A Comissão Europeia (DG Assuntos Marinhos e Pescas) promoveu, no decurso de 2015, uma consulta pública alargada dedicada ao tema “Governação Internacional dos Oceanos”, questionando a eficácia do atual modelo de governação das águas marinhas internacionais na gestão sustentável dos seus recursos. Aguarda-se a publicação das conclusões.
Numa iniciativa follow-up, o intergrupo do Parlamento Europeu “Mares, Rios, Ilhas e Áreas Costeiras” (SEARICA), no passado dia 2 dezembro, promoveu uma conferência subordinada ao tema “What can Europe do for a better international ocean governance?”.
O Governo Regional da Madeira participou nesta iniciativa centrando a sua intervenção na resposta à questão: “Há efetivamente um problema de governação internacional dos oceanos?”.
A resposta é à partida óbvia tendo em conta a mera constatação da inexistência de um instrumento ou acordo internacional, reconhecido por todos, transversal e suficientemente sólido, que assegure uma governação internacional, existindo isso sim uma miríade descoordenada de convenções sectoriais e regionais muitas das quais no seio das Nações Unidas. É, assim, legítimo que a Europa, as suas instituições políticas – o Conselho, a Comissão e o Parlamento – procurem liderar processos e acordos que visem obter melhores e mais abrangentes acordos à escala global.
Mas essa visão do mundo não se pode tornar uma tal obsessão que faça esquecer os problemas domésticos (águas europeias) ou, pior, num salvo-conduto para que as instituições europeias, legitimadas por essa “quase-quimera”, esvaziem o papel de cada Estado-Europeu, em particular dos Estados costeiros.
Dito de outra forma, há um número significativo de problemas internos de governação temática sectorial cuja resolução urgente reclama a atenção da CE e cuja resolução pode, inclusive, ajudar a consolidar e a legitimar a posição da Europa no contexto mundial. Tal necessidade é evidente em sectores tão diversos como as pescas ou o lixo-marinho.
É certo que são necessários acordos à escala global. Por exemplo, é contraproducente, quase excêntrico, ambicionarmos o estado da arte da monitorização do lixo marinho ou o cumprimento escrupuloso de diretivas, em domínios como a gestão das águas e dos resíduos, onerando significativamente os Estados, as empresas e as populações, quando tomamos consciência que seis países no sudoeste asiático, sozinhos, introduzem nos nossos oceanos 60 % do lixo marinho.
Aliás é assim em tantas outras causas que mobilizam a Humanidade. A poucas centenas quilómetros, em Paris, decorria a conferência das alterações climáticas, a COP21, num ambiente de discursos graves e consensuais, mas que quando chegada a hora da concretização, da tomada de medidas concretas e relevantes… A capa do Le Monde, do dia 2 de dezembro, é sintomática – “Après les discours volontaristes – Quels moyens pour le climat?”
Em Bruxelas, um cartaz colocado na fachada do Parlamento Europeu ostenta a parangona: “Todos juntos pelo clima!”… Estaremos de facto todos?
É inaceitável para uma região como a Madeira que se orgulha de exercer uma antiga e consistente política de proteção da natureza, absolutamente pioneira em Portugal, e que desenvolve uma pesca sustentável e artesanal, ter de dirimir argumentos para justificar quotas de pesca do peixe espada-preto, quando no Golfo da Biscaia o stock é dizimado pela pesca de arrastão para produzir farinha de peixe.
Temos de ser sérios para sermos levados a sério.
Portugal tem feito o seu papel no sentido de promover a sustentabilidade dos seus recursos. Mas as regras que temos imposto, e bem, às nossas frotas na ZEE e nas águas internacionais só serão verdadeiramente eficazes e justas se exigidas às restantes frotas.
O mundo não é o que queremos, as pressões do mercado são enormes. Mas há esforços que têm de ser feitos para haver um mínimo de dignidade na negociação.
Ficou patente, quer na consulta pública, quer na conferência promovida pela SEARICA, que alguns Estados-membros estão “preocupados” com a capacidade dos Estados costeiros em gerir e monitorizar as suas ZEE. É preciso que essa preocupação se traduza oportunamente no apoio a políticas e mecanismos comunitários que permitam aos Estados costeiros, porque mais vocacionados e mais próximos, exercer as suas competências. É preciso deixar claro que, se a Europa criar as condições para tornar os países costeiros mais fortes, mais forte e efetiva será a própria Europa no domínio dos oceanos. E nunca é demais recordar que o Atlântico – o maior e mais importante ecossistema europeu – disponibiliza um conjunto de serviços que são de fruição comum e não apenas dos Estados costeiros.
Os mecanismos financeiros e regulamentares têm de ser justos e proporcionais à vocação marinha e às responsabilidades de cada Estado ou região, e devem premiar as práticas verdadeiramente sustentáveis. Não podemos aceitar que terceiros países ponham em causa essa aspiração, sobretudo países que beneficiaram fortemente de mecanismos como a PAC, que predou o orçamento comunitário de modo a proteger a agricultura europeia das importações de países não europeus, premiando os grandes produtores em detrimento de pequenos agricultores que exercem práticas agrícolas mais sustentáveis. Não podemos permitir uma revisitação da PAC, com o agravante de estarmos a falar das “nossas” águas, do nosso mar. A cooperação, contudo, é bem-vinda, inclusive de países não costeiros ou de inexpressiva ZEE.
E temos de fazer o nosso “trabalho de casa” envolvendo toda a sociedade, numa estreita articulação entre a administração e o sector privado. Tendemos a reduzir a relação sector público – sector privado a uma mera troca de impostos por serviços públicos.
Porque é que a monitorização ou o conhecimento das águas marinhas, por exemplo, hão de ser uma incumbência exclusiva da administração pública? A responsabilidade de assegurar o bom estado ambiental e a fruição não são coletivas? Evidentemente que o Estado tem de assegurar princípios de regulação, transparência e equidade, mas isso deve afastar o sector privado da monitorização das águas marinhas? Porque é que o papel do privado se deve reduzir ao pagamento de impostos? Não haverá formas mais adequadas, proveitosas, e justas de participação?
Naturalmente que a cooperação terá de ser feita de forma inteligente para que as empresas não vejam a participação como mais um custo mas antes como um investimento. O Estado pode apoiar o tecido empresarial de diversas formas sem pôr em causa o interesse coletivo e a proteção e sustentabilidade dos seus recursos: produzindo regulação adequada, assegurando promoção institucional, criando condições de investimento e, sobretudo, dando espaço para que as empresas façam aquilo que sabem melhor – acrescentar valor!
Um tecido económico mais forte, assegura um Estado mais forte, Estados mais fortes asseguram uma União Europeia mais forte, e uma União Europeia mais forte assegura um papel mais forte, e não apenas legitimo, no contexto internacional, rumo a uma governação internacional dos oceanos!