Muito merecida distinção, muito merecido reconhecimento, sem sombra de dúvida.
Desde que acompanhou Freitas do Amaral na sua ida para a ONU, entre 1995 e 1996, e alguém que não recordamos exactamente quem _ eventualmente um embaixador britânico _ lhe fez ver a importância e a singularidade do Mar para Portugal, transformando-se essa conversa numa espécie de momento da «estrada de Damasco marítima», como o próprio revelou numa entrevista concedida há anos ao semanário «Expresso», Tiago Pitta e Cunha nunca mais deixou de pugnar pelos Assuntos do Mar, com uma persistência e determinação realmente notáveis.
Coordenador, depois da «Expo98» dedicada aos Oceanos, do magnífico estudo realizado pela Comissão Estratégica dos Oceanos, «O Oceano: Um Desígnio Nacional para o Séc. XXI», primeiro passo numa louvável tentativa de dar maior consciência a Portugal da sua condição de eminente Nação Marítima, a sua notoriedade pública não podia de crescer, como não deixou.
Infelizmente, o estudo, realizado ainda no tempo do Governo de Durão Barroso, não só não teve a divulgação que se impunha como ficou mesmo como uma espécie de publicação «clandestina», difícil de encontrar e obter, como seguindo Tiago Pitta e Cunha, Durão Barroso para a Comissão Europeia, onde viria a impulsionar a famosa Política Marítima Integrada da União Europeia, acabou por não obter toda a repercussão que justificava.
Não deixaria, todavia, de inspirar outras iniciativas não menos decisivas como seja, por exemplo, o estudo «O Hypercluster do Mar», coordenado por Ernâni Lopes que vindo a ser publicado em 2009, num momento já particularmente crítico para Portugal, de um ponto de vista político e financeiro, talvez por isso mesmo, alcançou um acolhimento muito para além de tudo quanto seria de esperar.
Visto à «posteriori» talvez não seja muito surpreendente tal êxito uma vez que, dadas as circunstâncias então vividas, o Mar surgia como uma possibilidade real de uma outra via para ultrapassarmos algumas das limitações em que a economia Portuguesa se enredara, sobretudo depois da adesão ao Euro, todos se agarrando, se assim se pode dizer, a essa esperança.
Para além disso, 2009, importa não o esquecer, foi igualmente o momento da entrega da Proposta de Extensão da Plataforma Continental à Comissão de Limites da Plataforma Continental nas Nações Unidas, um projecto iniciado formalmente em 2005, chefiado por Manuel Pinto de Abreu, e que se constituiu, e constitui ainda hoje, como um dos mais decisivos projectos para Portugal em muitas décadas, bem como, não menos significativo e importante, terá sido igualmente a criação na Associação Comercial de Lisboa, patrocinadora do estudo «O Hypercluster do Mar», do Fórum Empresarial da Economia do Mar, entretanto, infelizmente também desaparecido, para que o Mar e a sua importância para Portugal tivessem um reconhecimento como há muito não tinham.
Fosse como fosse ou porque fosse, entre essa data e a formação do chamado Governo Passos Coelho, Portugal voltava também a olhar o Mar como há muito não olhava, assumindo então Manuel Pinto de Abreu a pasta de Secretário de Estado dos Assuntos do Mar, dando nota da importância que lhe era atribuída, num Ministério liderado então por Assunção Cristas e que, numa primeira fase, talvez tivesse sofrido de demasiada extensão, englobando desde a Agricultura até ao Ordenamento do Território, dificultando assim, eventualmente, a plena realização de todos os projectos que se imaginavam inicialmente possíveis.
Não é, todavia, quanto agora importa considerar porquanto de quem estamos falar, e merece que estejamos a falar, é de Tiago Pitta e Cunha, Prémio Pessoa 2021 e igualmente autor do importante e significativa obra, «Portugal e o Mar – À Redescoberta da Geografia», publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e que teve uma surpreendente apresentação no Oceanário de Lisboa pelo então Presidente da própria Fundação, António Barreto, a par de Pedro Norton, neste caso, num tom mais pessoal e em nome de uma longa e comovente amizade de muitos anos, como sublinhado pelo próprio.
