Há vários anos que Portugal trabalha nas áreas das energias renováveis, com destaque nas marinhas, liderando mesmo em diversos projectos mas até que ponto estes são viáveis e qual o seu potencial comercial, são as questões que agora se colocam.

Dos vários projectos de energias renováveis marinhas os mais viáveis, para André Pacheco, investigador na UALG, são os relacionados com a energia eólica offshore, quer em produção de energia, quer em termos de actividade comercial. A razão, explica o investigador, é simples: a tecnologia importa conhecimento directo da energia eólica terreste, que já tem 15 a 20 anos de maturidade. Ou seja, requer menos investimento no conceito de aproveitamento. Isto apesar de, alerta, se colocarem diversos desafios em instalação e manutenção.

Para se ter uma ideia, estudos levados a cabo pelo WavEC indicam que o potencial da energia eólica offshore é de 3500 MW para profundidades entre os 40 e os 200 metros, sendo que o potencial associado à energia das ondas (outra possibilidade) é de cerca de 30 MW por quilómetro (potência média anual por frente de onda).

Apesar da disparidade dos números, André Pacheco acredita que a energia das marés e os dispositivos de aproveitamento da ondulação oceânica podem não só ter um papel importante no abastecimento mundial de energia, mas também na descarborização das economias.

Sobre o papel de Portugal nesta matéria, o especialista é peremptório: as oportunidades que Portugal pode oferecer vão muito mais longe do que o potencial directo da exploração.

«Portugal pode exportar conhecimento, serviços, criar condições de teste para a indústria, reabilitar os estaleiros, criar universidades e pólos de investigação que tenham laboratórios e modelos físicos e que potenciem o vasto conhecimento que o País tem.»

 

Portugal como fornecedor da UE

A União Europeia estabeleceu como objectivo relativo à sua política energética que, até 2020, 20% da energia consumida no território seja proveniente de fontes de energias renováveis. Portugal, que foi um dos pioneiros em diversas tecnologias relacionadas com o tema, foi “deixado para trás”, fruto do desinvestimento e desinteresse. Falta apoio político que incentive as grandes entidades internacionais a investirem em projectos nacionais.

Portugal foi pioneiro na investigação das energias offshore, estando presente em vários projectos relacionados com as energias das ondas, com destaque para o DWS (tecnologia holandesa) e Telamis (origem escocesa). Infelizmente, como refere Tiago Morais, do INEGI, não tiveram sucesso porque não avançaram, a nível nacional, para uma fase comercial. Ficaram-se pela fase de demonstração.

O maior bloqueio deste tipo de projectos reside no financiamento, ou na falta dele. E isto faz com que Portugal perca projectos. As empresas detentoras da tecnologia (este tipo de investigação recorre sempre a um consórcio com várias entidades) deslocaram-se para outros países para continuar o desenvolvimento. Ou seja, quando inicialmente Portugal dava cartas e fazia parte das equipas pioneiras nos projectos de investigação, o desinvestimento do sector tem levado a que percamos essas iniciativas para outros “concorrentes”.

O grande problema, para André Pacheco, foi que Portugal criou diversas iniciativas, mas sem uma aposta sólida. «Houve alguma publicidade negativa associada ao Pelamis, ou mesmo a projectos que não avançaram, como a estação de ondas nos molhes do Douro», mas o maior problema foi o facto de «se querer começar a casa pelo telhado», referiu, explicando que nenhuma área pode ter avanços significativos sem uma aposta forte em investigação. «Temos várias vantagens competitivas comparativamente a outros países, mas não fomos capazes de criar uma base sólida para realizarmos esse potencial, quer ao nível da investigação académica, quer ao nível de potenciar empresas de base tecnológica.»

 

Wave Roller é o projecto com maior potencial comercial

Mas nem tudo é mau. Ainda há áreas onde Portugal está “na crista da onda”, aponta Tiago Morais, referindo-se especificamente às tecnologias eólica offshore. Mas não é a única. Há também a energia das ondas. Em relação a esta está a decorrer, em Peniche, a demonstração “Wave Roller». A primeira unidade de produção de energia, segundo anunciado, em Junho deste ano, pela finlandesa AW Energy, deverá começar a ser construída no próximo ano. Com um investimento que pode chegar aos 25 milhões de euros, a empresa acredita que em 2017 conseguirá começar a exploração comercial das 16 unidades que tenciona construir. A previsão é de que estas unidades produzam 11,4 gigawatts/hora por ano, energia suficiente para abastecer 5500 habitações. Na altura o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, afirmou que Portugal iria ter acesso a 130 milhões de euros, no âmbito dos novos fundos comunitários para estudar e testar novas tecnologias destinadas à produção de novas energias renováveis.

