É necessário uma mudança de paradigma onde a política, a par do desenvolvimento tecnológico, assume papel determinante.

Naturalmente que o “quanto e o quando” do contributo a esperar, dos oceanos e mares, na satisfação das nossas necessidades energéticas tem muito a ver com as politicas implementadas e com a envolvente e condições económicas que consigamos criar.

O caminho para a mudança de paradigma – para mais numa área como a da energia, muito sensível, exigente de pesados investimentos e onde o curto prazo se confunde com uma década – gera sempre reacções e dúvidas e precisa de uma lúcida, continuada e coerente determinação e voluntarismo politico que, não esquecendo as questões tecnológicas, contribua ainda para os estímulos económicos conferirem sustentabilidade e motivação que leva à canalização de investimento para o novo desejável modelo.

Aqui a politica é essencial:

– na promoção de R,D&D nos domínios desejados.

– nas regras e mecanismos económicos que obriguem a endogeneizar os custos, até agora externalizados, nomeadamente os ambientais, criados pelo recurso às soluções convencionais.

– nas politicas fiscais que dêem os sinais correctos aos agentes económicos, de modo a orientá-los para os domínios que se pretendem promover.

– nos incentivos que se disponibilizam.

– na informação e divulgação do que se pretende e das alternativas ao nosso alcance.

– na legislação e actuação dos reguladores.

– na forma como se desenham os mercados energéticos e se promove o seu aprofundamento.

Também no mundo actual e no paradigma económico e social adoptado pela Europa, seria impensável vir a ser bem sucedido neste desafio de mudança, se não conseguirmos criar os estímulos económicos de mercado que motivem as empresas do sector e que reflictam no preço as opções mais racionais para o consumidor.

Dispormos de recursos hídricos, de acesso ao oceano, é em si uma imensa dádiva, uma riqueza que em alguns dos seus aspectos não consciencializámos. Por exemplo, o contributo que as massas de água oferecem à estabilização da temperatura ambiente, mitigando amplitudes térmicas, poupando-nos ao frio e ao calor, logo diminuindo as necessidades de energia para a climatização e conforto.

Todos os considerandos e reflexões sobre as condições de enquadramento politico e económico atrás expostos, são decisivos quando pretendemos ir buscar ao mar um auxilio sustentável para resposta às nossas necessidades energéticas.

Sendo verdade que estamos face a um infindável potencial, também é certo que as novas tecnologias disponíveis, mais ou menos maduras, ainda sofrem de várias limitações.

Passemos brevemente em revista alguns dos eixos em desenvolvimento:

– Um domínio especifico que tem sido pouco abordado é o da navegação. O aproveitamento do vento não é novo neste domínio, como não o é em terra, na industria da moagem, na bombagem de água, etc…

O primeiro choque petrolífero estimulou experiências interessantes de apoio de velas nos superpetroleiros construídos na sequência do encerramento do canal de Suez.

A queda do preço dos combustíveis para a navegação, fez quebrar o entusiasmo induzido pela crise.

Hoje, acresce sobre a navegação a pressão ambiental, com alguns países e zonas (Báltico, Mediterrâneo, etc.) a exigirem navios menos poluentes. Desde logo a reconversão para o uso do gás natural é uma tendência em curso que, aliás, exige que Portugal também deva apetrechar-se e tirar partido do seu posicionamento geográfico, ao bordejar a intensa rota do cabo de S. Vicente. O apoio no recurso ao vento, pode melhorar a “performance” dos navios no plano ambiental, o que deverá reflectir-se numa descriminação positiva para quem a adopte.

– A geração de electricidade com recurso a aerogeradores, o chamado eólico off-shore. Não sendo novidade, há que ter em consideração as realidades especificas, que podem facilitar ou não o seu sucesso. O recurso, a constância na intensidade e direcção dos ventos, a profundidade, a agressividade das ondas e marés, a proximidade do consumo junto à costa, enfim a concorrência do próprio eólico on shore, são factores a ter em consideração.

A titulo de exemplo, se o Mar do Norte e outras zonas pouco profundas, com ventos intensos e regulares, são uma excelente alternativa à produção em terra, a não existência de uma plataforma continental e a descontinuidade e agressividade dos elementos do clima podem tirar previsibilidade e encarecer o investimento.