Obra importante e significativa por três principais ordens de razão.
Antes de mais, destaca-se, naturalmente, a perfeita síntese, por um lado, das razões ideológicas que nos conduziram a afastarmo-nos do Mar a partir de 1974, uma vez ter-se identificado, primeiro, o Mar com o Império e, logo depois, pretendendo regressar à Europa e juntarmos à CEE (Comunidade Económica Europeia), entendermos não só ser dispensável o Mar como até dele nos esquecermos, bem como, por outro, uma bem detalhada enumeração de todas as consequentes repercussões de uma tal atitude.
Em segundo lugar, e não menos importante, Tiago Pitta e Cunha oferece igualmente um panorama das potencialidades económicas oferecidas pelo Mar nos seus mais variados domínios, o que deixa de ser, ainda hoje, inclusivamente, uma grande novidade para muitos.
Finalmente, a importância de «Portugal e o Mar – À Redescoberta da Geografia» revela-se ainda no facto, não intencional, por certo, mas inevitável, de ser igualmente um exacto espelho da confusão e erros em que continuamos a cair quando não se compreende o que sermos a Nação Marítima que eminentemente somos e somos para ser, verdadeiramente significa e implica, como o correlato Pensamento Atlântico que verdadeiramente corresponde ao nosso perfil espiritual em contraponto ao Pensamento Continental que nos anula e destrói.
Aqui, porém, não devemos ser demasiado severos e julgar apressadamente porque a culpa _ se de culpa se pode falar _ não será nunca inteiramente sua mas um dito Sistema de Ensino profundamente anti-Português, anti-Atlântico, que vem já do tempo Pombal e que, depois de 1974 apenas se tem agravado _ como é bem patente exactamente no modo como ocorreu a sobredita dita Revolução 74 e tudo o mais quanto com a mesma sobreveio.
É um dos nossos dramas, muito além, evidentemente, da responsabilidade de Tiago Pitta e Cunha que, pensando o Mar para Portugal e, com a sua generosa alma de acção, voluntarista, não reflexiva, dando, como tal, primado à Economia, ao imediatamente prático, imediatamente útil, não tendo tido a necessária formação sobre o que Portugal é e quanto ser verdadeiramente Português em vera realidade firmemente significa, dificilmente pode compreender, como não compreende, nem aceita, por exemplo, a singularidade da relação de Portugal com a Natureza, como bem vísivel desde Prisciliano e Trovadores, incluindo D. Dinis e o seu mais magnífico Avô, Afonso X, o Sábio _ que não por acaso sempre trovou em Galaico-Português e não em Castelhano _ até ao Saudoso Teixeira de Pascoaes, assim se deixando cair também, sem se aperceber sequer, sob o domínio dessa espécie de Neoanimismo e idolatria da Natureza actuais, tão ou ainda bem mais terríveis e devastadores do que o domínio e idolatria da técnica.
Bem se sabe quanto tudo isto pode parecer mais ou menos irrelevante mas é exactamente tudo isto quanto explica que, mesmo falando de Portugal e se pressinta genuína preocupação com o futuro de Portugal, por um momento sequer não sopre a mais leve brisa de dúvida quando se entende dever estar Portugal subordinado à Europa, ao Mundo e quem sabe até mesmo aos mais arbitrários preceitos de uma ONU.
Apesar de tudo, a seu benefício colocar-se-á também a inevitável interrogação: não fora a sua indomável índole voluntarista aqui criticada e teria Tiago Pitta e Cunha conseguido tudo quanto até hoje conseguiu?…
Se desde Pombal…
Não devemos, pelo contrário, regozijarmo-nos por tanto ter conseguido já alcançado que, o mais, ultrapassando-o, a outros cumprirá já realizar _ sempre sabendo isso difícil ser realmente de ser feito, senão mesmo quase impossível, sem esse «voluntarioso» anterior trabalho já realizado?…
Assim se afigura _ e por isso mesmo também, mesmo neste ponto de aparente divergência, impossível não nos congratularmos por todo o trabalho que vindo a ser realizado por Tiago Pitta e Cunha e, por consequência, entender-se muito mais do que merecido o Prémio Pessoa 2021.
