«Something is happening here but you don´t know what it is _ do you, Mister Jones?...»

Bob Dylan, o Mar e a II grande Conferência do Jornal da Economia do mar? Que disparate vem a ser este? Faz algum sentido ligar Bob Dylan ao Mar e à II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar?

Alguma vez se interessou Bob Dylan particularmente pelo mar?

Foi Bob Dylan convidado a actuar na II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar?

Tanto quanto saibamos, nem Bob Dylan se interessou alguma vez particularmente pelo mar nem tampouco foi convidado para actuar na II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar.

Porquê, então, o estabelecimento de tão abstrusa ligação? Apenas porque está na moda falar de Bob Dylan por lhe ter sido atribuído o Prémio Nobel da Literatura que tanto celeuma tem despertado?

Sem dúvida. Não fora a toda a actual celeuma e mesmo controvérsia a propósito da atribuição do Prémio Nobel da Literatura e muito provavelmente nunca nos lembraríamos de tão abstrusa ligação. Mas faz sentido, todo o sentido.

Em primeiro lugar, independentemente do caricato de se estar a conceder importância a um Prémio que tem vindo a perder qualquer significado, a não ser em termos monetários, o mais interessante tem sido assistir a tantas e tão doutas e profundas discussões sobre o valor literário dos escritos de Dylan sem que vez alguma algum dos inteligentes críticos determinar o que faz que a verdadeira, séria e alta literatura seja verdadeiramente séria e alta literatura e não apenas mera, menor ou irrelevante literatura. Eventualmente, será uma simples evidência para todos ou, pelo menos, para os mais sábios.

É certo não sabemos sequer se na Cátedra de Letras das grandes Universidades já se sabe o que faz que um conto seja um conto, uma novela uma novela e um romance um romance, além da divertida distinção pelo respectivo número de páginas, como foi antigamente norma, nem qual o critério para distinguir um verdadeiro poema de uma mera versificação mais ou menos lírica como expressão de tardia puberdade. Não sabemos e não transparece, mas imaginamos que sim.

Independentemente dessas pequenas mas sempre muito divertidas questões, sendo esta controvérsia quase tão velha como a carreira do próprio Dylan, bem espelhada, de resto, no documentário «Don´t Look Back», de 1967, a propósito, por exemplo, da primeira apresentação pública de «Times they are a Changing», o que logo ressalta de todo este disparate é como, parafraseando palavras Bíblicas, o excesso de formalismo sempre mata e só o espirito vivifica, se assim podemos dizer.

Acaso terão os poemas de Camões perdido o seu intrínseco valor quando entoados por Amália como, à época, muitos temiam e, por tanto temerem, tanto criticaram e anatemizaram mesmo?

E o que tem tudo isto a ver com o mar?

O que isto nos diz é que, nos tempos crescentemente infantilizados que vivemos, onde se não apenas se manifesta forma cada vez mais insidiosa e perversa a incapacidade de ultrapassar a fase do pensamento ingénuo mas até se celebra e exalta essa mesma infantilidade como expressão muito genuína de cada um, tudo passa a reger-se e a determinar-se, em exclusivo, por questões de emoção, gosto, afecto, sem mais. Um desastre.

Mutatis mutandis, o mar é importante para Portugal não porque gostemos muito de dar uns mergulhos nas suas magníficas ondas, esteja revolto ou não, porque apreciemos muito passear à vela, realizar alguns cruzeiros ou seja lá o que for que respeite ao afecto, gosto e emoção pessoal. O mar é importante para Portugal porque, seja do ponto de vista Político, Geoestratégico ou até Económico, é determinante e decisivo para a firmação de Portugal no mundo.

Sem mar, sem capacidade de afirmação no mar, Portugal tronar-se-á rapidamente irrelevante, tal como, pouco a pouco, está já a suceder. E isto é que é importante que todos percebam.

Mas a atribuição do Nobel da Literatura a Bob Dylan, talvez porque, como diz o ditado tão Português, «Deus escreve por linhas tortas», ainda diz mais, a começar por um reconhecimento e exaltação da individualidade e da singularidade, completamente inesperado.

Bob Dylan, para desgosto de muitos, entre os primeiros e acima de todos, Joan Baez, evidentemente, nunca foi um militante, stricto sensu, de coisa nenhuma, de movimento algum.

Sempre que compôs temas como o célebre «Hurricane» do álbum «Desire», álbum que representou uma espécie de renascimento e lhe permitiu chegar e conquistar uma nova geração de indefectíveis admiradores, não foi por ser militante disto ou daquilo, mas por ser um intransigente defensor da Justiça, sabendo que a Justiça é sempre individual e nunca colectiva ou social, coisa absurda e completamente disparatada.

