Baixar custos para obter energia mais barata é um dos principais desafios das energias renováveis marinhas. Principalmente da eólica offshore, a tecnologia que está mais madura e perto da comercialização. Mas há que ter atenção e não abrandar a investigação.

As energias renováveis marinhas começaram a desenvolver-se com algum tempo de atraso (fase às restantes energias renováveis). E esta décalage pode colocar em causa toda a investigação e desenvolvimento. Porquê? Porque, entretanto, tecnologias como a fotovoltaica já conseguem produzir energia a preços muito acessíveis. Os últimos números indicam o valor de 60 a 80 euros por MW/hora, quando os valores da energia eólica offshore (a mais madura das energias renováveis marinhas) são muito superiores a isso. E ainda vai demorar algum tempo para conseguir baixar esses números.

Esta é uma das conclusões de António Sarmento, presidente da WavEC, associação privada sem fins lucrativos, criada em 2003, com o objectivo de disseminar e promover oportunidades associadas ao desenvolvimento precoce da energia renovável marinha no País, quer junto de empresas, administração pública e público em geral, mas também junto dos jovens.

«A eólica offshore fixa é uma indústria madura, apesar de ainda não completamente competitiva em termos económicos», afirma António Sarmento, referindo que os riscos de investir nesses projectos já são conhecidos, quer em termos de tecnologia como empresariais. «Sabe-se quanto custa e quanta energia vai produzir», acrescenta. O próximo passo é o de conseguir baixar os custos da produção de energia. E isso pode e deve ser conseguido através da conjunção de vários esforços. Um deles, que já está a ser feito, é o de construir (e utilizar) turbinas cada vez maiores. Já do lado da manutenção (há que encontrar sistemas mais fiáveis e processos mais baratos).

Já em relação à eólica offshore flutuante, a tecnologia está mais atrasada. É certo que os projectos em curso beneficiam da experiência adquirida na eólica onshore e da eólica offshore fixa, mas há ainda que 1) definir qual o tipo de plataforma flutuante a utilizar, e reduzir os custos da mesma. Sem esquecer as questões que ainda não estão definidas, como é o caso do tempo de vida dos sistemas. Para se ter uma noção, em termos de manutenção, e ao contrário da energia eólica em terra, em que a qualquer momento do dia é possível reparar qualquer problema que surja, no mar a questão é mais complicada. Por um lado, as operações só podem ser feitas durante o dia, é preciso arranjar transporte e, por fim, as condições atmosféricas têm de permitir a viagem. Sem nevoeiro, ondas demasiado elevadas, boa visibilidade…

Apesar de existirem desafios, a eólica offshore flutuante é a tecnologia (das que estão em fase de estudo), que se encontra mais avançada, estando quase em pré-comercial. As outras duas possibilidades ainda terão de percorrer algum caminho, nomeadamente na prova do conceito. É o caso da energia das correntes marítimas e da energia das ondas. Quanto à primeira estão agora a ser desenvolvidos os primeiros parques, ou seja, o conceito foi provado e agora há que testar “a realidade”.

 

O papel da Comissão Europeia e a prestação de Portugal

A Europa criou uma estratégia específica de apoio às energias renováveis (marinhas incluídas). E os motivos não foram apenas monetários, embora estes sejam importantes. O principal motivo é apenas um: assegurar, a longo prazo, a auto-sustentabilidade (em termos de abastecimento de energia). O que irá significar não só energia mais barata, mas também que a Europa deixa de estar vulnerável (ou, se preferirem, condicionada) a factores externos. Veja-se o caso da Crimeia. Basta haver um problema geopolítico e o abastecimento de energia, ou pelo menos o seu preço, é imediatamente afectado. Por outro lado, a longo prazo (quatro a seis décadas), há que contar com as dificuldades energéticas, derivadas da falta de recursos energéticos. Ao ser auto-sustentável, por via das energias renováveis, a Europa evita estes potenciais problemas.

A estratégia definida pela Comissão Europeia é importante, segundo António Sarmento, porque representa uma visão a longo prazo (até 2050). Algo que investimentos deste calibre necessitam.

E Portugal? Portugal foi dos primeiros países a avançar nesta matéria, principalmente nas energias renováveis marinhas. Um exemplo claro foi o anúncio da primeira zona de teste que, refere António Sarmento, ainda está à espera de ser concretizada.

Este adiamento causa algum desconforto por parte dos investidores. O que pode condicionar, ou mesmo afastar, alguns projectos. A percepção é a de que houve um desinteresse e que Portugal perdeu terreno. A prova é que têm surgido inúmeros projectos, fruto do apoio de países como o Reino Unido.

