O termo “potência costeira”, na minha interpretação, visa referir a condição de países que, tendo o seu destino e progresso estreitamente ligados ao uso do mar, adotam, ao nível estratégico, uma postura que procura explorar todas as potencialidades dessa situação para, assim, melhorar a sua situação e compensar os eventuais défices de poder nacional noutras áreas.
NRP Douro

É um termo que tem apenas uma natureza político-académica. Não inclui, portanto, qualquer dimensão jurídico-legal visando um reconhecimento formal no campo internacional. Também não requer uma definição precisa. É tanto sinónimo de saber, capacidade científica de investigação, empreendedorismo, etc. como capacidade de proteção de interesses e de exercer influência. É um conceito que cada país adaptará, como melhor convier à sua situação e propósitos.

Em qualquer caso, pressupõe uma postura multifacetada a considerar em  quatro planos distintos, mas complementares: o científico para conhecimento das potencialidades da área em termos de recursos vivos e não vivos; o empresarial para a exploração económica desses recursos; o de segurança e defesa para a manutenção de condições de estabilidade sem a qual os investimentos não surgirão e, finalmente, o das relações externas, incluindo a coordenação de ações com aliados e amigos, para participação ativa na discussão dos problemas de governação do mar, participação nas resoluções adotadas no âmbito das Nações Unidas (IMO) e para projeção da imagem do país.

Abrange um sector alargado da atividade do Estado, nomeadamente o dos que exercem funções no âmbito do transporte marítimo comercial, das pescas e outras utilizações económicas do mar, da proteção ambiental, da segurança marítima e defesa, da cooperação internacional, etc.

Encara o conceito de poder como decorrente de um posicionamento geográfico no domínio marítimo que, se devidamente explorado, pode projetar o país em várias dimensões, quer no contexto interno, quer no externo. Implica, portanto, a posse, nos domínios aplicáveis, de uma capacidade credível de conversão de todos os tipos de recursos estratégicos em resultados que acrescentem valor à importância do País.

É um conceito que, se assumido com convicção e vontade política, ajudará a promover: a.     Uma visão atual da forma de encarar a soberania, como um complexo de poderes com várias vertentes – económica, científica, financeira, militar e cultural – a que se deve acrescentar a capacidade de se fazer ouvir no plano internacional como ator empenhado na manutenção da ordem internacional e, neste caso particular, na boa governação dos mares; b.   Uma mais eficaz mobilização das vontades para contemplar a necessidade de novas respostas às alterações no quadro de potencialidades e vulnerabilidades que o alargamento da plataforma continental introduzirá; c. A recuperação de uma identidade marítima abertamente virada para o futuro, sob uma visão estratégica, que encontre nas glórias passadas as lições que importa hoje recuperar; d.    Uma forma de garantir que a opinião pública conhece a essência e percebe a utilidade e propósito da sua Marinha, nas suas várias valências – garantir a segurança, proteger interesses e representar o País no exterior – e compreende que se manter uma marinha é caro, muito mais será não a ter ou, pior, não a manter no adequado grau de prontidão; e.     A ideia de que o país ser pequeno não é impeditivo de ter influência, importância política e de ter boas perspetivas económicas.

Potência costeira, como estatuto, deve observar os seguintes três critérios: uma localização com importância estratégica, o que está reconhecido internacionalmente (critério chave); ambição e vontade política para usar as respetivas vantagens em todos os domínios aplicáveis, uma vertente que precisa de ser encarada com maior consistência e, finalmente, mas nem por isso menos importante, as capacidades necessárias para alcançar os objetivos estabelecidos, onde há investimentos a fazer (critérios complementares).

Agora que, no curto prazo, Portugal tem pela frente o desafio de ficar pronto para tirar o melhor partido possível da esperada extensão da plataforma continental, a implementação deste conceito seria a melhor forma de definir o caminho a seguir, sob uma visão estratégica e integrada do mar como espaço de desenvolvimento económico, de segurança e defesa e de projeção internacional.

(Artigo redigido como adaptação docapítulo 3 do livro “As marinhas na defesa dos interesses nacionais. O caso Português”, do autor )



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