Se levarmos a bom porto a negociação da extensão dos limites da nossa Plataforma continental, Portugal pode vir a ter a décima primeira maior área de jurisdição marinha, representando quarenta e duas vezes a área emersa, com importantes e talvez mesmo decisivas reservas minerais.

Hoje, é sabido que vivemos num mundo altamente tecnológico. O que nos escapa é que para o alimentar estamos a extrair da terra minerais em quantidades astronómicas. O smartphone que temos no bolso é apenas um exemplo. Há 2 mil milhões no mundo e estima-se que, em 2020, já daqui a quatro anos, existam 6 mil milhões de smartphones em todo o mundo.  «Na sua diversidade tecnológica os smartphones têm quase todos os elementos da tabela periódica, e há algumas matérias primas, como o cobalto, as terras raras, o lítio, entre outras, que são críticas e em avançado estado de exaustão em terra, sobretudo se tivermos em atenção que a população dos Estados Unidos deverá consumir cerca de 1,8 milhões de Kg de metais ao longo da sua vida e na Europa, mesmo sendo eventualmente cerca de metade desse valor, percebemos facilmente que a perspectiva não é animadora».

A afirmação é de Fernando Barriga, Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e foi proferida na apresentação realizada na II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, não deixando de sublinhar também a grave situação de dependência vivida pela Europa na importação de produtos minerais muito específicos cujos fornecedores não oferecem já sequer total garantia de manutenção no seu fornecimento, com a agravante de a  Europa não dispor actualmente, no seu território, de qualquer possibilidade para a sua extracção, por inexistentes, embora não deixando de se constituírem como elementos base de muita da sua mais avançada indústria tecnológica.

Algo que ficou bem patente quando, em 2011, «Pequim anunciou ir limitar a exportação de terras-raras, um grupo de elementos que não são propriamente terras nem eventualmente raras mas o nome que se dá a um grupo de metais indispensáveis, hoje, a uma série de aplicações de alta tecnologia, sendo matérias primas explorados e exportados pela China numa taxa na ordem dos 97% em termos de produção mundial. Um anúncio que fez estremecer a União Europeia, confrontando-a com o sério problema relativo ao respectivo fornecimento dessas mesmas matérias primas».

Para se ter uma ideia, «a aplicação das terras raras vai desde a produção de energias limpas, aos ímanes, écrans de telemóveis, televisões, sendo ainda necessárias e indispensáveis a um sem número de outras aplicações».

Um problema sério uma vez que a Europa não tem, neste momento, nada que possa dar em troca em caso de quebra de fornecimento dos elementos críticos, vendo, por consequência, as respectivas produções, de imediato, significativamente afectadas.

Fernando Barriga ilustra ainda a situação actual com outro exemplo. «Um grupo de alunas da Faculdade de Ciências experimentaram, recentemente, um veículo eléctrico, ficando extremamente entusiasmadas com o seu desempenho. O que não se tinham desde logo apercebido é que, se a bateria do automóvel exige 10 Kg de cobalto, como referido, uma matéria prima critica também, entre outros elementos, fazendo as contas, se pensarmos que existem 800 milhões de automóveis no mundo, querendo substituir todos os actuais automóveis com motor de explosão por carros eléctricos, nas actuais condições, seria necessária uma produção mundial de 8 milhões de toneladas de cobalto quando, na actualidade, essa produção se encontra na casa das 124 mil toneladas/ano, do que estamos a falar, mesmo duplicando a produção, é da necessidade de 65 anos de extracção ou produção de cobalto para se atingir tal fim».

«Ou seja, quando a equação é esta, para tentarmos resolver o problema da pegada de carbono, o caminho não pode deixar de ser duplo, tentar aumentar, por um lado, a produção de cobalto e, por outro, tentar também, em simultâneo, desenvolver outras tecnologias que cumpram semelhante finalidade».

 

Fornecimento de minerais é um dos maiores desafios da época actual

 Por tudo quanto ficou dito, compreende-se como o fornecimento de minerais se transformou assim num dos maiores desafios do nosso tempo e um problema que urge resolver, sendo necessário e indispensável encontrar não apenas novas fontes de matérias primas minerais como também desenvolver a respectiva tecnologia que permita explorá-las uma vez que, dada a sua exaustão em terra, o passo seguinte será, naturalmente, aprofundar a sua prospecção e exploração no mar.

Como afirma igualmente o Professor Fernando Barriga, é necessário assegurar a democratização do consumo a uma população mundial que não deixa de aumentar dia a dia, lembrando também, mais uma vez, ser a «Europa a região do mundo em que o fornecimento de matérias primas minerais é mais crítico, produzindo não apenas abaixo dos 5% do respectivo consumo como tendo, inclusive, uma única nação, no caso, a Polónia, a a produzir nessa ordem de grandeza».

Para além disso há a agravante de as matérias críticas, essencialmente metais, encontrarem-se concatenadas, ou seja, dependerem de matérias não críticas que não existem igualmente senão em quantidades mínimas na Europa.

Se, em simultâneo, percebermos como, por exemplo, os filmes fotovoltaicos de elementos como o Ilídio,  entre outros, ou os geradores eólicos, exactamente por causa dos imanes, das terras-raras, tal como as baterias, para além do já referido cobalto, entre outros elementos também, facilmente se compreende igualmente porque a União Europeia já determinou como prioritária a prospecção em novas áreas, desde as profundidades inexploradas em terra, às regiões árcticas e ao mar aberto ou mar profundo.

