É claro que o cabo, que ligava a Horta a Emden, foi cortado poucas horas depois, pelo navio britânico Telconia e o pessoal da AtlantischeTelegraphen-Gesellshaft (ou simplesmente D.A.T.) obrigado a abandonar a operating room, ou sala comum, da Trinity House.
Na Trinity House, desde 1902 que funcionavam lado a lado, as três primeiras companhias de cabos telegráficos instaladas na cidade da Horta, na Ilha do Faial, nos Açores: os alemães da D.A.T., os ingleses da Europe & Azores Telegraphic Company, – os primeiros a chegarem à ilha, em 1893 – e os americanos da Comercial Cable Company. A Santíssima Trindade.
Também em 1893, em 27 de agosto, tinha sido inaugurado o primeiro cabo a unir a estação de Carcavelos com a Ilha de S.Miguel, através de um telegrama enviado pelo Rei D.Carlos para Ponta Delgada. Daqui, através de uma derivação, o cabo chegava à Horta.
Anos antes, em oito de agosto de 1870, tinha sido o seu pai, D.Luís, a receber na Ajuda um telegrama da sua Tia, a Rainha Vitória, a celebrar a ligação por cabo entre Portugal (Carcavelos) e Inglaterra (Porthcurno), numa altura em que o cabo que ligava Londres à Índia, já passava nos nossos fundos marinhos.
A partir de 1899, os Açores tinham ficado ligados ao mundo por debaixo de água, com a instalação de cabos telegráficos, americanos, alemães e italianos, passando a Horta ao estatuto privilegiado e raro, de estação telegráfica internacional.
Os cabos submarinos chegavam à ilha pela praia da Alagoa, e daqui eram conduzidos através de condutas enterradas até à Trinity House.
Com aquela notícia, o pessoal alemão foi expulso da Trinity House, e expatriado por caminhos ínvios para a vaterland no primeiro navio a escalar a ilha, mesmo que o seu destino fosse o círculo polar ártico, e os restantes foram encaminhados para a Terceira.
Os que permaneceram na ilha, sem mais que fazer, tornaram-se oficialmente nefelibatas, e clandestinamente apoiantes da causa germânica local, por todos os meio possíveis.
Um deles, e que nunca ficou cabalmente esclarecido, foi a criação do Consulado da Pomerânia no Pico, através do qual, com recurso a todos os estratagemas, foram feitas – também nunca completamente esclarecidas – entregas preciosas de carvão aos navios do Almirante Von Terpitz, que escalavam as baías inacessíveis do arquipélago.
Quatro anos depois, no final da guerra, o Tratado de Versalhes formalizou a interdição alemã aos seus cabos submarinos que aportavam à Horta, entregando-os à companhia inglesa e a uma empresa francesa, criada oportunisticamente naquela altura, que desinteressada no assunto, acabou por ceder a sua parte à mesma companhia inglesa.
Este predomínio britânico, seria contudo contrabalançado a partir de 1928, com a presença de uma outra companhia norte-americana, a Western Union Telegraph Coy, e pouco depois pela chegada de interesses italianos.
Tudo isto sem que os alemães mostrassem a mínima vontade de abandonar a ilha paradisíaca.
Muito menos quando, estranhamente em 1919, a colónia alemã conseguiu finalmente construir o seu bairro residencial, um conjunto de cinco edifícios, para alojar os funcionários da desativada D.A.T. e respetivas famílias, que graças à competência técnica daqueles, nunca deixaram de prestar colaboração às restantes operadoras.
Dessa unidade arquitetónica, ainda hoje visitável, e conhecida precisamente como Colónia Alemã, destaca-se uma pequena e graciosa torre para albergar um relógio, e que naturalmente se passou a chamar a Casa do Relógio.
Mas talvez o destaque maior de todo o espaço, fique por conta de um conjunto precioso de vitrais retratando a heráldica das diversas regiões da Alemanha do Kaiser Guilherme II.
Fabricados em 1912 em Colónia, pelos muito conhecidos Schneiders & Schmolz, incorporando as finíssimas areias da Boémia, teriam seguramente sido encomendados e destinados a um dos palácios de Potsdam, Berlim ou Dresden, não fora as agruras da política e da guerra.
Provavelmente sem espaço nas cidades andinas da Bolívia, ou numa Academia Luterana nas margens do Lago Tanganica, os vitrais vieram para nosso grande prazer parar à Horta, no final dos anos vinte do século XX, e já por intervenção da República de Weimar, onde se integraram admiravelmente à arquitetura refinada da cidade açoriana.
Entretanto, alheio a tudo isto, anos mais tarde, no primeiro dia de setembro de 1939, chegava à Joint Station, herdeira da Trinity House, a notícia de que a Alemanha tinha começado a guerra.
Julgando que se tratava, mesmo muitos anos depois, de uma notícia repetida, o coordenador do centro limitou-se a despachar, e até a lápis.
Outra vez?
Na dúvida, dois dias depois o navio inglês Mirror cortava novamente o cabo alemão.