De qualquer modo, tinhamo-lo deixado ainda em Bruxelas…
… De onde viria a regressar mais tarde para persistir nas suas actividades sempre centrado no Mar, tornando-se então não apenas «Assessor para os Assuntos de Ambiente, Ciência e Mar» da Presidência da República, sendo Presidente Cavaco Silva, mas criando também, tanto uma pequena empresa de consultoria e envolvendo-se num visionário projecto de instituição de um «Fundo» especial dedicado especifica e exclusivamente a investimentos em projectos de alguma forma ligados ao Mar, para além de ter estado ainda envolvido num outro importante estudo, patrocinado pela COTEC, de avaliação do que se viria a designar como «Economia Marítima», assim como lhe ficamos para sempre a dever ter trazido para o Estoril a Conferência Biomarine e, a par disso, o impulso decisivo para a importante criação da BioAlliance, Associação das Empresas Portuguesas dedicadas à Biotecnologia, bem como a organização da primeira visita Presidencial primordialmente centrada nos Assuntos do Mar, como sucedeu com a visita de Cavaco Silva à Noruega em 2015 _ numa situação até agora única também e sem perspectivas de que alguma vez se volte a repetir.
Se o «Fundo», por várias razões, nunca viu a luz do dia e a empresa de consultoria nem sempre conheceu a mais luminosa das existências, o que terá justificado, com certeza, em grande parte, o seu discurso no lançamento do Jornal da Economia do Mar haja sido surpreendentemente céptico _ chegando mesmo a confessar-nos mais tarde, não sem fortes razões e justíssima análise, «não haver em Portugal ninguém a ligar verdadeiramente ao Mar» _ nunca desistiu e tanto assim que, por certo, não sem grande arte, muito engenho e, com certeza, inigualável sabedoria, conseguiu persuadir a família Soares dos Santos _ e em especial, naturalmente, Alexandre Soares dos Santos _ a concorrer à concessão do Oceanário de Lisboa e à proposta de consequente constituição do que viria a ser, como hoje é, a Fundação Oceano Azul, especialmente dedicada, em síntese, à Conservação e Literacia dos Oceanos.
Com um Conselho de Curadores responsável pelo respectivo plano estratégico constituido por José Soares dos Santos, enquanto Presidente; Kristian Parker (Vice-Presidente do Conselho de Curadores da Oak Foundation como membro da família fundadora da mesma); Julie Packard (Diretora Executiva do Aquário de Monterey, Curadora da David and Lucile Packard Foundation e Presidente do Conselho de Administração do Monterey Bay Aquarium Research Institute); e, adicionalmente, Viriato Soromenho-Marques, designado como «Consultor Especial», como se pode compreender, o âmbito de acção e visibilidade da Fundação pretende ir muito além de Portugal «stricto senso» para se afirmar num plano realmente internacional, como o projecto «Rise Up» é um bom exemplo, procurando conjugar numa mesma acção as mais diversas entidades e ONG de todo o mundo, bem como a celebração dos X Anos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Presidida por Jaime Gama e onde figuram igualmente no Conselho de Administração tão notáveis personalidades como a de uma cientista como Maria Manuel Mota ou a do ex-Ministro da Educação Nuno Crato, realizada conjuntamente por ambas as Fundações, o não deixou de assinalar também ao dar máximo destaque a uma figura como John Kerry.
Nesse enquadramento, assumindo as funções de Administrador Executivo, Tiago Pitta e Cunha tem vindo a presidir, naturalmente, a diversos excelentes projectos, a começar, desde logo, pela magnífica iniciativa gizada em conjunto com Pedro Norton, então Administrador não Executivo da Fundação Gulbankian, e levado a efeito entre ambas as Fundações, como é o programa Blue Bio Value, tendo em vista a promoção de novas «start ups» na área da Biotecnologia, assim como todo o trabalho realizado em prol do desenvolvimento de novas Áreas Marinhas Protegidas, seja nos Açores, seja no alargamento da AMP das Selvagens, seja ainda a relativa a da Pedra do Valado ao largo do Algarve, bem como todo o trabalho realizado em conjunto com as Autarquias na promoção de uma nova «Literacia dos Oceanos».
