O mar é rico em recursos vivos marinhos. E Portugal, nesse sentido, é dos países mais ricos. Sendo que começa agora a explorar essa riqueza. Pelo menos ao nível da investigação. E um pouco por todo o país.

O CIMAR, por exemplo, em Novembro do ano passado, durante a V Edição do Fórum do Mar, apresentou o modelo IMTA (Aquacultura Multitrófica Integrada), que consiste num pipeline exemplificativo do percurso da investigação biotecnológica. Isto vai desde a recolha de seres marinhos até à identificação de novos compostos bioactivos e um flutuador de recolha autónoma de dados ambientais em meio aquático. Basicamente, e de uma forma simplista, trata-se de produzir organismos marinhos. Através de uma cultura sequencial é possível reciclar resíduos de uma espécie, convertendo-os em alimento ou nutrientes para outra espécie. O ambiente agradece dado que isso significa, em última instância, uma diminuição da poluição do meio.

Já João Varela, investigador principal no CCMAR – Centro de Ciências do Mar, na Universidade do Algarve trabalha com biotecnologia e no uso desta para extrair compostos marinhos, uns para produção de biodiesel e outros para servir de base a suplementos alimentares, pois revelaram ter características antioxidantes e, em alguns casos, anticancerígenas. Uma “simples” alga castanha, de seu nome Cystoseira tamariscifolia que tem a particularidade de possuir propriedades citotóxicas (capacidade de destruir células). João Varela e a equipa algarvia testou esta alga em tumores in vitro. O resultado, como referiu o investigador ao Sul Informação, foi mais do que positivo. “Nas experiências que fizemos, desfez totalmente os tumores, sendo tóxica para as células cancerígenas.” Esta é uma excelente notícia para o mundo da medicina, apesar de o projecto ainda estar numa fase preliminar – é preciso, por exemplo, conseguir criar um fármaco que causo o mesmo efeito no corpo humano. Os compostos químicos da alga podem não só promover a autodestruição da célula cancerígena, mas também inibi-la de se replicar, tornando-a inactiva.

Em Aveiro as atenções incidem nos sistemas aquosos bifásicos termorreversíveis. Trata-se de sistemas maioritariamente usados para separar e purificar compostos para fins tão diversos como produtos alimentares ou farmacêuticos. A grande diferença é a de que a equipa de investigação do Departamento de Química da Universidade de Aveiro (Helena Passos e Andreia Luís, estudantes de Doutoramento, e João A. P. Coutinho e Mara G. Freire) descobriu que estes podem ser termorreversíveis. A grande vantagem é a de que constituem um processo mais sustentável quando comparados com os processos convencionais. A explicação, segundo a Universidade, é a de que os sistemas convencionais requerem elevados consumos de energia e reagentes, bem como a utilização de solventes orgânicos, muitas das vezes tóxicos e carcinogénicos.

Basicamente “a termorreversibilidade em sistemas aquosos bifásicos traduz-se na possibilidade de ter uma ou duas fases líquidas através de uma pequena alteração da temperatura sem nunca se alterar a composição da mistura inicial”. Descoberta que promete vir a ser uma mais-valia acrescida no desenvolvimento de processos de separação mais sustentáveis.

 

Açores com incentivos fiscais

Os Açores são uma região rica em bio-recursos marinhos e consequente investigação sobre os mesmos. Algo que o Governo já se apercebeu, tendo criado incentivos fiscais às empresas “que se queiram fixar no arquipélago, nomeadamente apoios aos investimentos produtivos com vista a mercados exteriores aos Açores, investimentos em inovação produtiva e em sistemas de qualidade, bem como apoios à investigação e ao desenvolvimento aplicados à biotecnologia marinha; incentivos atractivos para criação de postos de trabalho; benefícios fiscais focados na produção e consumo (regime favorável em sede de IRC, IRS, IVA, IMT e IMI e benefícios fiscais sob regime contratual para novos investimentos)”.  Uma das medidas passou pela redução do valor mínimo de investimento necessário – para 200 mil euros – para que os projectos em unidades produtivas nas áreas da Biotecnologia Marinha e Aquacultura possam receber benefícios fiscais em regime contratual. Alteração que, segundo a Secretaria Regional do Mar, Ciência e Tecnologia, a alteração tornou possível atribuir uma majoração de 30% nos apoios destinados aos projectos de Biotecnologia Marinha ou de Aquacultura que prevejam a criação de, pelo menos, três postos de trabalho, podendo estes apoios ir até 40%, caso os postos de trabalho sejam altamente qualificados, com formação ao nível de doutoramento.

Em termos de investigação propriamente dita, nomeadamente no sector empresarial da biotecnologia marinha, ainda é algo residual. No entanto, há já algumas empresas existentes a referir. É o caso da Seazyme –  spin-off do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores/ Instituto do Mar dos Açores (DOP/IMAR) que assenta o seu trabalho em bactérias hidrotermais do Lucky Strike, Menez Gwen, etc. Tem uma colecção de estirpes com potencial biotecnológico demonstrado. Está numa fase inicial de desenvolvimento empresarial. Há ainda a Azores Life Science, que actua na área dos cosméticos. Desenvolve actividade baseada em produtos vegetais animais terrestres (soro de leite, p.e.) e investigação aplicada em organismos marinhos (equinodermes).

Já a SeaExpert actua na recolha de macroalgas de alta qualidade para empresas de biotecnologia marinha nacionais e internacionais.

A Algicel, por seu lado, dedica a sua actividade a microalgas de água doce. Poderá eventualmente desenvolver uma linha de biotecnologia marinha.

Por fim, a Flying Sharks que foca a sua actividade no fornecimento de animais vivos a instituições envolvidas na educação e investigação do ambiente marinho, nomeadamente Aquários Públicos. Surgiu em 2006 e é considerada um caso único na Europa e uma das poucas a nível mundial a focar-se nesta actividade. Utiliza exclusivamente métodos de captura altamente selectivos e sustentáveis. Adicionalmente promove acções de consultoria e de educação ambiental, fomentando o comércio justo e um uso sustentável dos oceanos.

Em termos de potencial de investigação as áreas com maior potencial (pelo menos as identificadas) assentam nos produtos farmacêuticos, nutracêuticos e cosméticos (saúde e bem-estar); e na tecnologia enzimática aplicada a processos catalíticos industriais em agro-indústrias ou outros. Mas há mais oportunidades. Nomeadamente a investigação científica em ciências ómicas, no geral, e em bioprospecção de novas moléculas activas, em particular.

 

Apoio à investigação

O Governo Regional dos Açores é extremamente activo no que concerne ao apoio à investigação. Actualmente, através da Secretaria Regional do Mar, Ciência e Tecnologia, apoia um conjunto de projectos de investigação científica (no âmbito da RIS3), no valor de 448.399 euros. Projectos que se encontram execução ou em fase final de vigência. Adicionalmente foi recentemente criado um programa de apoio, no âmbito do Programa Operacional Açores 2020, cujo apoio totaliza 2,892 milhões de euros 48,6% desse valor 1,406 está atribuído a projectos com incidência nas ciências do mar.

Segundo a Secretaria Regional do Mar, Ciência e Tecnologia “do total de 71 candidaturas que haviam sido apresentadas, encontram-se actualmente em fase de aprovação 22, sendo que 11 delas são dedicadas a ciências do mar (neste momento, estamos em fase de audiência prévia), com uma forte componente de pesquisa de recursos marinhos, bem como de espécies com interesse para a indústria marítimo-turística na Região”.



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