Quanto aos projectos que, entretanto, ficaram “por terra”, António Sarmento acredita que o que aconteceu foi o esgotamento da capacidade financeira de quem investia. Isto porque as tecnologias não mostraram ser tecnicamente fiáveis/rentáveis no prazo estabelecido. Mas nem tudo se perdeu. «Agora estão a ser lançadas novas tecnologias que têm por base conhecimentos adquiridos nesses projectos”, refere o presidente da WavEC.

 

Os pontos fortes (e fracos) de Portugal

Numa altura em que há diversos projectos a testar várias tecnologias, um pouco por todo o mundo (ou pelo menos em vários locais do globo), há que aproveitar as características diferenciadoras de Portugal. Sendo que uma delas, para António Sarmento, e talvez a principal, resida na infra-estrutura da linha de electricidade, que está espalhada por toda a costa portuguesa. Isto faz com que seja mais fácil (e barato) assegurar as ligações entre os projectos offshore e a entrada da energia na rede de electricidade. A isto acrescenta-se uma capacidade de energia eólica média, o que significa, por um lado, que ainda há espaço para crescer, mas igualmente que as energias renováveis marinhas têm algum espaço de manobra para amadurecerem a sua tecnologia e conseguirem baixar os custos de produção. A importância disto é simples. Se houver tecnologias que garantam a electricidade a custos muito inferiores, a apetência para investir em formas de energia alternativa diminui significativamente.

Mas Portugal tem mais pontos a seu favor. No caso específico das energias renováveis marinhas, o facto de ter muitos fundos arenosos é uma vantagem, dado que é bom para os sistemas de amarração e cabos eléctricos. A isto acrescenta-se um clima relativamente benigno (permite um maior acesso às plataformas flutuantes da energia eólica offshore, por exemplo); uma boa aceitação por parte da opinião pública face às formas de energia renovável; uma percepção favorável por parte das autoridades/entidades; e ainda a capacidade técnico-científica.

Mas também há pontos menos positivos que podem condicionar o investimento em território nacional, nomeadamente as infra-estruturas de apoio marítimo. A escassez dos meios significa que muitas vezes as empresas têm de recorrer a recursos oriundos do Mar do Norte. A isto junta-se alguma instabilidade dos apoios a estas formas de tecnologia. Uma forma simpática de referir o constante avanço e recuo na aposta do País às energias renováveis.

A isto acresce-se algo extremamente importante para quem quer investir nas energias renováveis marinhas, nomeadamente nas eólicas offshore: o acesso a dados do mar. Mais precisamente à dificuldade de obter dados sobre os recursos marinhos, por exemplo. E, por fim, a inexistência de um programa específico de financiamento a estas novas formas de energia. Situação que não só retira visibilidade aos projectos, como faz com que o País tenha dificuldade em atrair interesse e, mais importante, investimento estrangeiro.

E é neste clima de alguma incerteza, em que os projectos que têm surgido são apoiados por entidades privadas, tipicamente mais adeptas de visões a curto prazo, que convém, segundo António Sarmento, enaltecer a aposta da EDP no projecto Windfloat. Um projecto que investe na eólica offshore flutuante e que conta, brevemente, entrar na fase de pré-comercialização.

Projectos da WavEC actualmente em curso

 

ATLANTIC PC

O projecto “Atlantic Power Cluster” baseia-se no grupo de trabalho de energia marinha criado na CRPM (Comissão Arco Atlântico) e destina-se a aplicar uma estratégia transnacional de energias marinhas, para que assim as regiões parceiras possam encontrar complementaridades para enfrentar os desafios cruciais no desenvolvimento das energias marinhas no Espaço Atlântico.

 

CENTRAL ONDAS DO PICO

A Central CAO do Pico foi construída como a Central Piloto Europeia de Energia das Ondas, co-financiada pela CE, com o objectivo de demonstrar a viabilidade técnica da energia das ondas numa pequena ilha, ligada à rede eléctrica. Desde 2004, a central é operada pelo WavEC. Para além disso, é a única infra-estrutura aberta à formação, I&D, inovação e demonstração.

 

DEMOWFLOAT

O objectivo do projecto Demowfloat é demonstrar o desempenho, a longo prazo, do Windfloat, nomeadamente a sua operacionalidade, manutenção, fiabilidade, acessibilidade à plataforma, viabilidade de integração na rede numa base modular, entre vários outros aspectos, com impacto na disponibilidade do sistema e, portanto, no custo da energia produzida.

