 15º)

No que se refere ao prazo para a propositura das acções o artigo 16º nº 1 da Convenção define que qualquer acção por danos provenientes de morte ou lesão corporal a um passageiro ou de perda ou dano a sua bagagem não poderá ser proposta depois de decorrido um período de dois anos, devendo este ser contado do seguinte modo (nº 2):

  1. No caso de lesão corporal, a partir da data do desembarque do passageiro;
  2. No caso de morte ocorrida durante o transporte, a partir da data na qual o passageiro deveria ter desembarcado, e no caso de lesão corporal ocorrida durante o transporte e resultando na morte do passageiro após o desembarque, a partir da data da morte, desde que este período não seja superior a três anos a partir da data do desembarque;
  3. No caso de perda ou dano à bagagem, a partir da data do desembarque ou a partir da data na qual o desembarque deveria ter ocorrido, o que for mais tarde.

De acordo com o nº 3 do mesmo artigo a lei do tribunal onde a acção é proposta regula as causas de suspensão e interrupção dos prazos de prescrição, contudo, nenhuma acção com base na Convenção poderá ser interposta após expirados um dos seguintes prazos:

  1. Um prazo de cinco anos contados da data de desembarque do passageiro ou da data em que o desembarque deveria ter sido efectuado, se esta for posterior, ou, caso ocorra antes dessa data.
  2. Um prazo de três anos contados da data em que o requerente teve conhecimento ou deveria razoavelmente ter tido tomado conhecimento da lesão, perda ou dano causado pelo incidente.

Contudo, o período limite pode ser estendido mediante declaração da transportadora ou de um acordo entre as partes após a ação ter sido interposta.  A declaração ou acordo deverá ser feita por escrito. (nº 4 do artigo 16º)

E quanto à jurisdição competente para julgar estas acções? O artigo 17º estatui que qualquer acção nos termos dos artigos 3º e 4º da Convenção (responsabilidade da transportadora e da transportadora de facto) é, por opção do requerente, intentada num dos seguintes tribunais: (nº 1)

  1. No tribunal do Estado de residência permanente ou estabelecimento principal do requerido; ou
  2. No tribunal do Estado de partida ou de destino, de acordo com o contrato de transporte; ou
  3. No tribunal do Estado de domicílio ou residência permanente do requerente, caso o requerido possua domicílio profissional e esteja sujeito à jurisdição nesse Estado, ou
  4. No tribunal do Estado onde o contrato de transporte foi celebrado, se o requerido possuir domicílio profissional e esteja sujeito à jurisdição nesse Estado.

Mas desde que o tribunal esteja localizado num Estado Parte da Convenção, e sujeito à legislação nacional de cada Estado Parte em matéria de competência jurisdicional desses Estados com várias instâncias possíveis. (nº 1)

As acções previstas no artigo 4ºbis da Convenção são, por opção do requerente interpostas num dos tribunais onde a acção pode ser intentada contra a transportadora ou a transportadora de facto, de acordo com o nº 1. (nº 2)

Após a ocorrência do incidente que causou os danos, as partes podem acordar que o pedido de indemnização por danos que seja apresentado em qualquer jurisdição ou arbitragem. (nº 3)

Importante referir que de acordo com o artigo 18º da Convenção qualquer disposição contratual adoptada antes da ocorrência do incidente que tiver causado a morte ou lesão corporal de um passageiro, ou a perda ou dano da bagagem do passageiro, destinada a ilibar qualquer pessoa responsável nos termos da Convenção da sua responsabilidade perante o passageiro ou a estabelecer um limite de responsabilidade inferior ao fixado na presente Convenção, excluindo o previsto no n.º 4 do artigo 8.º, ou a inverter o ónus da prova que recai sobre a transportadora ou a transportadora de facto, ou que tenha por efeito restringir as opções previstas nos nºs 1 ou 2 do artigo 17.º é considerada nula e sem efeito. Contudo essa nulidade não implica a nulidade do contrato de transporte, que permanecerá sujeito às disposições da Convenção.

Esta Convenção não altera os direitos e deveres da transportadora, da transportadora de facto e dos seus representantes ou agentes previstos em convenções internacionais relativas à limitação de responsabilidade dos armadores de embarcações marítimas.

Na próxima edição do Jornal vamos falar do regime nacional e do regulamento comunitário.



Um comentário em “Contrato de Transporte Marítimo de Passageiros”

  1. Interessante e profícuo artigo.

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