«Hurricane» é apenas um exemplo.

Defendendo Hurricane, o indivíduo, Dylan não esquece, naturalmente, os preconceitos e tudo o mais quanto sempre pode conduzir à injustiça, a começar por esse sinistro sentido gregário, de grupo, de movimento, sempre passível de tudo inquinar quando se perde exactamente o sentido da individualidade, da singularidade, da responsabilidade pessoal.

Significa isto que Dylan se distanciou ou se separou da tradição?

Longe disso, bem pelo contrário, mergulhou mesmo na tradição como poucos, não deixando de prestar e render a maior homenagem a figuras como Woodie Guthrie ou mesmo, em diferente plano, a um extraordinário Johnny Cash, outro furioso e absolutamente notável individualista como o próprio Dylan. Mas não foi,  nunca foi, um purista à Peter Seger, como outros, atávicos ciosos de uma tradição seca e condenada ao evanescimento, não sem a ironia, no caso de Seger, de ficar a dever em grande medida a sua popularidade mundial à electrificação pelos Byrds do seu bíblico «Turn, Turn, Trun», electrificação que sempre lhe foi difícil aceitar em Dylan, se é que alguma vez aceitou verdadeiramente.

Seja como for, a quanto importa atender aqui é, por um lado, ao verdadeiro significado da tradição e, por outro, à importância da afirmação da individualidade.

Tradição não significa repetir o passado mas, sabendo trazer o melhor do passado para o presente, saber reactualizar o que houver a reactualizar, projectando-o no futuro que, não perdendo a ligação ao passado, não será já, evidentemente, como o passado. Poder-se-á dizer também, por outras palavras, saber apreender o que houve de essencial no passado, ou seja, apreender a forma sem se ficar preso à figura, tal como sucede exactamente com os críticos do Prémio que se afigura não conseguirem distinguir já forma de figura.

Hoje não temos já, evidentemente, os Alísios de então a descobrir e a dominar,mas outros Alísios haverá, com certeza, a requerem a nossa atenção e descoberta.

Entretanto, dizia o nosso Pascoaes que «a ideia quem sempre visita primeiro é o poeta». Exactamente o que se afigura não ter sucedido como o Senhor Jones, «Because something is happening here but you don´t know what it is _ do you, Mister Jones?…», como entoava Dylan a fechar o «Highway 61 Reviseted», pelos idos de 1965, a quem «a ideia» não terá deixado de visitar.

Ah!, dessem os nossos muito eruditos críticos a devida atenção ao verdadeiro significado da expressão grega de «poiesis», bem como a sua sempre intrínseca interligação às musas e à música, e talvez silenciassem alguns dos disparates que por aí têm sido ditos…

Mas não isso também quanto agora mais importa. Fosse como fosse, bastaria um «Sad Eyed Lady of the Lowlands», para Dylan merecer um qualquer Nobel, fosse ele qual fosse, embora, na verdade, para o caso seja sempre irrelevante, absolutamente irrelante, a sua efectiva atribuição.

O que aqui importa, de facto é que, se lembramos Pascoaes e sabemos que Mister Jones não percebia nada do que se passava, nunca será demais lembrarmos igualmente o nosso Leonardo, para quem o homem não é «uma inutilidade num mundo feito mas o obreiro de um mundo a fazer», como Dylan paraece ter entendido perfeitamente e como nós, que o deveríamos saber acima de todos, parece estarmos a esquecê-lo irremissivelmente.

O que respeita também, antes de mais e acima de tudo, ao sentido da individualidade e à assunção da responsabilidade pessoal pelo pensamento e consequente acção, daí decorrendo igualmente a particular importância e significado da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, uma vez importar ouvir quem, «sem lábia», como diria o nosso Padre António Vieira, nem fátuos salamaleques, como podemos acrescentar, assumindo a plena responsabilidade do pensamento, nos digo do que soube ver, sem nunca se esquecer como todo o raciocínio completo sempre implica a exacta compreensão da relação de meios a fins, sabendo todos também como toda a teoria que não se resolva em consequente prática não é senão pura esterilidade assim como toda a prática que não decorra de adequada teoria não é senão perfeita loucura.

E se sabemos todos também como é a perfeita concepção sempre conduz à perfeita expressão, assim como como a perfeita expressão sempre conduz à perfeita acção, não querendo estarmos daqui a um ano onde hoje estamos …

 

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