Nesse enquadramento, Fernando Barriga lembra igualmente as prospecções já realizadas pela EMEPC (Estrtura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental), nos fundos marinhos sob jurisdição nacional, quer no âmbito da actual ZEE, quer no âmbito da futura extensão dos limites da Plataforma Continental, revelando a descoberta de crostas polimetálicas, chaminés hidrotermais e jazigos de sulfuretos maciços, vulcões de lama associados a hidratos de metano e nódulos de manganês, ou seja, a existência de todas essas matérias primas críticas passíveis de virem a esgotar-se em terra.

Para além disso, uma equipa Irlandesa e Inglesa descobriu recentemente a Norte dos Açores o campo de Moytirra, campo hidrotermal, alargando muito, assim também, a área de prospecção e de possível futura exploração.

Sabe-se igualmente, há mais de 20 anos, da existência de metano congelado, ou hidratos de metano, no extremo ou na rampa da Plataforma Continental que, não obstante as actuais dificuldades tecnológicas para a sua exploração, não deixa de ser de uma outra fonte de possível enorme valor no futuro em termos energéticos.

Um tema, aliás, a que Fernando Barriga não deixou de fazer também referência, referindo que, no fundo, tudo se resume a uma questão de energia, ou de produção de energia, porquanto, houvesse já fusão nuclear a funcionar como deve ser, entre outros aspectos, existindo por metro cúbico em todas as rochas todos os elementos metálicos em quantidades analisáveis, com outras possibilidades ainda no domínio da ficção científica, seria no entanto possível obter e extrair minério com uma facilidade hoje impossível de alcançar, evidentemente.

De qualquer modo, de pés mais assentes na terra, ou no mar, se assim se pode dizer, importa também perceber algumas diferenças entre quanto existe em mar aberto e nas costas continentais, formadas também por sedimentos terrestres, onde se explora já estanho na Tailândia e Indonésia, ou areias auríferas no Alasca, Filipinas e Nova Zelândia e diamantes na Namíbia e África do Sul, sendo mesmo hoje as quantidades de diamantes obtidas em meio marinho superiores já às obtidas em mineração terrestre.

No que respeita ao mar profundo, para além das potencialidades em termos de petróleo, gás natural e dos já referidos minérios, O Professor Fernando Barriga acentua igualmente a importância das biomoléculas alojadas na porosidade das rochas e bactérias que produzem moléculas orgânicas passíveis, inclusive, de serem extraídas e reproduzidas in vitro, com as mais diversas aplicações, incluindo a área farmacêutica e sectores da medicina, podendo conduzir à descoberta de novos fármacos e ao tratamento até de doenças actualmente sem qualquer forma de regeneração.

A par disso, nunca é de esquecer igualmente as quantidades astronómicas de biomassa existentes abaixo dos fundos marinhos, já com múltiplas aplicações, mais facilmente ainda se percebe o interesse, importância e inevitabilidade da futura exploração marinha, tanto mais quanto, por exemplo, nos sedimentos do Oceano Pacífico, já se descobriu a existência de terras-raras passíveis de serem extraídas com relativa facilidade, o que não deixa de ter enorme importância estratégica, além de industrial, podendo colocar termos ao quase monopólio detido hoje pela China nessas matérias.

A par de tudo isso, se a preocupação Ambiental é hoje uma primordial preocupação de todos, como Fernando Barriga também defende que deve ser, importa não esquecer igualmente, por um lado, outras possibilidades como as de injecção de CO2 nas rochas basálticas ou ultramáficas submarinas, fixando-o sob a forma de carbonatos,  minerais completamente inócuos, que duram para sempre, conservando-se no interior da crosta sem mais problemas, ainda em estudo mas já com alguns resultados eventualmente passíveis de virem a poder ser aplicados em âmbito industrial.

No âmbito Ambiental, Fernando Barriga defende mesmo que aos ambientalistas devem estar perfeitamente integrados nas equipas de exploração do mar profundo porque não é possível pensar hoje sequer nesse tipo de actividade sem ter em consideração essa superior preocupação com a sustentabilidade. Todavia, como também se sabe, os processos de mineração evoluíram extraordinariamente nos últimos anos e os riscos actualmente também são mínimos, como, noutro domínio mas não menos exemplificativo, é o actual caso da Mina de Aljustrel, perfeita ilustração de quanto é possível fazer nos actuais processos de mineração mantendo um respeita perfeito por todas as questões ambientais.

Uma preocupação que deve existir tanto mais quanto a futura exploração do mar profundo é inevitável.

No sentido, bastará pensar nas potencialidades da faixa pirite alentejana, formada há mais de 350 milhões de anos abaixo do fundo do mar, muito estudada já, para se compreender também a imensa riqueza passível de estar escondida nos fundos marinhos e que não deixará de vir a ser, inevitavelmente, explorada, nem se compreendendo mesmo que assim não fosse.

Um paralelismo pode ser, de resto, estabelecido com a própria agricultura, igualmente tão inevitável quanto ambientalmente terrível, conduzindo não só ao desaparecimento do solo arável, estimando-se mesmo uma taxa na casa dos 1% de área perdida anualmente, como à possibilidade de contaminação dos lençóis freáticos, entre outros aspectos.

Mas é inevitável, indispensável, tal como no futuro, irá ser a exploração do mar profundo, o que não significa, porém, que não se tenha o maior dos cuidados e a maior das preocupações no que respeita à respectiva sustentabilidade ambiental.



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