O estatuto de país com uma das mais extensas áreas de jurisdição e sobernia marítima não é uma dádiva de que se possa, sem mais, tirar qualquer partido relevante. O mar, só por si, nada garante. Tudo depende de haver ambição e vontade política firme para dar uma dimensão estratégica às correspndentes potencialidades e usá-las para o melhor efeito em todas as suas valências.
Se estes requisitos não se verificarem, mesmo que o mar tenha uma grande extensão e importância, isso não só não trará nada de útil como colocará o país sob o olhar interesseiro de outros que tentarão aproveitar as fragilidades resultantes do desinteresse e passividade evidenciados. Numa situação limite, pode levar outras potências a intervir, para evitar uma situação de instabilidade na região, ou para proteger os seus interesses, no caso de um exercício deficiente das responsabilidades pela manutenção da boa ordem por parte do respetivo estado costeiro.
Juntamente com estes desafios, continua claro que para Portugal o mar não é apenas um desígnio. É algo que é inerente à sua própria sobrevivência nacional, à realização do seu comércio externo, à importação dos recursos alimentares e energéticos que não tem, à exploração e obtenção de recursos marítimos que são seus e, finalmente, à manutenção da segurança e livre circulação entre as três parcelas do território, fator chave da unidade e coesão nacional e, como tal, um interesse vital.
Mais concretamente, tudo indica que o papel determinante do mar na história de Portugal também será crucial no futuro, embora sob uma perspetiva diferente. Desta vez, em grande parte, sob a possibilidade de promissoras potencialidades de exploração de recursos marítimos, o que abrirá uma janela de oportunidade para melhorar o seu índice de prosperidade.
Portugal, no passado recente – duas últimas décadas – seguiu um percurso em que, malgrado algumas descontinuidades, foi tomando várias iniciativas para preparação do país para usufruir dos benefícios da extensão da plataforma continental e para lidar com os desafios correspondentes, quer nesse campo específico, quer no campo da segurança marítima. Entre outros, pode destacar-se o esforço que tem sido feito ao nível académico com o envolvimento de várias universidades a proporcionarem oportunidades de formação superior em ciências do mar.
Resumindo, pode afirmar-se que Portugal tem mantido um discurso político que, repetidamente, reforça a aposta no mar e o identifica como uma área estratégica para o desenvolvimento.
No entanto, nem tudo está bem. Mesmo tendo presente que se trata de um assunto a desenvolver sob uma «estratégia a médio e longo prazo», não sendo de esperar desenvolvimentos rápidos, devemos saber reconhecer que a produção de orientações não está a ser acompanhada por um esforço continuado e consequente para a sua concretização, ao que acresce, como contrariedade extra, o ciclo de sucessivas crises económico-financeiras em que o país tem vivido. Estão à vista de todos, hesitações e descontinuidades de empenhamento que teimam em vir ciclicamente ao de cima quando se trata de passar ao campo prático.
As hesitações começam logo ao nível da necessidade de incluir ou não, na estrutura do governo, um ministério para o mar, que congregue todas as competências necessárias para uma gestão integrada do setor. Nos últimos doze governos constitucionais, apenas três optaram por essa solução. Serviram para dar um sinal da importância do assunto, mas, tanto quanto se conseguiu observar, não contribuíram para melhorar a coordenação entre os vários departamentos do Estado com responsabilidades no mar.
Sobre este assunto, o Conselho Económico e Social num documento intitulado “O mar e as políticas marítimas”, de 22 de junho de 2008, dizia o seguinte: «É discutível se deve haver um Ministério do Mar ou se a solução deve ser de outro tipo. Porém, já é indiscutível que as questões relativas ao mar não devem estar dispersas por múltiplos centros de poder/decisão, num processo de gestão desarticulado e desintegrado onde os assuntos do mar, em cada um dos centros envolvidos, tem uma importância menor, por vezes mesmo marginal.»
Este requisito está a tornar-se claro num número em crescendo de países e de organizações internacionais empenhados em adotar estratégias marítimas. É, por exemplo, o caso da França, que decidiu dar ao Ministério do Mar um âmbito de competências que engloba para além das questões económicas e militares, as ecológicas e as diplomáticas. («Un ministère pour ne pas insulter l’avenir», segundo Olivier Aranda).
Poderá, em Portugal, esta situação melhorar brevemente? Talvez, se for possível substituir a aproximação seguida, que tem sido feita por impulsos de ocasião – geralmente têm grande impacto mediático, mas que não chegam para criar um efeito duradouro – por uma ação firme, fundamentada numa estratégia e com um plano específico de investimentos.
(Extrato adaptado do capítulo 3 – “Portugal como potência costeira” – do livro “As marinhas na defesa dos interesses nacionais. O caso português”, edição da Comissão Cultural da Marinha.)