Com a crescente ocupação – embora longe da saturação – das melhores localizações em terra, a geração no mar ganhará atenção e interesse. Daí a justificação para que prossigamos com projectos de experimentação de protótipos junto à nossa costa.

– Ainda no domínio da geração de electricidade existe um conjunto de tecnologias em estudo e desenvolvimento, que poderemos designar por maremotrizes, onde pontifica o potencial das correntes, marés, ondas e gradiente térmico dos mares.

Se bem que existem em operação algumas centrais, geralmente instaladas em locais onde o recurso é abundante e facilmente recuperável – La Rance em França, Ilha do Pico, entre algumas outras – é geralmente dispendiosa a construção de infraestruturas e equipamentos, bem como a operação e manutenção deste tipo de centrais.

Existe uma grande variedade de máquinas em estudo e em prova, sendo difícil a tipificação de soluções face à especificidade do recurso e do local.

No curto prazo, não é de esperar uma significativa expansão, genereralização, destes eixos provenientes das maremotrizes.

– A área da biomassa aparece com interesse e algum potencial. Aqui estamos a falar, não tanto na óptica de combustível para a geração de eléctrica, mas sim para a obtenção de biocombustiveis substitutivos de derivados do petróleo ou gás natural.

Trata-se de uma área que tem mobilizado um grande interesse, que vai além das possíveis utilizações energéticas – depuração de águas, fertilizantes, industria farmacêutica e cosmética, etc.

Ao contrário das culturas tradicionais com aproveitamento na alimentação humana e animal – milho e cana de açúcar, oleaginosas – que tem servido de matéria prima para o bioalcool e biodiesel, o recurso à flora marítima não conflitua com os usos alimentares, como acontece com aquelas outras culturas.

Sendo o sector dos transportes, a mobilidade, aquele que maior dificuldade tem encontrado em integrar componentes de origem renovável no seu cabaz – não contribuindo para os objectivos de sustentabilidade estabelecida na Europa – será adequada alguma aposta nos biocombustiveis marinhos.

– Outras hipóteses tem sido exploradas – encerrando maiores ou menores potencialidades, como seja a recuperação de metano retido nas grandes profundidades, por certo levantando questões ambientais, o aproveitamento do enorme jazigo de calor que encerram os oceanos, a geotermia submarina, enfim, a obtenção do hidrogénio da água – são domínios a acompanhar, dependendo muito do seu interesse da evolução que venha a ocorrer no preço dos combustíveis alternativos e das regulamentações que os estados determinem, conforme já referi.

– A captura e sequestro de carbono (CCS) decorrente da queima de carvão, ainda responsável por 41% da produção mundial de electricidade, bem como das centrais a gás, responsáveis pela geração de 20% do total, é um imperativo.

 

Ao atingirmos o nível de concentração de CO2 na atmosfera, na ordem dos 400ppm (275ppm antes da revolução industrial), urge encontrar soluções que mitiguem a situação.

A Agência Internacional de Energia estima que sejam necessários vários investimentos de 4 biliões de dólares (triliões nos EUA), nos próximos 25 anos para conter o aumento da temperatura na fasquia dos 2ºC.

A tecnologia CCS não está estabilizada, prosseguindo a investigação, estando contudo, 22 unidades em operação ou construção, cada uma com custos na ordem dos mil milhões de euros.

Oceanos e mares são uma alternativa importante para o sequestro, de forma massiva, já que no on shore apenas algumas escassas formações geológicas reúnem condições para a retenção segura de CO2.

Em conclusão, confrontados com grandes desafios energéticos e ambientais, tentando desenhar um novo paradigma energético sustentável, as massas de água são vistas como podendo fazer parte da solução.

Os recursos são infindáveis mas, para se tornarem reservas energéticas economicamente exploráveis, é necessária a actuação politica e o racional económico.

É interessante reter que num quarto das verbas do programa europeu, chamado Plano Juncker, se dirigem ao financiamento nomeadamente de centrais eólicas no off shore.

Tal como a subida dos preços do petróleo e do gás natural nos levaram a “ir pelo mar dentro”, também um compromisso continuado com o aproveitamento de fontes renováveis, sustentáveis, não permite que esqueçamos os oceanos e os mares, enquanto fonte de enumeráveis soluções ao nosso alcance.

Nuno Ribeiro da Silva, presidente na Endesa Portugal.



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