Ao contrário do que havia referido no artigo anterior hoje não vamos falar do contrato de transporte de passageiros, mas sim do contrato de fretamento de navio, e na próxima edição do Jornal falaremos do contrato de transporte de passageiros.

Vamos começar, como é habitual, pela perspectiva internacional e depois falamos da nacional.

Quando falámos da perspectiva internacional do contrato de transporte de mercadorias, em particular da Convenção de Bruxelas de 1924, referimos que as disposições desta Convenção não se aplicam às cartas-partidas, figura típica do contrato de fretamento, mas se num navio regido por carta-partida forem emitidos conhecimentos de carga/BLS, ficarão sujeitos aos termos da Convenção (2º parágrafo do artigo 5º). Isto significa que quando forem emitidos BL´s (conhecimentos de carga) no âmbito de um contrato fretamento aplicam-se as disposições da Convenção.

Não vamos repetir a análise já feita da Convenção de Bruxelas, não faria sentido, contudo podemos dizer que grande parte das vezes quando estamos num contrato de fretamento de navio são emitidos BL´s porque em regra a carga transportada não pertence a um único proprietário pertence a vários e é passível de ser transmitida a terceiros durante a viagem.

Não existe uma Convenção Internacional que regule o contrato de fretamento de navios pelo que na relação entre as partes do contrato aplicam-se as disposições que regulam o contrato em si e subsidiariamente o que conta do BL, sendo este um mero recibo da carga embarcada, cuja apresentação permite o levantamento  desta no porto de destino e nas relações com terceiros, digam-se meros portadores de BL´s aplicam-se as regras da Convenção de Bruxelas porque neste caso o fretador assume a qualidade de transportador.

Passamos por isso de imediato para o regime nacional que é regulado pelo Decreto-lei nº 191/87 de 29 de Abril, que até à presente data não teve qualquer alteração.

Comecemos pelo inicio pela noção de contrato de fretamento. Assim no artigo 1º deste diploma consta que contrato de fretamento é: “aquele em que uma das partes (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição um navio ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária denominada frete.” (artigo 1º)

Temos, portanto, três elementos essenciais, diga-se quatro elementos essenciais do contrato de fretamento, são eles: o fretador, o afretador o navio e o frete. Para entender melhor cada um destes elementos apliquemos a analogia do contrato de locação, temos por um lado o senhorio que é neste caso o fretador, por outro o arrendatário que é o afretador, a habitação/imóvel que é o navio e por último a renda que é o frete.

Quanto à forma do contrato designa-se por carta-partida, que “é o documento particular exigido para a válida celebração do contrato de fretamento”. (artigo 2º)

Neste tipo de contratos são utilizados modelos-standard que contemplam inúmeras clausulas padronizadas pelo mercado e instituições especializadas, exemplo disso são os modelos de contratos da BIMCO.

De referir que em regra os contratos de fretamento são celebrados através de um corretor (“broker”), que actuando em nome dos armadores e afretadores, conhecem a tonelagem disponível no mercado internacional e as mercadorias a transportar, sendo por isso de grande utilidade para ambas as partes do contrato.

A principal diferença entre contrato de transporte e contrato de fretamento é que o fretador não toma a seu cargo o carregamento, nem se obriga a transportá-lo. A obrigação de deslocação da mercadoria é comum a ambos.

No contrato de fretamento um navio é posto à disposição do afretador pelo armador-fretador, o contrato de transporte pelo contrário refere-se ao carregamento obrigando-se o armador-transportador a transportar esta até um determinado porto.

O regime do contrato de fretamento é disciplinado pelas clausulas da carta-partida e, subsidiariamente, pelas disposições deste diploma. (artigo 3º)

Pode existir um contrato principal de fretamento em que é permitido ao primeiro afretador a disponibilização do navio  por subfretamento (Carta-Partida) ou para transporte de carga de terceiros através de contrato de transporte (BL), sendo ainda admissível a sucessão de contratações de subfretamento e transporte, salvo se expressamente não for permitido na Carta-Partida.

Existem três tipos de figuras-base no contrato fretamento: (artigo 4º)

  • Contrato de fretamento por viagem (“Voyage Charter”);
  • Contrato de fretamento a tempo (“Time Charter”);
  • Contrato de fretamento em casco nú (“Bareboat Charter Party/By Demise Charter”).

