Um estudo realizado pela organização ambiental Pristine Seas e que foi recentemente publicado na revista científica Nature refere que, se houvesse uma real protecção e sustentabilidade rigorosa dos oceanos, a humanidade poderia alcançar, como se diz no “futebolês”, a tríplice coroa, ou seja, conseguiria combater os três principais problemas que hoje vivemos: perda de biodiversidade, mudança climática e escassez de alimentos.
Ilhas Selvagens

Evidentemente que a defesa dos oceanos é um tema que tem sido debatido ao longo dos anos, mas que ganha cada vez mais força um pouco por todo o lado, já que é notório que a “saúde” dos oceanos está a deteriorar-se, principalmente devido às alterações climáticas provocadas pelo homem, que tornaram o oceano mais quente, mais ácido e menos produtivo.

Não podemos ignorar que, apesar de ocupar cerca de 70% da Terra, apenas 7% do oceano está protegido, o que faz com que a grande parte desta imensidão azul seja alvo da cobiça humana. 

O estudo publicado na Nature revela pela primeira vez a quantidade de dióxido de carbono libertado no oceano através da pesca de arrasto de fundo (arrastar pesadas redes ao longo do fundo do oceano), que muitos especialistas consideram ser comparável à destruição de florestas tropicais e é um dos métodos mais destrutivos para o ambiente: no total, a pesca de arrasto de fundo emite todos os anos centenas de milhões de toneladas de dióxido de carbono no oceano, quantidades superiores às emissões anuais de muitos países e semelhante às emissões anuais de dióxido de carbono da aviação mundial.

O que este estudo demonstra é algo que muitos cientistas já defendiam há algum tempo, a importância dos oceanos para resolver os desafios dos nossos tempos, uma conclusão que foi negligenciada por várias décadas por grande parte da própria comunidade científica, mas principalmente pelos governantes.

O caso em concreto da pesca de arrasto de fundo é uma clara demonstração da necessidade de medidas urgentes. É hoje felizmente uma realidade para todos que este método é condenado por grande parte dos países e há inclusive interessantes medidas que procuram limitar a sua prática e expansão, já que ninguém pode ignorar as consequências que a pesca de arrasto provoca nos ecossistemas marinhos: afecta as cadeias alimentares, transforma os fundos oceânicos, altera os habitats, faz com que haja uma menor biodiversidade e muito dos peixes capturados são devolvidos ao mar, mas nem todos sobrevivem ao arrasto. E agora, para acrescentar à “festa”, temos estes dados revelados pela Pristine Seas, da emissão de centenas de milhões de toneladas de dióxido de carbono no oceano todos os anos, um número que não pode ser deixado de lado nas futuras conversações sobre a luta contra as alterações climáticas provocadas pelo homem. 

Para alcançar a desejada tríplice coroa, os cientistas apontam que seria necessário “apenas” uma forte protecção em pelo menos 30% do oceano até 2030, o suficiente para ajudar a resolver as crises climáticas, alimentares e de biodiversidade. Esta seria a parcela mínima de oceano a proteger pelos governantes tendo em vista o bem comum mundial.

Aliás, esta será uma das metas a alcançar na XV Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, agendada para Maio em Kunming, na China, num evento que reunirá representantes de 190 países que pretende colocar um ponto final à crise mundial da biodiversidade. 

O objectivo é precisamente proteger 30% da terra e do oceano do planeta até 2030, a “quantidade mínima” de oceano que o mundo deve proteger tendo em mente os benefícios que pode trazer à humanidade. 

Ao alcançarmos esta meta, mais de 80% das espécies ameaçadas estariam protegidas, por exemplo, mas também aumentaremos a capacidade do oceano de manter as suas potencialidades de sumidouros de carbono, um verdadeiro depósito natural (assim como as florestas e os solos, por exemplo) que absorve e captura o dióxido de carbono da atmosfera, reduzindo deste modo a sua presença no ar. 

A tríplice coroa está portanto nas nossas mãos, agora temos de jogar para sermos campeões.



Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio Ferreira
Só a alma sabe falar com o mar
Fiama Hasse Pais Brandão
Há mar e mar, há ir e voltar ... e é exactamente no voltar que está o génio.
Paráfrase a Alexandre O’Neill