Outro projecto interessante, igualmente na área da energia eólica marítima, é o WindFloat, conduzido pela EDP Inovação em parceria com a EDPR. A iniciativa implicou a concepção e construção de um protótipo, instalado junto à praia da Aguçadoura, de uma turbina eólica de 2 MW. Ligado à rede eléctrica desde Dezembro de 2011, trata-se do primeiro projecto de instalação de turbinas eólicas offshore em todo o mundo, que não implicou a utilização de pesados sistemas de construção e montagem no mar.

Este projecto é, para Tiago Morais, um caso claro de sucesso. Já passou por diversas fases, “inclusive de grande agitação marítima” e espera-se que venha a resultar em várias instalações. «Neste momento é o projecto com maior viabilidade comercial, dado que a tecnologia está num grau de maturidade acima de outras iniciativas semelhantes.» O que faz com que o especialista acredite que se caminhe para a comercialização em larga escala.

Os resultados obtidos pelo WindFloat permitiram que o grupo liderado pela EDP decidisse ser mais ambicioso. No final de Outubro foi anunciado um financiamento comunitário, no valor de 19 milhões de euros, utilizado no desenvolvimento de um novo projecto de energia eólica offshore. Localizado ao largo da Póvoa de Varzim, terá como objectivo testar uma tecnologia de suporte para torres eólicas. O objectivo é o de reduzir os custos inerentes à construção de parques eólicos no mar.

Com o nome de Demogravi3, o projecto implicará um investimento de 27 milhões de euros, com o grosso do valor (19 milhões) a ser assegurado pelo programa Horizonte 2020. Do grupo fazem parte, além da EDP, a A. Silva Matos, a Wavec Offshore Renewables (de Portugal), a Acciona e entidades da Alemanha, Irlanda e Noruega.

 

Falta vontade política

Apesar de a investigação portuguesa em termos das energias renováveis ser muito activa e de estar presente em diversos projectos internacionais, o País não tem o destaque que poderia ter. Essa é a opinião de Tiago Morais, que refere que os outros países conseguem mais facilmente captar investimento, fruto do apoio governamental. Quando um governo apadrinha este tipo de projectos e cria fontes de investimento, estas depois sustentam-nos ao longo dos anos. Isto leva a que quem está a pensar investir na tecnologia opte por países como o Reino Unido, que oferece um conjunto de condições técnicas e de acessibilidades económicas mais vantajosas.

Uma das “falhas” apontadas por Tiago Morais é a falta de comunicação dos projectos, da criação de sistemas de incentivos específicos para ajudar o desenvolvimento do sector. «O que, de certa forma, limita o crescimento do mesmo», constata Tiago Morais.

De uma forma simplista Portugal tem a parte do conhecimento, tem investigadores, tem matéria-prima (a linha costeira e o mar). Falta apenas o investimento e o apoio político. E isso é visível inclusive nas revisões dos objectivos energéticos, com os valores definidos a descerem de revisão para revisão.

Apesar deste cenário menos optimista, André Pacheco afirma que, para a energia marinha se impor no mercado, tem de encontrar tecnologias que sejam de fácil instalação e manutenção. Ou seja, terá de haver uma grande aposta na criação de soluções mais económicas e com recurso a novos materiais. Mas só isso não basta. «A chave para o abastecimento energético do futuro é a diversidade energética», refere, acrescentando que é igualmente necessário ter melhores soluções na versatilidade das redes de armazenagem, abastecimento e distribuição, de forma a poder congregar o fornecimento energético de todas estas fontes de produção.

 

 

Energias Renováveis Marítimas disponíveis

 

Parques eólicos marítimos

São centrais instaladas nos mares e oceanos, movidas a vento, que produzem electricidade. O vento é mais intenso no mar do que em terra, o que permite produzir maiores quantidades de electricidade. Os parques eólicos estão numa fase inicial de comercialização. De acordo com os resultados do estudo, os custos com estes parques deverão, a médio prazo, diminuir e ser inferiores aos custos com os parques eólicos terrestres.

 

Energia das ondas oceânicas

Consiste no transporte da energia contida na superfície das ondas oceânicas e na sua captura para produção de electricidade. As centrais extraem a energia directamente da superfície das ondas oceânicas ou das flutuações de pressão abaixo da superfície. O seu potencial tem sido equiparado às necessidades de consumo energético de todo o mundo, apesar das questões ambientais levantadas a respeito dos seus efeitos nos mares e oceanos.

 



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