Quanto à parte fretada pode ser um fretamento total ou parcial.

1-O contrato de fretamento por viagem:

“É aquele em que o fretador se obriga a por à disposição do afretador um navio, ou parte dele, para que este o utilize numa ou mais viagens, previamente fixadas, de transporte de mercadorias determinadas.” (artigo 5º)

O foco neste tipo de contratos de fretamento está no navio e no navio. Daí que a gestão comercial e a gestão náutica pertençam ao fretador. (artigo 8º)

Perguntam-se:

– O que é a gestão náutica? São as questões relacionadas com o equipamento, armamento, salários da tripulação, manutenção, reparações e seguro do navio.

– O que é a gestão comercial? São as questões relacionadas ao aprovisionamento da máquina, operações relativas ao carregamento e descarga, despesas de escalas e portos. Refere-se aos assuntos respeitantes à carga: angariação e conclusão de contratos; recebimento e entrega; relacionamento com os corretores; acondicionamento das mercadorias a bordo, estivagem, cuidados com a carga durante a viagem.

Aqui neste tipo de contrato de fretamento o fretador coloca determinado navio à disposição do afretador para a realização de uma ou mais viagens pré-estabelecidas. O fretador assume a posição jurídica de armador-fretador.

A carta-partida deve conter os seguintes elementos: (artigo 6º)

  1. A identificação do navio, através do nome, nacionalidade e tonelagem;
  2. A identificação do fretador e do afretador;
  3. A quantidade e a natureza das mercadorias a transportar;
  4. Os portos de carga e os de descarga;
  5. Os tempos previstos para o carregamento e para o descarregamento/descarga, denominadas estadias;
  6. A indemnização convencionada em caso de sobrestadia;
  7. O prémio convencionado em caso de subestadia;
  8. O frete.

No que se refere às obrigações do fretador neste tipo de contrato de fretamento são: (artigo 7º)

  1. Apresentar o navio ao afretador na data ou época e no local acordados;
  2. Apresentar o navio, antes e no inicio da viagem, em estado de navegabilidade, devidamente armado e equipado, de modo a dar integral cumprimento ao contrato; e
  3. Efectuar as viagens previstas na carta-partida.

Se o porto de entrega do navio não estiver designado na carta-partida cabe ao afretador indicar o porto, dentro de certos limites geográficos.

Quanto à navegabilidade ela deve ser vista em sentido absoluto e relativo, ou seja, o navio deverá estar em perfeitas condições, não apenas para navegar, mas também para empreender a viagem prevista, tendo em conta o carregamento que vai efectuar (tripulação qualificada e adequada à lotação exigida, combustível apropriado, bom estado dos compartimentos de carga, dos sistemas de carregamento, de ventilação, refrigeração, etc).

Armação é o acto de armar o navio, provendo todos os meios para que este empreenda a expedição marítima contratada. O seu conceito abrange a actividade economicamente organizada pelo armador para o provimento de uma embarcação e sua exploração comercial. É aprestá-lo, colocando-o em estado de navegabilidade (“seaworthiness”)

A viagem deverá realizar-se utilizando a via mais directa até ao porto de destino. Prevendo-se a ocorrência de situações excepcionais que obriguem o capitão do navio a desviar o rumo, é usual inserir-se na carta-partida uma clausula de desvio (“Deviation Clause”) que permitirá ao navio escalar quaisquer portos para qualquer finalidade, dentro obviamente de critérios de razoabilidade e plenamente justificados, que não tenham por exemplo, um objectivo lucrativo.

Lembramos que o fretador tem a gestão náutica e comercial, daí o cumprimento destas obrigações.

Tem também por isso as seguintes despesas: (artigo 20º)

  1. O combustível e os lubrificantes;
  2. A água;
  3. Os mantimentos;
  4. Os seguros relativos ao navio, independentemente da sua natureza;
  5. Os custos da tripulação.

Quanto às obrigações do afretador são: (artigo 8º)

  1. Entregar ao fretador as quantidades de mercadoria fixadas na carta-partida;
  2. Efectuar as operações de carregamento e de descarga do navio dentro dos prazos estabelecidos na carta-partida; e
  3. Pagar o frete.

Se o porto de entrega do navio não estiver designado na carta-partida cabe ao afretador indicar o porto, dentro de certos limites geográficos.

