O mais extraordinário foi saber da importância que os faróis ainda possuem para a navegação, em pleno século XXI, numa altura em que se é levado a pensar que tudo o que importa à superfície da terra é imaterial e vem do espaço, e sobretudo, que tudo o que não se agita fenece.

Uma qualquer sociedade de geografia, daquelas que felizmente proliferam à volta do mundo, dedicou recentemente uma conferência ao saber se os faróis avisam para o mar a presença de terra, ou o contrário, avisam para terra a presença do mar.

Naturalmente que as comunicações e as participações se extremaram entre aqueles que mal poem os pés em terra enjoam, e aqueles que ao chegar a um hotel, mesmo que nas faldas dos Himalaias, exigem um quarto com vista para terra.

Entre estas duas atitudes, apareceram comunicações de grande interesse, sobre a existência dos faróis, de uma serenidade tal, que apenas podiam ser escritas por faroleiros.

E o mais extraordinário foi saber da importância que os faróis ainda possuem para a navegação, em pleno século XXI, numa altura em que se é levado a pensar que tudo o que importa à superfície da terra é imaterial e vem do espaço, e sobretudo, que tudo o que não se agita fenece.

A comprovar esta importância, aí estão os cerca de 20 000 faróis espalhados pela terra – ou pelo mar, lá está – dos quais 30 em Portugal Continental, 16 nos Açores e 7 na Madeira.

Utilizados desde a Antiguidade, (o primeiro terá sido o de Alexandria, construído na Ilha de Faros – de onde o nome – cerca de 280 a.C.) acompanharam a civilização romana ao longo sobretudo do Mediterrânio, mas também do Mar Negro e até ao Atlântico. O declínio de Roma, implicou idêntico fenómeno na sua navegação e nos faróis, para ressurgirem já na vertente atlântica com a época das grandes navegações, empreendidas pelos dois povos ibéricos, e para não mais perderem importância, e constituírem marcos vivos destas navegações.

A história dos faróis é muito a da sua iluminação, e esta ao longo dos anos evolui da lâmpada a óleo para a elétrica, passando pela utilização do gás.

É a iluminação (duração da luz) e a sua ausência (duração da obscuridade), que conjugada com a de relâmpagos rapidíssimos e com a diferente coloração alternada, e o alcance luminoso (o que efetivamente se observa no mar) e o nominal (o que é assinalado nas cartas) que permite a identificação única de um farol, entre tantos outros semelhantes.

Em Portugal o assunto dos faróis foi muito bem entregue à Marinha, mais precisamente à Direção de Faróis, localizada em Paço de Arcos, com acesso pela Marginal.

Já tive a oportunidade de visitar aqueles serviços, e perceber toda a orgânica implementada para permitir que a nossa costa contribua para uma navegação segura para todos aqueles que necessitam de andar no mar, para além de usufruir de uma explicação minuciosa da forma como funcionam os faróis, com destaque para o sistema de iluminação.

Para além da sua extraordinária e milenar importância para a segurança das embarcações, os faróis contribuem com a sua silhueta esbelta e as edificações de apoio, para o património arquitetónico da humanidade, havendo em diversas longitudes e latitudes, associações de admiradores de faróis que trocam entre si informações tornadas interessantes aos iniciados, e promovem visitas aos locais da sua paixão.

Em Portugal, a beleza do design dos nossos faróis, foi merecidamente incluída na lista do património edificado confiado ao IPPAR. E apesar de um especialista em defesa do património, me ter confessado que esta se encontra substancialmente reforçada e facilitada, pela dificuldade de atribuição de outra utilização aos faróis, que não aquela para o qual foram construídos, e naqueles locais. Dificilmente um farol dá lugar a uma agência bancária, um consultório de dentista ou uma loja de souvenirs.

De entre os nossos faróis merece destaque o de Aveiro, construído no último quartel do século XIX, situado na Gafanha da Nazaré, (a 40º 38’ 34’’ Norte e 8º 44’ 53’’ Oeste) que com os seus 62 metros de altura, e 66 ao nível do mar, está incluído num grupo restrito dos maiores faróis do mundo.

Construído em 1885 – numa altura em que era o sexto maior farol do mundo edificado em alvenaria de pedra – teve entretanto diversos melhoramentos, com destaque para a sua eletrificação em 1936, e a instalação de um elevador em 1958, que tornaram os seus 288 degraus em pedra, dispostos em caracol, numa belíssima peça arquitetónica.   

Já no que respeita à conferência sobre faróis, um dos trabalhos mais interessantes que me veio parar às mãos, foi o do processo de recrutamento para uma das ilhas do Sul, onde existe um farol assaz esguio, que mal dá para acolher girafas, e mais um jardim minúsculo de semi-bonsais, em que os serviços responsáveis, fizeram publicar um anúncio, que depois de registar uns tantos requisitos, acaba com um repto irresistível:

Pretende sentir-se indispensável? Está farto de andar de metropolitano à hora de ponta? Gosta de horizonte desimpedido? Não consegue terminar aquele seu livro?…



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