Mesmo sabendo como a síntese da II Grande Conferência do Jornal da Economia ficará sempre muito aquém de quanto realmente ocorreu ao transcrevermos parte da letra completamente amputada do verdadeiro sopro que lhe deu vida, aqui iniciamos essa síntese, para que tudo não perca esquecido também, simplesmente, nas brumas da memória e mais tarde se possa perceber, de facto, quanto avançamos ou não avançamos.

Enquadramento

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Gonçalo Magalhães Collaço

Director do Jornal da Economia do Mar

 

Não deixa de ser significativo que esta nossa II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar se realiza num momento em que, assim se afigura, a maioria dos Portugueses, a começar por todos os principais políticos com maior responsabilidade na condução dos destinos da nação, se manifestam, comoventemente, apaixonados pelo mar. Tão sincera, profunda e arrebatadoramente apaixonados pelo mar como aquele rapaz que, despedindo-se uma bela noite da sua amada, não deixando de lhe expressar de modo eloquente quanto se lhe figuravam mortais todos os minutos de afastamento da luz da sua vida, não tendo dúvida em atravessar o mais vastos oceanos, enfrentar as mais tremendas tempestades e, se necessário fora,  mover mesmo as mais altas montanhas, para estar consigo,  ao ser interrogado se no dia seguinte voltaria para a ver, logo respondeu, muito directa e candidamente: com certeza, se não chover!…

A história faz-nos, no mínimo, sorrir?…

Julgamos que sim, reagindo, instintivamente, ao seu absurdo.

Mas qual onde está o absurdo?…

Não é a resposta logica e perfeitamente coerente com os tempos práticos que vivemos?

Não sabendo se em diferente ambiente e latitude a instintiva reacção seria exactamente a mesma mas cremos muito não errarmos se dissermos que a reacção instintiva de riso, interpretando como completamente absurda a situação se deve ao nosso muito próprio modo de ser Português que vê sempre como tão absolutamente ridículo, absurdo e caricato uma falha de consequente nexo entre o discurso e a correspondente acção como se lhe figurará sempre uma vida vivida sem um mínimo de heroísmo, de poesia, de grandeza, não ser mesmo, eventualmente, digna de ser vivida.

Nos tempos actuais, como nação que se ignora a si mesma, talvez não tenhamos já sequer muita consciência de tudo isso mas foi exactamente quanto não escapou, por exemplo, a um historiador como ao britânico Roger Crowley que, na sua mais recente obra publicada em Portugal, «Conquistadores – Como Portugal Criou o Primeiro Império Global», talvez surpreendido, não deixou de relatar como os Portugueses se viram derrotados na célebre Batalha Naval de Chaun, não porque não pudessem ter arrasado toda frota Egípcia se tivessem logo feito fogo, de longe e na distância, como sugerido inclusive pelo capitão de artilharia, mas por terem preferido, uma vez tal se lhes afigurar eventualmente pouco heróico, desleal ou até mesmo cobarde, independentemente da patente desvantagem numérica em homens e navios em que se encontravam, a abordagem, a luta corpo a corpo, a conquista dos devidos troféus e consequente saque em nobre mais nobre e tradicional acção militar, em demonstração de too o seu valor, bravura e brio individuais.

Como se sabe, a Batalha Naval de Chaun não deixaria de ter as mais profundas consequências e repercussões.

Por um lado, a morte de Lourenço de Almeida, o Capitão da Armada Portuguesa em Chaun, conduzindo o ainda Vice-Rei, seu Pai, Francisco de Almeida, que não havia participado na Batalha, à quase total loucura, levou-o a perseguir sem descanso a poderosa Armada Árabe até à temerária Batalha de Diu onde a dizimou, literalmente, impondo assim, por muitos anos, um completo domínio de Portugal sobre os Mares das Índias.

Por outro, percebendo-se também como um pouco mais de planeamento, organização e disciplina eram indispensáveis para assegurar a prossecução dos grandes feitos, muito diferente seria já a atitude de um Afonso de Albuquerque, sucessor de Francisco de Almeida, não obstante acabar «mal com a grei por lealdade ao Rei e mal com o Rei por defesa da grei».