Se o afretador não apresentar a mercadoria para embarque é obrigado a pagar o frete por inteiro, ainda que apresente parte da mercadoria para embarque no prazo e local fixados. (artigo 10º)

Se pelo contrário o afretador carregar mercadoria no navio superior à convencionada, é obrigado a pagar um frete suplementar proporcional à quantidade excedente. (artigo 11º)

De referir que apesar do carregamento pertencer ao afretador a estiva das mercadorias pertence ao fretador (ainda que seja efectuada por entidade contratada pelo afretador), dada a sua importância decisiva na estabilidade e segurança do navio. Quanto à responsabilidade por má estiva, se estivermos a falar de estiva comercial (distribuição e fixação das mercadorias com vista à conservação das mesmas) a responsabilidade caberá ao afretador, se, pelo contrário estivermos a falar de estiva náutica (ligada ao navio, à sua estabilidade e segurança, que integram as funções do capitão do navio) a responsabilidade caberá neste caso ao fretador e ao capitão.

Quanto às estadias (“lay time/lay days”) se a carta-partida nada disser, compete ao fretador fixá-las, segundo critérios de razoabilidade, tendo em conta as circunstâncias do caso e os usos do porto (artigo 12º nº1)

Se na carta-partida forem fixadas autonomamente as estadias para as operações de carregamento e de descarga, estas não são cumuláveis e devem ser contadas em separado. (nº 2 do artigo 12º)

Excluem-se da contagem das estadias os dias em que, por interrupção legal da actividade portuária ou por quaisquer outros factos objectivamente relevantes, as operações de carregamento e descarga não se possam realizar. (nº 3 do artigo 12º)

A contagem das estadias inicia-se no primeiro período do trabalho normal, ou seja no primeiro período praticado pelos trabalhadores portuários do respectivo porto, que se siga à entrega ao afretador do aviso de navio pronto (NOR-“Notice of Readiness”), sendo que este momento é definido de acordo com os usos do porto, desde que este aviso tenha sido entregue até ao termo do período de trabalho normal antecedente. (artigo 12º nº 4, 5 e 6)

É nas clausulas da carta-partida que é definido o momento do envio do NOR e do início da contagem das estadias, sendo que entre um e o outro existe um prazo designado de “free time”, cuja duração varia em função do tipo de carregamento e dos próprios termos do contrato quanto à utilização deste prazo nas operações de carregamento. A regra para enviar o NOR deverá ser a de o navio estar no local designado no contrato e preparado sob todos os aspectos para proceder às operações de carregamento e descarga.

Quanto ao cálculo das estadias deverá ter-se em conta as expressões utilizadas no contrato, “running days” ou “working days” de 24 horas, com ou sem interrupção por motivos meteorológicos (“weather working days”), implicando neste caso a interrupção das operações no caso de chuva, por exemplo ou por outros motivos como greves ou feriados.

No que se refere à sobrestadia e à subestadia, quando for ultrapassado o tempo de estadia, o navio entra em sobrestadia, dando lugar ao pagamento pelo afretador ao fretador de um suplemento do frete proporcional ao tempo excedente. Pelo contrário, quando não for utilizado inteiramente o tempo de estadia, o afretador tem direito a um prémio de subestadia proporcional ao tempo não gasto. A taxa de subestadia corresponde a metade da taxa de sobrestadia. (Artigo 13º). Não se percebe o porquê de ser apenas metade, o valor deveria de ser igual, de modo a ser mais valorizada a subestadia, tendo em conta os benefícios que poderão advir para todos os intervenientes no transporte da carga.

De referir quanto à sobrestadia que, ao contrário do que acontece com a estadia cuja contagem pode ser interrompida em determinadas circunstâncias previstas no contrato, o mesmo já não acontece quando o navio se encontra em sobrestadia, aplica-se a regra “once on demurrage, always on demurrage”, excepto, obviamente se a interrupção for imputável ao armador-fretador.