Ou seja, pelo pouco que aqui se resume percebe-se perfeitamente o indiscutível merecimento do Prémio Pessoa 2021 atribuído a Tiago Pitta e Cunha.
Não se tenham, porém, ilusões, o Prémio é pessoal e intransmissível e nada significa em relação à consideração ou eventual de um qualquer renovado reconhecimento da importância do Mar para Portugal, nem, muito menos ainda, de quaisquer considerações sobre a necessidade também de uma renovada consciência de Portugal enquanto a Nação Marítima que é e, acima de tudo, deveria saber ser.
E se o Presidente da República já felicitou também Tiago Pitta e Cunha pelo Prémio, tal não significa também qualquer alteração na sua habitual atitude de mais completa e real indiferença no respeita aos Assuntos do Mar como, tampouco, se Portugal se afirma ou não como a Nação Marítima que é e deveria saber ser, tal como a persistente ausência de qualquer «Assessor para os Assuntos do Mar» na Presidência assim plenamente o manifesta e atesta.
De qualquer modo, se para os jurados do Prémio Pessoa 2021, (Francisco Pinto Balsemão, Emílio Rui Vilar, Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques), o Mar não terá sido sempre, com certeza, a preocupação dominante nem a consequente afirmação de Portugal como a Nação Marítima que é e é para ser, como deveria saber ser, e se mesmo a própria Fundação Oceano Azul, para além do seu posicionamento muito internacionalista, expressa na sua «Missão» essencialmente quatro objetivos: 1) Aumentar a compreensão e o conhecimento do oceano, a que corresponde uma Área de Ação vocacionada para a educação/literacia dos oceanos; 2) Alterar os comportamentos dos decisores políticos, económicos, académicos e das pessoas em geral em relação ao oceano, a que corresponde uma Área de Ação direcionada para a conservação do oceano e para a divulgação dos seus valores ambientais; 3) Contribuir para uma nova governação do oceano, aliada à ética, à equidade e ao conhecimento científico, a que corresponde uma Área de Ação devotada à capacitação (capacity building) para gerar regulação/legislação e políticas públicas — e.g., na área crítica do ordenamento espacial do mar — e para difundir boas práticas — e.g., na gestão racional de atividades de pesca costeira; 4) Apoiar a promoção de uma nova economia azul sustentável, que substitua — pelo valor que vai gerar — atividades e práticas não sustentáveis, que contribuiu igualmente para a Área de Ação dedicada a ações de capacitação (capacity building) dirigidas a atores económicos que possam contribuir para essa nova economia azul, sejam eles originários de atividades tradicionais, como a pesca artesanal, sejam provenientes de áreas económicas emergentes, como é o caso das indústrias dos biorrecursos marinhos», não parecendo ter uma especial preocupação com a afirmação de Portugal enquanto eminente Nação Marítima que é e é para ser, e deveria saber ser, independentemente de tudo isso, não podem todos deixar de merecer os maiores encómios pelo justíssimo Prémio atribuído a Tiago Pitta e Cunha _ como nada, afinal, que o Jornal da Economia do Mar não tenha feito já, na forma de repto, no encerramento da III Grande Conferência, em 2017 _ embora sem atribuição de qualquer valor pecuniário associado nem notícia no «Expresso» porque o «Expresso», considerando desde sempre o Jornal da Economia do Mar como um «concorrente» seu, não cuidando, compreensivelmente, das actividades dos «concorrentes», sempre entendeu nada dever noticiar sobre as actividades tão menores como as relativas aos Assuntos do Mar do Jornal da Economia do Mar, mesmo que de Tiago Pitta e Cunha estivéssemos já então a falar…
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