 

DTOcean 

O projecto DTOcean visa fornecer ferramentas de desenho para os primeiros parques pré-comerciais de ondas e correntes das marés para dar apoio aos desenvolvedores dos projectos, acelerar o desenvolvimento industrial e do conhecimento destas tecnologias.

 

FW Turbine

O objectivo do projecto é investigar a operacionalidade de turbinas eólicas flutuantes (TEF) em vento e ondas e os esforços extremos induzidos na amarração e estrutura. Vão ser desenvolvidas ferramentas numéricas para calcular as respostas relacionadas. A tecnologia das turbinas eólicas (TE) em mar, fixas no fundo, já é fiável, no entanto os locais disponíveis são limitados, logo a tecnologia vai migrar para águas profundas. A mais de 50 m de profundidade, a melhor solução é utilizar um flutuador como estrutura de suporte para a TE. Este conceito está a dar os primeiros passos.

 

HIWAVE

O projecto HiWave “High Efficiency Wave Power” concentra-se no desenvolvimento de uma tecnologia de energia das ondas pela empresa sueca Corpower.
O projecto tem como objectivo demonstrar a funcionalidade e o desempenho da tecnologia e inclui testes no mar à escala 1:2 numa zona protegida e à escala 1:1 numa zona mais exposta.

 

KIC-OTS

O Offshore Test Station (KIC-OTS) é um projecto tecnológico focado nas necessidades do mercado, que foi criado no âmbito da KIC-Innoenergy, uma empresa financiada pelo European Institute of Technology da Comissão Europeia. O objectivo do OTS é desenvolver um conjunto de projectos e serviços direccionados às necessidades actuais e futuras dos parques de energias renováveis offshore.

 

MARINET

O objectivo deste projecto é o de coordenar a investigação e desenvolvimento em todas as escalas (desde modelos pequenos a protótipos, de testes de laboratório até ensaios em alto mar) e permitir o acesso de investigadores e promotores a este tipo de instalações na Europa.

 

OCEANET

O projecto OceaNET está relacionado com a energia eólica offshore flutuante e a energia das ondas. O projecto visa contribuir para o desenvolvimento de tecnologias específicas e de tecnologias de base comuns a ambas as fontes de energia. As actividades de investigação estão estruturadas numa série de projectos de investigação, que irão permitir que um conjunto de jovens investigadores tenham formação nos melhores institutos de investigação e desenvolvimento, em universidades ou em empresas, na Europa. Esta formação prática será complementada com uma série de cursos de curta duração em tecnologias de base, relevantes para o desenvolvimento de parques, e em questões económicas, ambientais e sociais associadas, necessárias para a sua futura integração no mercado.

 

POLYWEC

Este projecto apresenta um novo tipo de dispositivos da energia das ondas, baseado em materiais poliméricos (PolyWECs), caracterizados pela aplicação de transdutores elastómeros electro-activos.

 

RICORE
O objectivo do projecto RiCORE é estabelecer uma abordagem baseada na avaliação de riscos ambientais de determinada tecnologia, garantindo um nível de exigência para os estudos ambientais baseado na sensibilidade do local, no perfil de risco da tecnologia e na escala do projecto a instalar. O RiCORE vai estudar o quadro legislativo em vigor em vários Estados-membros da União Europeia, de modo a garantir que a estrutura desenvolvida possa ser aplicável em todos eles.

 

SI OCEAN

Os objectivos deste projecto são envolver um grande número de stakeholders europeus para identificar soluções práticas para remover uma série de barreiras à instalação de dispositivos de energia das ondas e das marés em grande escala, e apresentar uma estratégia comum para garantir a máxima potência instalada de energia das ondas e marés em 2020.

 

TROPOS

O objectivo central do projecto Tropos é desenvolver um sistema modular de plataforma flutuante multiuso para instalação em locais de águas profundas, com um foco geográfico inicial nas regiões mediterrânica, tropical e subtropical.

 

WETFEET

WetFeet tem como objectivo global compreender e procurar soluções para os constrangimentos da tecnologia de energia das ondas. Em particular, o projecto procura identificar as razões que têm vindo a atrasar o progresso do sector e propor soluções viáveis para melhorar o desempenho geral de novas tecnologias. Serão abordadas questões, como a fiabilidade dos componentes tecnológicos, a capacidade de sobrevivência dos dispositivos, os custos elevados de desenvolvimento, o moroso processo para a comercialização, bem como a escalabilidade industrial das tecnologias testadas.

 



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