Se a viagem ou viagens não puderem ser iniciadas nas datas ou épocas previstas por causa não imputável ao afretador nem ao fretador, qualquer das partes pode resolver o contrato, sem que impenda sobre elas responsabilidade sobre os danos sofridos (Artigo 14º)

Se pelo contrário, se o impedimento à viagem ou viagens tornar estas impossíveis nas datas ou épocas previstas por causa imputável ao fretador, torna-se este responsável, como se faltasse culposamente ao cumprimento, tendo neste caso o afretador direito ao pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos e pode também resolver o contrato, exigindo a restituição da parte ou da totalidade do frete já pago, corresponde à viagem ou viagens não realizadas. (Artigo 15º)

Se por outro, o impedimento à viagem ou viagens tornar estas impossíveis nas datas e épocas previstas por causa imputável ao afretador, torna-se este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento, podendo neste caso o fretador fazer seu o frete já pago quanto às viagens realizadas, pode resolver o contrato e tem direito ainda a uma indemnização que não pode exceder o montante do frete correspondente à viagem ou viagens não efectuadas, deduzido das despesas que deixou de suportar. (artigo 16º)

Se por facto não imputável ao fretador, se verificar no porto de descarga impedimento prolongado- diga-se aquele que se prolongue por mais de 5 dias- à entrada do navio ou ao normal desenvolvimento das suas operações comerciais, tem aquele a faculdade de desviar o navio para um porto próximo que ofereça condições idênticas e efectuar aí a descarga, com o que se considera cumprido o contrato, devendo informar de imediato o afretador, cabendo a este ultimo o pagamento das despesas e encargos adicionais. Se resultar benefício para o fretador, deve este entregar ao afretador o respectivo montante. (Artigo 17º)

Se por facto não imputável ao fretador, ocorrer durante a viagem qualquer causa que impeça definitivamente o seu prosseguimento, o afretador deve pagar o frete proporcional à distância percorrida. (Artigo 18º)

Se o afretador pretender descarregar toda a mercadoria ou parte dela em porto que não seja o de destino, é responsável pelo pagamento das despesas adicionais, havendo-as, e não tem direito a qualquer redução do frete na hipótese inversa. (Artigo 19º)

A fim de garantir os créditos emergentes do fretamento como por exemplo o pagamento do frete, o pagamento das despesas adicionais decorrentes de alteração pelo afretador do porto de descarga, o pagamento adicional decorrente de sobrestadia, o pagamento de suplemento ao frete por carregar no navio mercadoria superior à convencionada ou de indemnização por danos, o fretador, goza do direito de retenção sobre as mercadorias transportadas. Para isso o fretador terá de notificar o destinatário ou signatário da mercadoria, dentro das 48 horas imediatas à chegada do navio ao porto de descarga, aplicando-se as disposições referentes ao direito de retenção que constam do regime do contrato de transporte de mercadorias por mar. (Artigo 21º)

De referir na vertente internacional há ainda duas outras espécies de contrato que seguem uma estrutura básica similar ao contrato de fretamento por viagem mas que não constam no nosso regime nacional, são eles:

  1. “Contract of Affreightment” (COA): usualmente cobre um volume acordado de carga para ser transportado entre portos designados em um tempo determinado por uma frota de navios sob o controle de um Armador. Pode ser para um tipo de carga ou por mais de um tipo de carga;
  2. “Consecutive Voyage Charter” (CONSECS): contrato para o desempenho de um específico número de viagens num navio, normalmente entre os mesmos portos de carregamento e descarga. Deste modo é assegurado, portanto, constantes negócios ao armador e também constante suprimento de uma carga para o afretador e para os recebedores da carga.

Aliás em termos internacionais é possível encontrar misturas dos três contratos base que estamos aqui a analisar.

2- Contrato de fretamento a tempo:

“É aquele em que o fretador se obriga a pôr à disposição do afretador um navio, para que este o utilize durante certo período de tempo.” (artigo 22º)

Na carta-partida, além dos elementos já mencionados no fretamento à viagem, deverá constar também: (artigo 23º)

  1. O período de duração do fretamento;
  2. Os limites geográficos dentro dos quais o navio pode ser utilizado;
  3. A indicação das mercadorias que o navio não pode transportar.

O foco neste tipo de contrato de fretamento está no navio unicamente. Aqui a gestão náutica do navio pertence ao fretador, mas a gestão comercial já pertence ao afretador. (Artigo 25º e 26º) O armador é o fretador, tal como acontece no contrato de fretamento por viagem.

Aqui o fretador obriga-se a disponibilizar o navio armado, equipado e em condições de navegabilidade, à disposição do afretador, por tempo determinado, mediante “hire” que é geralmente calculado em USD por tonelagem de porte bruto (TPB) e meses de operacionalização.

