Remoção de destroços de navios

Falámos nas edições anteriores do Jornal nas operações marítimas sobre: salvação, abalroamento, arribadas forçadas e avarias. Faz todo sentido portanto falarmos agora do tema de remoção de destroços de navios.

Como é hábito começaremos por abordar a perspectiva internacional sobre o tema e depois a nacional.

Esta matéria encontra-se regulada internacionalmente pela Convenção Internacional de Nairobi de 2007, que entrou em vigor em 14 de Abril de 2015.

A Convenção começa por dar várias noções no artigo 1°. Vamos apenas indicar as mais relevantes e depois as outras serão definidas à medida que for analisado o texto da Convenção.

A Convenção aplica-se à Zona Económica Exclusiva dos Estados Partes, é esta a sua área de aplicação. Não se aplica portantoa outras áreas como ao mar territorial e zona contígua (se tiver) de cada Estado Parte, nestes aplica-se a lei interna (Artigo 3° n° 1). Contudo se o Estado quiser essa área também seja abrangida pela Convenção (Artigo 3° n° 3).

Para efeitos desta Convenção “Navio” é: “uma embarcação marítima de qualquer tipo, abrangendo embarcações com hidrofólios, veículos que se deslocam sobre colchão de ar, submersíveis, engenhos flutuantes e plataformas flutuantes, excepto se estiverem a ser, usados na exploração, prospecção ou produção de recursos minerais do leito do mar”.

“Acidente Marítimo” é o abalroamento, a colisão, encalhe ou outros incidentes de navegação, ou outra ocorrência a bordo de um navio ou fora dele, de que resultem danos materiais ou uma ameaça iminente de danos materiais a um navio ou à sua carga.

Quanto a designação de “Destroço” na decorrência de acidente marítimo nesta Convenção tem o significado de:

  1. a) Navio afundado ou encalhado; ou
  2. b) Qualquer parte de um navio afundado ou encalhado, inclusive qualquer objecto que esteja ou que tenha estado a bordo naquele navio; ou
  3. c) Qualquer objecto que esteja perdido no mar, proveniente de um navio e que esteja encalhado, afundado ou à deriva no mar;
  4. d) Um navio que esteja prestes a afundar ou encalhar, ou que se possa razoavelmente supor que esteja a afundar ou a encalhar, quando ainda não tiverem sido tomadas medidas efectivas para assistir ao navio ou a qualquer propriedade em perigo.

“Risco” é qualquer situação ou ameaça que represente um perigo ou um empecilho à navegação ou da qual possam resultar consequências graves para o meio ambiente marinho, ou causar danos ao litoral ou a interesses relacionados de um ou mais Estados.

“Remoção” por sua vez significa qualquer forma de prevenção, atenuação ou eliminação do risco criado por um destroço.

O que pode um Estado Parte da Convenção se existirem destroços de navio na área? De acordo com o artigo 2° da Convenção o Estado Parte pode tomar medidas para a remoção de um destroço que represente um risco. Devendo essas medidas ser compatíveis com o risco, ou seja não podem ir além do que seja razoavelmente necessário para remover um destroço que represente um risco, não podendo desnecessariamente interferir com os direitos e interesses de outros Estados, incluindo do Estado de registo de navio, nem de qualquer pessoa, física ou jurídica, interessada.

E se os destrocos estiverem implicarem consequências para outros Estados? O nº 5 do Artigo 2º refere a necessidade nestes casos de cooperação entre Estados Partes quando os efeitos de um acidente marítimo que resulte num destroço envolver um Estado que não seja o Estado Afectado (Estado cuja área da Convenção está localizado o destroço).

Duas chamadas de atenção importantes:

1° Esta Convenção não deverá ser aplicada a medidas tomadas com base na Convenção Internacional relativa à Intervenção em Alto-Mar em Casos de Acidentes com Poluição por Hidrocarbonetos de 1969 actualizada ou no Protocolo relativo à Intervenção em Alto-Mar em caso de Poluição por Outras Substancias de 1973 actualizado. (Artigo 4° n°1). Portanto o que aconteça em Alto Mar e em situações onde se aplique uma das duas referidas Convenção a Convenção de Nairobi não se aplica.