Mas porque trazer à memória já tão afastado e longínquo episódio da História?

Porque continuamos a ser Portugueses, com todas as virtudes e defeitos de o sermos plenamente e se, como no passado, o sentido da individualidade e heroicidade são duas suas mais excelentes e extraordinárias qualidades nossas, e mais ainda dos verdadeiros Portugueses a quem corre ainda sangue salgado nas veias, o seu excesso, como todo o excesso, é um erro, tendendo o sentido da individualidade a degenerar facilmente tão só em mero, ou mesmo patético, egotismo, como a heroicidade em não mais do que pura, simples e estéril bravata, para mais não dizer.

Ora, perante a enormidade de tudo quanto há a realizar hoje no que aos assuntos do mar respeita, uma primeira e imediata evidência é não apenas que todos nunca seremos de mais como, mais gravemente ainda, correndo-se mesmo o risco, ou a quase certeza, de todos não sermos suficientes, sem una atitude e consequente unidade de acto, por mais brilhante, notável e heróica que seja toda a individualizada acção, o mais provável é tudo não resultar senão em nada, ou, pelo menos, sempre muito aquém das expectativas e, mais ainda, do necessário.

Una atitude e unidade de acto que não significa nem pode ser alguma vez entendido como diminuição da importância do primado da individualidade mas tão só a compreensão de como no domínio da contingência, ou quanto vulgarmente designamos como imediata realidade, toda a acção será sempre tão mais perfeita quanto mais perfeito o acto individual realizado na mais vasta relação inter-pares, o que é, sem sombra de dúvida, particularmente relevante nos tempos correntes.

Na verdade, pensando sempre quanto aos assuntos do mar respeita, logo se afigura tornar-se evidente constituírem-se os principais projectos, pela sua própria natureza, na esmagadora  maioria dos casos, como projectos de médio e longo-prazo, obrigando, por isso mesmo, não só a uma significativa capacidade de investimento financeiro um não menor nem menos significativo investimento em termos de investigação, desenvolvimento e inovação,  bem como a mais vasta cooperação entre as mais variadas, diferentes e distintas áreas que, no fim, sempre importará perfeitamente conjugar.

Os exemplos, sabemos, podem multiplicar-se quase ad nauseam, sendo no entanto o já clássico e fácil caso do Wind Float, tão bem conhecido de todos, uma boa ilustração do que se pretende significar.

Sendo em si mesmo um projecto de produção de energia eólica em mar aberto, observando bem o todo, o projecto vai, ou pode ir, mesmo independentemente de já envolver mais de 100 empresas na sua construção e instalação, muito para além disso, constituindo-se como um pólo agregador de inovação nas mais variadas áreas, incluindo desde a construção naval no desenvolvimento de navios específicos para instalação e manutenção das respectivas plataformas, até ao desenvolvimento de veículos aéreos não tripulados para inspecção e, quem sabe, até pequenas acções de manutenção das respectivas infra-estruturas, incluindo alguma robótica, como o desenvolvimento de novos e mais sofisticados sensores, para já não se falar em outras possibilidades como o desenvolvimento de novas tintas anti-corrosão, entre outros múltiplos exemplos muito além dos mais tradicionais trabalhos de metalomecânica, cabos ou mais especificamente ainda de desenho das pás e optimização de processos de transformação da energia eólica em energia eléctrica.

Mas se isso é assim, por um lado, por outro, a conjugação de esforços também se manifesta noutros planos, como na necessidade de adquirir dimensão, poder de realização, capacidade de projecção, de modo a poder oferecer inclusivamente uma garantia de planeamento, focalização e continuidade de não menor ou mesmo de crucial importância em múltiplos outros casos.

Talvez ilustrando de novo com um exemplo concreto se torna mais evidente quanto se pretende significar.

Não há muito tempo, como demos então notícia, a DARPA anunciou estar disposta e ir realizar um investimento, na ordem dos milhões e dólares, na Saab para o desenvolvimento de novos sistemas e tecnologia de comunicação submarina, de facto, um dos mais críticos desafios da actualidade.

