Tanto o programa eleitoral do PS como o da coligação PSD/CDS elegem o Mar como um dos principais vectores de desenvolvimento da economia nacional. Se o fraco desenvolvimento da economia do mar em Portugal fosse por falta de estratégia, qualquer dos programas seria a solução. Infelizmente a solução é bem mais difícil, embora possa ser […]

Tanto o programa eleitoral do PS como o da coligação PSD/CDS elegem o Mar como um dos principais vectores de desenvolvimento da economia nacional. Se o fraco desenvolvimento da economia do mar em Portugal fosse por falta de estratégia, qualquer dos programas seria a solução. Infelizmente a solução é bem mais difícil, embora possa ser resumida em duas palavras: competência e execução.

A economia do mar em Portugal é uma história de crianças. Literalmente! Vem-me à memória o conto tradicional português dos dez anõezinhos mágicos da Tia Verde-Água: utilizar inteligentemente o que temos à mão parece magia mas não é. A solução pode estar debaixo do nosso nariz, mas é preciso acreditar e estar atento. Para quem não concorda, dou dois exemplos:

Exemplo nº1: A Organização Marítima Internacional (OMI) é a agência especializada das Nações Unidas para a navegação marítima, incumbindo-lhe a adopção geral de normas relativas ao funcionamento do comércio marítimo, particularmente assuntos relacionados com a segurança marítima e com a eficácia da navegação. Conta com 168 países membros entre os quais Portugal. O seu órgão executivo é o Conselho, constituído por três categorias de membros: Categoria A com 10 países com forte interesse na prestação de serviços de transporte, Categoria B com outros 10 países com forte interesse no comércio marítimo e Categoria C com 20 países não incluídos nas categorias anteriores mas com interesse específico no transporte marítimo e navegação. No Conselho eleito para o biénio 2014-2015 Portugal distingue-se pela sua ausência, em contraste com países como Bangladesh, Bahamas, Jamaica e Quénia, que integram o Conselho.

Exemplo nº2: Os armadores gregos controlam a maior quota da frota mercante mundial, com cerca de 23% da tonelagem total. A maioria da frota grega é controlada a partir da Grécia e o restante reside em países fiscalmente atrativos, como a Inglaterra. Entre as condições acordadas pelo governo Syriza para conseguir o terceiro resgate financeiro das instituições internacionais inclui-se a redução dos privilégios fiscais dos armadores, a incluir nas medidas de austeridade que serão apresentadas em Outubro. Naturalmente, existe uma oportunidade singular para atrair armadores gregos para Portugal, nomeadamente os serviços de gestão da frota (“shipmanagement”) em que Portugal tem uma tradição de excelência e tem, na Lisnave, o maior e mais conceitudo estaleiro de reparação naval da Europa. Um artigo recente da Lloyd’s List reporta várias iniciativas para atrair armadores gregos por parte de países mais atentos como Canadá, Emiratos Árabes, Chipre, Singapura e Inglaterra. Até agora Portugal tem estado adormecido.

Poderá argumentar-se que o governo estava distraído no primeiro exemplo e a sociedade civil no segundo. Porém, esta compartimentação das responsabilidades é perigosamente redutora. Claramente quem está distraído é o País.

Em contrapartida, aponto um bom exemplo de competência e execução: o desenvolvimento do mega-terminal de contentores de Sines (Terminal XXI), originalmente um elefante branco para a maioria dos “sábios” do sector. Não por acaso, a Administração do Porto de Sines que tomou posse em 2005 decidiu não perder tempo com um novo plano estratégico, sempre tão querido das novas administrações e das tutelas. Pelo contrário, resolveu apostar na execução do plano existente e, com a feliz conjugação de uma equipa competente, do know-how da concessionária PSA e da aposta do segundo maior operador marítimo mundial (e o maior na Península Ibérica), a MSC, construiu-se um caso de sucesso a nível mundial. Os números falam por sí: 4.000 teus/mês em 2004, 120.000 teus/mês em 2015.

A continuação do crescimento de Sines enquanto hub portuário parece-me assegurada. Contudo, Sines tem condições excepcionais para se tornar também uma plataforma logística de nível mundial, à semelhança dos grandes hubs portuários como Barcelona, Valência, Antuérpia, Roterdão e Hamburgo (para só falar da Europa). Para isso é fundamental atrair centros de distribuição regionais (RDC’s), ancorados em clientes com escala internacional. Só falta reconhecer a oportunidade e juntar os anõezinhos mágicos.

Sines é apenas um de muitos exemplos de oportunidades extantes que não necessitam de mais planos estratégicos nem programas de governo. Por isso, qualquer que seja o resultado das eleições legislativas de 4 de Outubro, deixo aqui o meu voto para que o futuro governo não perca tempo com estratégia e mobilize uma equipa competente e com capacidade de execução.

 



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