2° A Convenção também não se aplica a navio de guerra ou a qualquer navio propriedade ou operado por um Estado e utilizado, ainda que temporariamente, em serviço não comercial, a menos que o Estado decida o contrário. (Artigo 4° n° 2)

Quem tem a obrigação de remover o destroço que constitua um risco? Essa obrigação pertence ao proprietário registado do navio. Mas tem alguns condicionamentos: tem de ter em conta a legislação nacional do Estado Afectado, caso pretenda contratar um salvador ou outra pessoa para remover o destroço considerado um risco; e o Estado Afectado pode estabelecer condições para a sua remoção para que seja compatível com necessidades de segurança e de protecção do meio ambiente marinho. (Artigo 4° n° 4)

Mas vamos ao início quando acontece um acidente maritimo que resulte num destroço, o Comandante e o operador do navio (proprietário do navio, administrador ou afretador a casco nú) têm a obrigação de informar o mais rapidamente possível o Estado Afectado. Devendo para esse efeito informar o nome do proprietário do navio e todas as informações que permitam aferir se o destroço constitui um risco incluindo: a localização precisa deste; o tipo, tamanho e construção; a natureza dos danos sofridos e as suas condições; a natureza e a quantidade de carga, em especial de quaisquer substâncias perigosas e nocivas; e a quantidade e os tipos e dos óleos, inclusive o do óleo combustível para consumo do navio e dos óleos lubrificantes, existentes a bordo. (Artigo 5°)

Temos estado a falar de destroço quando é um risco, já definimos o que é risco e destroço nos termos da Convenção mas não falámos nos critérios para definir quando um destroço é um risco. São os seguintes:

1) O tipo, tamanho e construção do destroço;

2) Profundidade da água no local;

3) Amplitude da maré e correntes no local;

4) Áreas marítimas particularmente sensíveis identificadas e, quando for possível, designadas de acordo com as directrizes adoptadas pela IMO (International Maritime Organization), ou uma área claramente definida como zona económica exclusiva onde tenham sido adoptadas medidas obrigatórias especiais de acordo com o artigo 211°, parágrafo 6 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1983;

5) Proximidade de rotas de navegação ou de linhas de tráfego estabelecidas;

6) Densidade e frequência do tráfego;

7) Tipo de tráfego;

8) Natureza e quantidade da carga do destroço, a quantidade e o tipo de óleos (como óleo combustível para consumo do navio e óleo lubrificante) existentes a bordo do destroço e, em especial, os danos que podem resultar se a carga ou o óleo forem libertados para o meio ambiente marinho;

9) Vulnerabilidade das instalações portuárias;

10) Condições meteorológicas e hidrográficas predominantes;

11) Topografia submarina da área;

12) Altura do destroço acima ou abaixo da superfície da água na baixa-mar;

13) Perfis acústicos e magnéticos do destroço;

14) Proximidade de instalações “offshore”, de oleodutos, de cabos de telecomunicações e de estruturas semelhantes; e

15) Quaisquer outras circunstâncias que possam tornar necessária a remoção do destroço.

O Estado Afectado após tomar conhecimento de um destroço deverá utilizar todos os meios apropriados, incluindo os bons ofícios de Estados e de organizações, para avisar os navegantes e os Estados envolvidos, com urgência, da natureza e a localização do destroço. (Artigo 7° n° 1)

Se o Estado Afectado tiver razões que levem a acreditar que um destroço representa um risco, deverá assegurar-se de que são tomadas todas as medidas necessárias para definir a localização precisa do destroço. (Artigo 7° n° 2)

Se um destroço constituir um risco o Estado Afectado deverá tomar as medidas necessárias para sinalizar o destroço, devendo esta estar de acordo com o sistema internacional de balizamento em uso na área em que está localizado o destroço e terá de divulgar todas as características de sinalização do destroço através de meios adequados, incluindo publicações náuticas. (Artigo 8°).

Para facilitar a remoção dos destroços devem ser tomadas as seguintes medidas: (Artigo 9°)

1- Informar o Estado de registo do navio e o proprietário registado.