Por isso as obrigações do fretador neste tipo de contrato de fretamento são apenas:

  1. Apresentar o navio ao afretador na data ou época e no local acordados;
  2. Apresentar o navio, antes e no início da viagem, em estado de navegabilidade, devidamente armado e equipado, de modo a dar integral cumprimento ao contrato.

No que se refere às obrigações do afretador:

  1. Pagar o frete;
  2. Efectuar as operações de carregamento e descarga de mercadorias;
  3. Fornecer o combustível adequado, conforme indicações do fretador (artigo 27º);
  4. Pagar as seguintes despesas: os seguros relativos ao navio; as despesas de conservação e reparação necessárias à navegabilidade do navio.

Em tudo o que se refira à gestão comercial do navio, o capitão deve obedecer às ordens e instruções do afretador, dentro dos limites da carta-partida, sem prejuízo das obrigações específicas da sua função. (Artigo 28º)

No que se refere ao frete, neste tipo de contrato, ele inicia-se a partir do dia em que o navio é posto pelo fretador à disposição do afretador, nas condições definidas na carta-partida. Vencendo-se o frete em cada quinze dias, devendo ser pago antecipadamente. (Artigo 29º nº 1 e 2)

O afretador pode deduzir nos pagamentos a fazer a despesas que haja realizado por conta do fretador e tem ainda a faculdade de deduzir nos últimos pagamentos do frete, as quantias que atendendo à data da reentrega do navio, possam razoavelmente ser consideradas em dívida, nessa data, pelo fretador. (Artigo 29º nº 3 e 4)

Não é devido frete durante os períodos em que se torne impossível a utilização comercial do navio, por facto não imputável ao afretador, ficando suspenso durante esse período, a título de exemplo um abalroamento causado por outro navio, tendo o navio ficado temporariamente incapaz de navegar. (artigo 30º)

O fretador não é obrigado a iniciar a viagem (ele tem a gestão náutica como vimos) cuja duração previsível exceda a fixada na carta-partida; contudo se o fizer terá direito ao frete proporcional ao prolongamento do fretamento. (artigo 31º nº 1)

Se, por facto imputável ao afretador, o afretamento exceder a duração prevista na carta-partida, o fretador tem direito, pelo tempo excedente, ao dobro do frete estipulado. (artigo 31º nº 2)

E se ocorrer uma avaria marítima no navio em resultado de operações comerciais o afretador por ter a gestão comercial do navio é responsável por esta. (Artigo 32º)

Se pelo contrário a avaria resultar de operação náutica então é o fretador que responde por esta, por estar incumbido da gestão náutica neste tipo de contrato de fretamento.

3-Contrato de fretamento em casco nú:

“É aquele em que o fretador se obriga a pôr à disposição do afretador, na época, local e condições convencionados, um navio, não armado e não equipado, para que este o utilize durante um certo tempo. “ (Artigo 33º)

Na carta-partida deste tipo de contrato de fretamento devem constar os seguintes elementos: (Artigo 34º)

  1. A identificação do navio, através do nome, nacionalidade e tonelagem;
  2. A identificação do fretador e do afretador;
  3. O frete;
  4. O período de duração do fretamento.

A gestão náutica e comercial pertence ao afretador. (Artigo 35º) O navio é, portanto, fretado desarmado.

Aqui o fretador assume apenas as responsabilidades decorrentes dos custos de capital incidentes sobre o navio, ou seja as despesas financeiras, impostos, juros e amortizações de empréstimos e custo de oportunidade do montante investido no navio.

O armador é o afretador, compete-lhe por isso armar e equipar o navio (Artigo 36º), cabendo-lhe igualmente suportar as despesas relativas a: (Artigo 37º)

  1. Conservação e reparação necessárias à navegabilidade do navio e todas as que não estejam abrangidas no artigo 38º, ou seja que não resultem de vício próprio do navio;
  2. Seguros relativos ao navio, independentemente da sua natureza.

