A relação da humanidade com o oceano nunca foi pacífica. Na realidade, e se formos francos, a humanidade sempre considerou o oceano como um meio para a sua sustentabilidade, sem se dar ao trabalho de compreender a sua riqueza para a nossa própria existência.
UNCTAD

No entanto, e muito devido às alterações climáticas, esse relacionamento tem-se alterado nas duas últimas décadas, não por uma questão divina, mas por pura necessidade. 

Já ninguém ignora o impacto de oito mil milhões de pessoas no meio ambiente e é necessário nos nossos dias, mais do que nunca, ter a certeza de que fazemos o necessário para garantir um oceano saudável e uma vida oceânica robusta, algo vital para a nossa sobrevivência como espécie.

Por exemplo, é impossível ficarmos indiferentes quando um novo estudo da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) revelou que só o Mar Mediterrâneo recebeu cerca de 230 mil toneladas de plástico em 2020, um número que poderá ser o dobro em 2040, ou seja, apenas daqui a 20 anos. Não há sustentabilidade que resista a estes números…

Por isso, é com alegria que vemos iniciativas significativas tendo como foco os Oceanos, a mais recente protagonizada pela World Surf League, a liga mundial de surf. Denominado “We Are One Ocean”, este projecto apresenta alguns dos mais proeminentes surfistas mundiais, verdadeiras referências para milhões de jovens, que resolveram dar a cara pelo oceano, entre eles o actual campeão mundial, o brasileiro Ítalo Ferreira. 

Numa iniciativa que também conta com alguns dos grandes nomes da ciência e do ambiente, a “We Are One Ocean” apresenta ainda uma petição (weareoneocean.org) que tem como meta dar força ao grande objectivo deste projecto: a protecção de 30% do nosso oceano até 2030, o denominado “30×30”. 

Como refere a bióloga Ayana Johnson, que salienta a importância e necessidade da defesa do oceano, se conseguirmos levantar as nossas vozes colectivas e responsabilizarmos os líderes mundiais pelas suas decisões, o projecto “30×30” é uma solução significativa para a crise climática.

Não podemos esquecer que o Oceano já absorveu mais de 90% do excesso de calor e um quarto do dióxido de carbono (CO2) que os humanos geraram pela queima de combustíveis fósseis. Mas também está na sua temperatura mais alta desde o início das medições, além de mais ácido e fornecer menos oxigénio. Ou seja, esta “incompatibilidade relacional” entre o oceano e nós, humanos, tem um custo crescente e que estamos apenas agora a começar a entender na sua plenitude. 

Hoje os cientistas estão conscientes das mudanças nos mares devido às alterações climáticas e a luta agora é tornar mais lento esse impacto, principalmente por o oceano ser o principal agente regulador do clima no nosso planeta.

É por isso urgente “criarmos” um oceano sustentável, principalmente a nível económico, um tema que, aliás, será debatido virtualmente entre 1 e 5 de março na “World Ocean Summit Virtual”, um evento organizado pela The Economist e que já conta com mais de 150 “speakers”.

Um encontro virtual que acaba por substituir em termos de importância ao grande debate que teríamos este ano sobre esta temática, a Conferência dos Oceanos em Lisboa, um evento co-organizado por Portugal e o Quénia conjuntamente com as Nações Unidas que foi adiado para 2022 em virtude da actual pandemia de Covid-19 (inicialmente era para ocorrer no ano passado). 

Estamos a viver aquilo que muitos denominam «o momento dos oceanos» e chegou a hora de mudar a forma de interagir com os oceanos. Isso obriga a realizarmos mudanças no nosso estilo de vida, «uma maneira de fornecer os mesmos bens para as pessoas do mundo mas sem custo ambiental», como referiu o cientista-chefe da Administração Oceanográfica e Atmosférica dos Estados Unidos, Craig McLean, aquando da sua passagem por Lisboa no ano passado.

Como foi revelado há cinco anos na 46.ª edição do Fórum Económico Mundial de Davos, na Suíça, se nada acontecer, até 2050 teremos mais detritos plásticos do que peixes nos oceanos. Como afirmou Nelson Mandela, «a educação é a mais poderosa arma que se pode usar para mudar o mundo».

É essa “arma” que deve ser transmitida com urgência, principalmente para os mais jovens, provavelmente a próxima geração que não poderá adiar por mais tempo algumas das questões ambientais fundamentais do momento. Por isso, a importância deste “We Are One Ocean”, da WSL. Mais não temos de fazer do que surfar o maior tempo possível nesta onda…



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