Falando-se de optimização de recursos e redução da despesa pública, fica a interrogação sobre a verdadeira justificação para a aquisição de mais um navio para investigação do mar Nuno Vieira Matias

Nuno Vieira Matias

 

Foi com perplexidade que tomei conhecimento de um concurso público internacional lançado pelo Ministério da Agricultura e do Mar (MAM), visando a aquisição de um navio para investigação oceânica, de cerca de 60 m de comprimento, destinado ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Por isso, é com sentido de responsabilidade cívica que aceito o convite do senhor Director deste jornal para expressar a minha opinião sobre o surpreendente caso.

Interroguei-me sobre o que justificará pretender o Estado adquirir mais um navio de investigação do mar, numa altura em que tanto se fala da optimização da sua orgânica, da redução da despesa pública, da necessidade de rentabilizar estruturas, etc. É que, já existem dois “Navios da República Portuguesa”, de 63m, para finalidades semelhantes, e duas lanchas hidrográficas, de 31m. Os quatro meios são principalmente usados pelo Instituto Hidrográfico, reconhecido como Laboratório do Estado.

Os dois navios, N.R.P. D. Carlos I e N.R.P. Almirante Gago Coutinho, foram cedidos graciosamente pelos EUA (ex T-AGOS) à Marinha, nos finais da década de 1990, e modificados e equipados no Arsenal do Alfeite, visando actividades hidro-oceanográficas, sobretudo as essenciais à preparação do pedido a apresentar às Nações Unidas de extensão da plataforma continental portuguesa. Tiveram, nesse âmbito, um longo, profícuo e intenso labor, para além de outras missões. Têm agora menos tarefas a desempenhar.

Poder-se-á argumentar que esses dois navios não satisfazem exactamente aos requisitos indicados no caderno de encargos do concurso do MAM, mas certamente disporão do essencial. O restante pode sempre adaptar-se, com se fez quando vieram dos Estados Unidos. E, a propósito de requisitos, convém aclarar que o caderno de encargos do MAM exige a entrega do navio em 60 dias e é tão detalhado que essas características só poderão ser satisfeitos por embarcação já existente. De facto, não sendo os 60 dias tempo suficiente, nem para construir, nem para fazer grandes modificações, fica a dúvida se o concurso público não está já orientado para uma dado destinatário.

Mesmo admitindo a existência de um subsídio internacional, pode perguntar-se se essa verba não seria melhor empregue noutra finalidade, assim como também nos podemos interrogar como vai, depois, o IPMA suportar os custos inerentes a mais um navio do Estado. Certamente que a resposta apontará para o orçamento do Estado, aquele que se apregoa ser necessário reduzir.

Contudo, se for mesmo intenção rentabilizar a máquina do Estado, uma das medidas passará por optimizar o emprego das estruturas actuais, pela eliminação de duplicações e nunca pela criação de outras. Porque assim deve ser, há muito que não entendo que se persista em dispersar responsabilidades no mar, com o correspondente acréscimo de despesas. E para o ilustrar dou apenas dois exemplos, entre vários possíveis.

O primeiro consiste na atribuição à GNR de funções no mar territorial, que implicam o uso de lanchas, quando essas tarefas cabem perfeitamente nas missões da Marinha e do seu Sistema de Autoridade Marítima, com todas as vantagens que ultrapassam, e em muito, as meramente económicas.

O segundo liga-se ao propósito deste texto e não se fica apenas pelo navio em processo de procura. É que ele pode estar a ser apenas um de vários passos de uma estratégia subtil para, aos poucos, se criar algo de semelhante ao Instituto Hidrográfico, órgão da Marinha, estabelecido pelo D.L. 43177, de 22 de Setembro de 1960. Este tem por “missão fundamental assegurar actividades relacionadas com as ciências e técnicas do mar, tendo em vista a sua aplicação na área militar, e contribuir para o desenvolvimento do País nas áreas científica e de defesa do ambiente”. Depende do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, com orientação estratégica “exercida pelo Ministro da Defesa Nacional em articulação com o Ministro da Educação e Ciência e a Ministra da Agricultura e do Mar”.

Será necessário explicar mais?

 



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