São, pelo contrário, suportadas pelo fretador as despesas com as reparações e substituições resultantes de vício próprio do navio, não sendo naturalmente durante este período devido qualquer frete pelo afretador. (Artigo 38º)

No que se refere à utilização do navio o afretador pode utilizar o navio em todos os tráfegos e actividades compatíveis com a sua finalidade normal e características técnicas, podendo utilizar os materiais de bordo, mas no fim do contrato, terá de restituir ao navio com a mesma quantidade e qualidade dos materiais utilizados, salvo o desgaste próprio do seu uso normal. (Artigo 39º)

No termo do contrato, o afretador, deve restituir o navio ao fretador no mesmo estado e nas mesmas condições em que o recebeu, salvo o que se refere ao desgaste próprio do seu uso normal. (Artigo 40º)

O afretador deve reembolsar o fretador de todas as despesas que este seja obrigado a pagar a terceiros em consequência da exploração comercial do navio. (Artigo 41º)

A este tipo de contrato são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas relativas ao contrato de fretamento a tempo e a disciplina da lei geral sobre o contrato de locação, ou seja, as normas do código civil sobre locação. (artigo 42º)

De referir que durante o tempo de duração do fretamento por viagem ou a tempo, porque a gestão náutica pertence nestes casos ao fretador, o afretador tem o direito de manter a bordo um representante seu, designado de sobrecarga, para acompanhar a execução do contrato, não podendo este interferir directamente na execução do contrato, mas tem a faculdade de fazer recomendações ao capitão do navio em matéria que se relacione com a administração da carga, sendo o fretador obrigado a fornecer alojamento ao sobrecarga, mas as despesas de alimentação são naturalmente suportadas pelo afretador. (Artigo 43º)

Também nos fretamentos por viagem ou a tempo, quando a actuação do capitão do navio for de molde a prejudicar os interesses comerciais do afretador, este tem a faculdade de exigir ao fretador a sua substituição. (Artigo 44º). No fretamento a casco nú, pelo contrário, porque o afretador tem a gestão comercial e náutica do navio, o capitão do navio, bem como a tripulação são escolhidos e contratados pelo afretador, pelo que a substituição do capitão do navio cabe ao afretador.

Caso o afretador pretenda subfretar ou ceder a sua posição contratual de afretador no contrato de fretamento com o proprietário do navio, necessita para o efeito de autorização escrita do fretador. (Artigo 45º nº 1) Sendo beste caso aplicáveis ao subfretamento as disposições legais que regulam o contrato de fretamento. (nº 2)

Quanto ao direito de indemnização decorrente da violação do contrato de fretamento, este deve ser exercido no prazo de dois anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. (Artigo 46º)

Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para as acções emergentes de contratos de fretamento ou subfretamento nos seguintes casos: (Artigo 47º)

  1. Se o porto de carga ou de descarga se situar em Portugal;
  2. Se o contrato de fretamento ou subfretamento tiver sido celebrado em Portugal;
  3. Se o navio arvorar bandeira portuguesa ou estiver registado em Portugal;
  4. Se a sede, sucursal, filial ou delegação do fretador ou subfretador, ou do afretador, ou do carregador, ou do destinatário ou consignatário, se localizar em território português.
  5. E noutras situações em que a determinação da competência internacional dos tribunais para julgamento das acções emergentes do contrato de fretamento ou de subfretamento é feita de acordo com as regras gerais.

Quanto à lei aplicável ao contrato e na decorrência do princípio da autonomia da vontade das partes “à priori” as partes poderão indicar expressamente a lei que será aplicável ao contrato (lex voluntatis) e a competência jurisdicional. Contudo no plano internacional a autonomia da vontade nestes contratos é bastante limitada por seguirem modelos standard que já incorporam a legislação aplicável (“Clause Paramount”) que é em regra a britânica, prevendo ainda uma clausula de arbitragem, sendo em regra em Londres. A nossa lei nesta matéria nada diz.

De salientar que este regime do contrato de fretamento que aqui analisámos não se aplica a navios de tonelagem de arqueação bruta inferior a 10 t. (artigo 48ª)

Este diploma revogou os artigos 541º a 562º do Código Comercial, que se referiam em particular a esta matéria. (artigo 49º)

Na próxima edição iremos falar do contrato de transporte de passageiros.

Fontes:

– Convenção de Bruxelas de 1924;

– Decreto-lei nº 191/87 de 29 de Abril.



2 comentários em “Contrato de Fretamento de Navio”

  1. Celina Rodrigues diz:

    Excelente conteúdo!

  2. Armando Korn Moreira diz:

    descrição impecável dos contratos de afretamento

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