A par disso, como sabemos também, nós temos centros de investigação e laboratórios como o LSTS da FEUP ou o LARSYS do IST, para referirmos apenas dois exemplos, com provas mais do que dadas nessa área, encontrando-se mesmo os seus projectos entre alguns dos mais avançados do mundo da actualidade e não deixando, inclusive, alguns projectos do LSTS de serem realizados em conjunto com a Marinha dos Estados Unidos, como outros do LARSYS não deixam de ter igualmente já verdadeiro reconhecimento internacional, parece assim legítimo podermos, ou devermos até, interrogarmo-nos porque logo se nos afigura inimaginável vermos ser equacionado sequer tal investimento em Portugal.

A pergunta será meramente retórica, dir-se-á, mas compreendendo como hoje muitos dos grandes projectos, sobretudo no que respeita à investigação e desenvolvimento de nova áreas e tecnologias, têm já uma forte componente transnacional, estando nós, em particular, sedentos de investimentos de todo o tipo, quer em termos nacionais quer, ainda mais, de investimento estrangeiro, dada a escassez de iniciativa  e capital em Portugal, não será legítimo interrogarmo-nos também se, independentemente de questões políticas mais gerais como as respeitantes aos incentivos à atracção de investimento, desde as questões de procedimento administrativos às especificamente relacionadas com os processos de licenciamento e instalação de novas unidades de produção, para não referir já sequer a questão da pouca competitividade dos impostos em relação às empresas nem mais grave falta de estabilidade fiscal e jurídica, entre outros aspectos, estamos a seguir, quer em termos individuais, organizacionais ou empresariais,  se as estratégias que estamos a seguir para captar esse investimento, nacional ou estrangeiro, são as mais adequadas?

Tradicionalmente queixamos de sermos uma nação de escassos recursos, tanto naturais como humanos, de diminuta dimensão e fraca capacidade de projecção. Mas é exactamente assim?

No que respeita ao mar, hoje, ao contrário do que por vezes se faz crer ou se é levado a crer, estamos longe de sermos uma nação de fracos recursos quando possuímos mesmo alguma da melhor investigação que se faz no mundo, dispondo só de algumas das pessoas melhor preparadas como com uma capacidade de imaginação e realização do melhor que também há no mundo, como se tem provado.

E se assim é em termos de recursos humanos, em termos de recursos naturais,  como também é sabido, não só possuímos a vastíssima área marítima a explorar que possuimos, igualmente uma das maiores do mundo, sobretudo quando se pensa em termos de Plataforma Continental Estendida, como agora se diz, de acordo com as novas regras da Convenção das Nações Unidas, como acompanhada, ainda por cima, de uma das mais exuberantes biodiversidades do planeta.

não se afigura, de facto, que o problema de falta de avanço em muitas das áreas relativas advenha da falta de recursos.

O que nos falta realmente?…

Olhemos para um mapa do Atlântico e imaginemo-lo desenhado com as áreas das respectivas ZEE e a possível Extensão das correspondentes Plataformas Continentais dos Países Lusófonos…

Temos, como nação, consciência disso e de tudo quanto, de algum modo, aí está, ou pode estar, implicado?…

Temos?…

Então o que temos feito para valorizarmos esse extraordinário património?…

Falta-nos dimensão?…

Já que estamos em tempo de memória histórica, após a Restauração de 1640, a pedido D. João IV, não redigiu o Padre António Vieira um breve «papel, sem lábia» a relatar o panorama do Império, em termos de administração, onde dava conta da existência de 10 245 moradores e 10 120 soldados, perfazendo assim um total de 20 465 almas a tomarem conta de um Reino que se se estendia então por quase cerca de 2/3 do globo.

Que aconteceu ao nosso engenho e arte para ultrapassarmos a suposta escassa dimensão que sempre foi a nossa? Perdemos realmente essas tão nossas quanto antigas e singulares virtudes de relacionamento, sabendo sempre estender, multiplicar e projectar as nossas capacidades de acordo com as necessidades, independentemente da nossa suposta diminuta dimensão?…

Não seremos acima de tudo, como já referido, uma nação que se ignora a si mesma?…

Sabemos quem somos?

