Avarias Marítimas II

Falamos hoje sobre o regime internacional das avarias marítimas, avarias grossas e particulares.

Existe um acto de avarias grossa quando é feito intencionalmente um sacrifício extraordinário de um bem ou bens ou um pagamento, em prol da segurança comum com o objectivo de preservar do perigo de um acontecimento de mar os bens envolvidos na aventura maritima.

Internacionalmente aplica-se nesta matéria as Regras de Iorque-Antuérpia que remontam a 1877 e têm sido revistas regularmente, recentemente em 1994 e em 2004. Estas Regras no entanto não têm o estatuto de Convenção Internacional, pelo que apenas produzem efeito se forem incorporadas no contrato de fretamento, na “bill of lading” (conhecimento embarque ou conhecimento de carga) e/ou no contrato de transporte maritimo. Muitos países têm aceite estas regras na resolução de disputas em matéria de avarias grossas e particulares.

Há que distinguir também internacionalmente a avaria grossa ou geral da avaria particular. A segunda é uma perda parcial na qual fortuitamente incorre algo em particular (segurada), a primeira, a avaria grossa, é uma perda parcial deliberadamente feita para evitar uma perda geral de toda a aventura marítima.

Exigem que o perigo seja real e actual (presente) e que o sacrifício ou pagamento feito salve a aventura marítima. Mediante isto todos os participantes na viagem marítima, incluindo o que sofreu a perda, têm de contribuir de forma proporcional ao risco que cada um tem na aventura marítima. Este é um princípio básico da avaria grossa.

Vamos dar o exemplo de um perigo de mar em que a carga B é atirada ao mar para salvar a viagem. Em que:

Valor do navio: 10.000€

Valor da Carga A: 5.000€

Valor da carga B: 5.000€.

Neste caso as partes vão contribuir da seguinte forma:

Navio 2.500,00€ (1/2)

Carga A: 1.250,00€ (1/4)

Carga B: 1.250,00€ (1/4)

Total: 5.000€ (que corresponde ao valor da Carga B atirada ao mar).

Ao contrário nas avarias particulares as partes não contribuem proporcionalmente para o todo apenas a parte que sofreu o sacrifício.

É de realçar que os seguros marítimos incluem nas suas apólices as avarias grossas marítimas, pelo que as contribuições que cada um dos participantes na viagem tem de pagar estão devidamente seguradas, desde que o bem esteja segurado pelo seu valor total, o que nem sempre acontece, e neste caso o participante acaba a pagar do seu próprio bolso o remanescente do valor não segurado. Se o participante for membro de um P&I Club e neste poderá receber o valor remanescente não segurado que pagou do seu P&I Club caso as regras do clube permitirem e se for feito acordo entre os dois nesse sentido. Outro aspecto importante para que o seguro pague a avaria grossa é que o perigo de mar que foi causa da avaria não pode estar excluído da cobertura da apólice.

É importante dizer que o ajustamento que define a contribuição de cada participante da aventura marítima a pagar não tem um caracter obrigatório, não vincula as partes, é um mero conselho. Contudo se houver um contrato/acordo em que as partes se vinculam aos valores calculados então sim o ajustamento torna-se vinculativo.

A pirataria é considerada um acontecimento de mar e por isso o resgate pago para ser libertada a tripulação, navio e/ou mercadoria, é uma avaria grossa, segundo as Regras de Iorque-Antuérpia e está quase sempre coberta pelo seguro.

Nas avarias grossas estão também incluídos os prémios de salvação marítima (Regra VI), contudo esta regra que vinha da revisão de 1994 foi revista em 2004 passando a estar excluída das avarias a menos que seja paga por uma parte em nome de todas as partes.

Caso haja várias avarias grossas na mesma viagem, avarias consecutivas, o princípio adoptado quando existe mais do que uma avaria na mesma viagem é que são ajustadas em ordem inversa. Primeiro é ajustada a última avaria, seguido do penúltimo e assim sucessivamente ate todas as avarias grossas terem sido ajustadas. Contudo se a última avaria não tiver sido bem sucedida não haverá obviamente contribuição para as avarias anteriores pois como já referimos para haver contribuição dos participantes na avaria grossa tem de a mesma ter sido bem sucedida.

De referir que a avaria grossa pode ocorrer no mar ou no porto ou até em terra dependendo do local onde é feito o sacrifício ou pagamento, não do local onde ocorre o perigo ou acontecimento de mar. Pode por exemplo o capitão na decorrência de um acontecimento de mar que causou danos na embarcação optar por interromper a viagem para obras de reparação temporária do navio, aqui o sacrifício ocorre em terra, desde que a aventura marítima prossiga.

As Regras de Iorque-Antuérpia definem regras e procedimentos para o cálculo das contribuições e responsabilidades do fundo para as avarias grossas. As regras estão divididas em dois grupos as letras e números. As letras formam a base das regras sobre avarias as numeradas explicam como as outras funcionam.

Existe ainda a regra de interpretação que diz que as Regras aplicam-se prevalecendo sobre qualquer lei ou pratica que não seja consistente com elas.

Sobre estas duas revisões às Regras, a de 1994 e a de 2004, verifica-se quer são escolhidas quase sempre as de 1994 em detrimento das mais recentes, isto porque a revisão de 2004 não foi feita ao contrário da anterior, com o consenso de todas as partes interessadas.

Falaremos na próxima edição do Jornal das regras-letras e das regras-números com algum detalhe para melhor compreensão do conteúdo das Regras Iorque-Antuérpia.



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