2- Consultar o Estado de registo do navio e outros Estados Afectados pelo destroço sobre as medidas a tomar em relação ao destroço.

3- O proprietário registado deverá retirar o destroço considerado como um risco.

4- Quando o destroço for considerado um risco o proprietário registado ou uma outra parte interessada, deverá fornecer à autoridade competente do Estado Afectado as provas de seguro ou de garantia financeira exigida no artigo 12°.

5- O proprietário registado pode contratar qualquer salvador, ou outra pessoa, para remover, em nome do proprietário, o destroço considerado um risco.

6- Antes do início dessa remoção o Estado Afectado pode estabelecer condições para a remoção, que apenas sejam tomadas as medidas necessárias para assegurar que a remoção é feita respeitando as regras de segurança e protecção do meio marinho.

7- Quando a remoção tiver sido iniciada o Estado Afectado só pode intervir na remoção na medida em que for necessário para assegurar que seja feita de acordo com as regras de segurança e protecção do meio ambiente marinho.

8- O Estado Afectado deverá ainda:

  1. a) Estabelecer um prazo razoável durante o qual o proprietário registado deverá remover o destroço, tendo em conta a natureza do risco de acordo com o artigo 6°.
  2. b) Informar por escrito ao proprietário registado o prazo que estabeleceu e especificar que se o proprietário registado não remover o destroço dentro daquele prazo, ele poderá remover o destroço à custa do proprietário registado; e
  3. c) Informar, por escrito, ao proprietário registado, que pretende intervir imediatamente nas circunstâncias em que o risco se tornar particularmente grave.

9- Se o proprietário registado não remover o destroço dentro do prazo estabelecido de acordo com o n° 8 ou se o proprietário não poder ser contactado, o Estado Afectado poderá remover o destroço pelo meio mais rápido e prático e que seja compatível com as regras de segurança e protecção do meio ambiente marinho.

10- Caso seja necessário uma acção imediata e o Estado Afectado tiver informado o Estado de registo do navio poderá remover o destroço pelo meio mais adequado e rápido disponível, dentro dos parâmetros de segurança e protecção do meio ambiente marinho.

11- Os Estados Partes deverão tomar as medidas apropriadas com base na sua legislação nacional para assegurar que os seus proprietários registados cumpram o disposto nos números 3 e 4.

12- Os Estados Partes deverão dar o seu consentimento ao Estado Afectado para este poder agir de acordo com o disposto no n° 5 a 10, quando for necessário.

13- As informações supra mencionadas deverão ser fornecidas pelo Estado Afectado ao proprietário registado, identificado no Artigo 5° parágrafo 2.

Passamos agora para uma matéria muito importante em termos juridicos que é a responsabilidade do proprietário do navio (Artigo 10°):

Ele é responsável pelos custos de localização, sinalização e remoção dos destroços de acordo com os artigos 7° 8°e 9°, a menos que prove que o acidente marítimo que provocou o destroço:

  1. A) Tenha resultado de um acto de guerra, de hostilidades, de guerra civil, de insurreição ou de um fenómeno natural de natureza excepcional, inevitável e irresistível;
  2. B) Tenha sido causado por um acto ou por uma omissão de terceira parte, com intenção de causar danos; ou
  3. C) Tenha sido causado por negligência ou por um acto errado de qualquer Governo ou de outra autoridade responsável pela manutenção de luzes ou de outros auxílios à navegação, no exercício daquela função.

Contudo, esta Convenção não afecta o direito do proprietário registado de limitar a sua responsabilidade com base no regime nacional ou internacional aplicável (Convenção sobre Limitação de Responsabilidade por Reclamações Marítimas de 1976 actualizada). (Artigo 10° n° 2). Isto significa que o proprietário pode ter uma responsabilidade mais limitada do que a prevista nesta Convenção.

A reclamação relativo aos custos de localização, sinalização e remoção dos destroços ao proprietário registado tem de ser feita de acordo com a Convenção.

