Não podemos ignorar a relação directa do papel das alterações climáticas com os oceanos.
O recente Relatório Especial sobre Oceano e Criosfera num Clima em Mudança, o primeiro relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU dedicado unicamente aos oceanos, foi bastante claro: as alterações climáticas estão a deixar marcas indeléveis no oceano. Por exemplo, e segundo inúmeros especialistas, até 2100 os oceanos aquecerão até quatro vezes do que temos hoje.
Os avisos de que algo ocorre já estão no nosso dia a dia, como mais inundações costeiras e tempestades tropicais, mas também menos biodiversidade e milhões de pessoas em risco por simplesmente viverem em regiões costeiras devido à subida do mar.
Não podemos ignorar que as alterações climáticas provocam uma maior acidificação do ambiente marinho (causada pela absorção de dióxido de carbono), mas também uma redução de oxigénio do mar, colocando em causa o ecossistema e a subsistência de muitas pessoas dependentes da biodiversidade e dos ecossistemas marinhos.
Por isso a importância e a necessidade urgente da redução das emissões de dióxido de carbono. Recorde-se que o Acordo de Paris, em 2016, foi o primeiro passo dos líderes mundiais com o objectivo de encontrar um caminho comum na luta pela descarbonização das economias mundiais. Estabeleceu-se como meta de longo prazo limitar o aumento da temperatura média global a níveis bem abaixo dos 2º C acima dos níveis pré-industriais e prosseguir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5º C.
O acordo renovou a esperança no multilateralismo e apontou para a necessidade de uma profunda descarbonização da economia mundial, já que estabeleceu uma nova arquitectura para o combate às alterações climáticas.
Este ano teremos um novo encontro, em Glasgow. Após ter sido adiado de 2020 para 2021 devido à pandemia (a ideia é realizar o evento a cada cinco anos), muitos esperam que a cimeira seja realizada este ano, concretamente em Novembro. Desta vez, os líderes mundiais vão discutir o clima já com dados concretos nas mãos, do que foi e não foi feito ao longo destes anos, o que torna a cimeira de Glasgow num encontro realmente significativo, ainda mais quando será debatido o provável sucessor do Acordo de Paris de 2015.
A verdade é que, nestes cinco anos, ficou mais do que provado que o mundo está em contra-relógio contra a sua extinção se nada for feito, já que é necessário agir o mais rápido possível tendo em vista a minimização dos efeitos das mudanças climáticas. Como salientou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o português António Guterres, a humanidade vive um «ponto de ruptura» para com o clima e já é mais que hora de assumir a sua responsabilidade.
É notório que os compromissos assumidos em Paris pelos países que assinaram o acordo não atingiram, cinco anos depois, os objectivos propostos. Por exemplo, e segundo alguns especialistas, espera-se que o mundo ultrapasse o limite de 1,5° C em 12 anos ou menos e alcance 3° C de aquecimento no fim do século.
Portanto, é muito provável que, em Glasgow, a pressão sobre os líderes mundiais seja enorme, ainda mais devido ao aumento de consciência da sociedade civil nesta caminhada desde 2016, uma caminhada que já não admite uma passividade dos seus responsáveis. Não é por acaso que o clima é hoje um dos temas mais presentes na agenda política mundial.
Mas 2021 terá também outro factor a reter a atenção de todos em questões ambientais. Estamos a falar do surpreendente compromisso assumido pela China em atingir a neutralidade nas emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2060. Para termos uma ideia do tamanho deste desafio, os chineses, segundo a consultora especializada Wood Mackenzie, terão de investir mais de 4,25 biliões de euros nesse objectivo, um valor que corresponde à capacidade adicional de geração de energia de que a China precisará para generalizar o uso de electricidade fornecida por fontes renováveis em sectores como o transporte, aquecimento ou indústria.
A directora de Mercados e Transições na região da Ásia-Pacífico da Wood Mackenzie, Prakash Sharma, acredita que o intuito da China, embora louvável, será «uma tarefa colossal», ainda mais para um país cujo fornecimento de energia assenta 90% em hidrocarbonetos, produz mais de dez mil toneladas de CO2 todos os anos e representa 28% do total das emissões globais.
Este esforço chinês foi olhado com surpresa por todos e aplaudido pelos ambientalistas, ainda mais sendo a China o país mais poluente do mundo e sempre relutante em seguir a defesa do ambiente nas últimas negociações.
Recorde-se que este caminho agora seguido pela China foi já assumido pelo Reino Unido em 2019 e, ano passado, pela União Europeia, que pretende atingir a neutralidade nas emissões de dióxido de carbono até 2050.
Um dado a reter: a neutralidade nas emissões de dióxido de carbono não significa o seu desaparecimento, mas apenas que não acrescentamos novas emissões à atmosfera. As emissões continuam, mas com um balanço equilibrado no deve e haver.
Segundo as Nações Unidas, os países que já assumiram alcançar a neutralidade nas emissões de dióxido de carbono representam mais de 65% das emissões globais e mais de 70% da economia mundial. O mundo aguarda agora a posição do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que, ao que tudo indica, também vai assumir um papel principal na luta contra o aquecimento global.
Esta nova posição de centenas de países demonstra uma tendência que deverá estar em foco em 2021: a redução de custos das energias renováveis. Para tantas nações assumiram a neutralidade nas emissões de dióxido de carbono nos próximos anos é sinal da queda real dos custos das energias renováveis, uma equação que deverá alterar por completo o cálculo da descarbonização em 2021 e nos próximos anos e décadas.
Recorde-se que, em Outubro último, a Agência Internacional de Energia salientou que os melhores sistemas de energia solar eram «a fonte de electricidade mais barata da história». Mas há mais, já que, na construção de novas centrais eléctricas, as energias renováveis costumam ser mais baratas do que a energia gerada por combustíveis fósseis, o que acarretará num aumento de investimentos na energia eólica, solar e em baterias nos próximos anos, defendem os especialistas. Portanto, ao que tudo indica, será muito mais rentável encerrar ou substituir as centrais eléctricas a carvão e gás por energia renovável.
Hoje muitos chegam a conclusão de que não se justifica investir no petróleo ou em centrais eléctricas a carvão quando dificilmente esse investimento estará amortizado em 20 ou 30 anos numa indústria obsoleta em poucos anos. Por isso o investimento mundial deverá ser centralizado nas energias renováveis.
Aliás, não é por acaso que a Tesla é uma das empresas mais valiosas do planeta, com o seu líder, Elon Musk, a ser a pessoa mais rica do Mundo, quando ultrapassou Jeff Bezos, da Amazon, que liderava o ranking há sete anos. Já a Exxon, que já foi a empresa mais importante do mundo, foi expulsa do índice Dow Jones Industrial Average…
Este é apenas mais um dado das mudanças que hoje vivemos, uma mudança que a Cimeira de Glasgow tem o dever de mostrar a direção a seguir através de decisões claras e, em simultâneo, enérgicas. A política de redução de emissões de dióxido de carbono deve ser ambiciosa e chegou o momento de punir os infractores. Não só pelos oceanos, mas por todos.