Sabemos o que queremos ser?

Se olhamos para as nossas universidades, as primeiras instituições responsáveis pela formação das nossas novas gerações, as mais pressurosas instituições também s sempre criticarem veentemente os nossos supostos maus hábitos, os nossos vícios e incapacidades de organização, disciplina e perseverança, a tendermos sempre para um excesso de individualismo, uma quase inevitável tendência de anarquismo, por contraponto aos sempre tão elogiados Germânicos, Anglo-Saxónicos, Gauleses ou seja lá quem for?…

Mas alguém conhece um pequenino estudo que seja, brevíssima monografia, para não falar já em tese sequer, elaborados no seio da Universidade ou equivalente instituição, sobre o modo de Gestão Português?…

Somos Germânicos, Anglo-Saxónicos, Gauleses, Nipónicos, seja lá o que for ou sabe-se lá que mais?…

Não começa exactamente aí o nosso problema, ou seja, por sermos hoje, como referido, uma nação que se ignora a si mesma?…

Pode uma nação que se ignora a si mesma dispor das adequadas instituições ao seu modo próprio de ser quando não sabe qual seja?…

Sendo uma nação que se ignora a si mesma, que não dispõe das adequadas instituições ao seu modo próprio de ser, que não sabe já qual seja, não é natural que seja uma nação mergulhada em profundo «nevoeiro» estratégico?…

Não é verdadeiramente essa a nossa situação?…

Não somos uma nação estruturalmente monárquica?…

Somo-lo, sem duvida, tanto quanto o pensamento é sempre monárquico.

Que nos tem a dizer o actual Presidente da República, o elemento monárquico do actual Regime sobre o mar?…

Que o Primeiro-Ministro, assoberbado com questões de Administração pouco ou nada tenha a dizer, talvez seja desculpável, mas o Presidente da República, dito o Mais Alto Magistrado da Nação, Comandante Supremo da Forças Armadas, o primeiro responsável pela defesa da Coisa Pública, nada tenha a dizer, é compreensível?

Não se deve às nossas principais instituições, a começar pela Presidência da República e a terminar em grande medida nas Universidades, a grande responsabilidade da situação em que nos encontramos, uma nação que se ignora a si mesma, um povo de heróis que todas as mesmas instituições parece não quererem senão transformar em simples e pragmáticos funcionários da existência?

Como superar esse drama?

Aparentemente, é simples.

Antes de mais, pela afirmação da consciência e consequente iniciativa individual de quem verdadeiramente compreende a importância crucial do mar para Portugal, de quem sabe, como bom Português, não haver separação entre pensamento e acção, bem como sabe ser ainda a causa final a primeira das causas e ainda conhece o significado da Lealdade e do Andar Dereito de que falava D. Duarte como elementos determinantes da nossa real independência espiritual que não pode deixar de se projectar em todos os mais diversos planos da nossa humana existência como povo singular e único.

Afinal, a resposta talvez seja simples, estando exactamente aqui, mesmo á nossa frente, ou seja, continuarem a fazer, todos quantos aqui estão, e alguns que aqui não se encontram por mera e momentânea circunstância, quanto têm vindo a fazer, com plena consciência disso, ou seja, pensando e agindo consequentemente, sabendo como a economia é um processo de realização da liberdade, mas tão só isso, não confundindo, em momento em algum, a ordem dos factores, nem esquecendo nunca como a mais perfeita realização se alcança sempre na mais vasta relação, assim como não ser nunca a superior finalidade do Homem transformarem-se em mero funcionário da existência mas trazer mais luz ao mundo.

E é por isso também que a II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar é tão Importante, não podendo nós deixarmos de prestar aqui, a toda a ilustre assistência, sem a qual nada disto teria sentido; aos nossos patrocinadores, apoiantes e expositores, sem os quais nada disto seria possível, bem como, não menos importante, aos oradores, a quem sempre ficaremos a dever a verdadeira singularidade, inteligência e parte da luz que, de facto, tanto necessitamos hoje, as nossas mais altas e reconhecidas homenagens.

 



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