Sem prejuízo dos direitos e obrigações de um Estado Parte que tenha feito uma notificação com base no Artigo 3°, parágrafo 3 para tomar medidas em relação aos destroços localizados no seu território, incluindo mar territorial, de localizar, sinalizar e remover o destroço.

Não prejudica o direito de recurso contra terceiros. (Artigo 10° n° 4)

E seguro é necessário? O artigo 12° da Convenção exige que o proprietário registado de um navio com uma arqueação bruta de 300 ou mais e que árvore a bandeira de um Estado Parte tenha de ter seguro ou uma garantia financeira, de um Banco ou de uma instituição similar, para cobrir a sua responsabilidade determinada nos termos da Convenção, num valor igual aos limites da responsabilidade determinados com base no regime de limitação nacional ou internacional aplicável. Valor esse que não pode ser superior a valor calculado de acordo com o Artigo 6° n° 1 b) da Convenção sobre Limitação de Responsabilidade por Reclamações Marítimas de 1976 actualizado.

É necessário também um certificado atestando que o seguro ou garantia financeira está em vigor, de acordo com a Convenção. Este certificado deve ser emitido para todo o navio com arqueação bruta de 300 ou mais, pela Autoridade competente do Estado de registo do navio, após concluir que as exigências do n° 1 foram atendidas.

Quanto a navios registados num Estado Parte o certificado deverá ser emitido ou certificado pela autoridade competente do Estado de registo do navio. Quanto a navios não registados num Estado Parte o certificado pode ser emitido ou abonado pela autoridade competente de qualquer Estado Parte.

O certificado é emitido no formato modelo que consta na Convenção contendo as informações nela exigidas. (N° 2 do Artigo 12°) e tem de ser levado a bordo do navio (n° 5 do Artigo 11°).

Existem prazos para exercer os direitos de reaver custos com base nesta Convenção, a acção tem de ser proposta no prazo de três anos a partir da data em que o destroço foi determinado nos termos estabelecidos na Convenção. A acção nunca pode no entanto ser iniciada após 6 anos a partir da data do acidente marítimo que resultou no destroço. Se o acidente marítimo decorrer de uma série de ocorrências, o período de 6 anos deverá ser contado a partir da data da primeira ocorrência. (Artigo 13°)

A Convenção também prevê situações de controvérsia entre dois ou mais Estados Partes em relação à interpretação ou aplicação da Convenção. Neste caso deverão resolver o conflito em primeira instância através de negociação, pedidos de informação, mediação, conciliação, arbitragem, acordo judicial, recurso a organizações regionais, acordos ou outros meios pacíficos disponíveis. (Artigo 15 n° 1).

Caso não seja possível encontrar uma solução num período razoável não superior a 12 meses após um Estado Parte ter notificado outro de que existia uma controvérsia entre eles, as disposições relativas à solução de controvérsias da Parte XV da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982 aplicam-se quer os Estados sejam parte dessa Convenção ou não. (Artigo 15° n° 2).

Esta Convenção não prejudica os direitos e obrigações de um Estado com base na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982 e no direito do mar internacional costumeiro. (Artigo 16°). Isto significa que nestas matérias subrepoe-se o que já estiver definido na Convenção de Direito Mar e no direito consuetudinário marítimo.

Vamos supor a seguinte situação:

O navio X do Estado de Bandeira A tem um acidente marítimo na ZEE do Estado B causando um destroço.

O Estado B após as informações necessárias obtidas do proprietário do navio, do local e condicionamentoa conclui que o destroço constitui um risco nesse sentido notifica o proprietário do navio para este remover o destroço o mais urgente possível por forma a evitar um desastre natural. Contudo o proprietário do navio X nada faz no prazo que lhe foi concedido e o Estado B vê-se forçado portanto a remover o destroço.

Com o objectivo de reaver os custos de localizar sinalizar e remover o destroço o Estado Afectado B acciona o seguro do navio e o proprietário do navio no prazo de um ano.

Contudo verifica que o proprietário do navio limitou a sua responsabilidade nos termos da legislação do seu país pelo que apenas poderá recuperar parte do valor despendido.

Assim terminamos a análise do regime internacional na próxima edição do Jornal vamos falar do regime nacional.



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