A globalização não morreu, está é diferente e é tempo de reconhecer a mudança para saber agir, consequentemente.
Porto de Long Beach

Embora o comércio a longa distância tenha existido desde os primórdios da civilização é no século XIX que as trocas comerciais internacionais crescem rápida e exponencialmente. Foi a Grã-Bretanha, onde se vivia as transformações da revolução industrial, que primeiro abre as portas e liberaliza, ao eliminar as tarifas, o comércio internacional. Sir Robert Peel, primeiro-ministro da Rainha Vitória, que um dia terá dito a Faraday que era uma pena que o maior cientista inglês, possivelmente até do mundo, andasse a perder tempo com uma coisa – a electricidade – que não servia para nada mas teve visão e coragem em modernizar o país reduzindo o labirinto de restrições e impostos que impediam o desenvolvimento do comércio internacional. Conseguiu, o que até aí fora impossível, a revogação, em 1846 das chamadas Corn Laws – o pilar e símbolo do sistema proteccionista do país que protegia os proprietários de terras. Num primeiro momento, e devido à força dos interesses proteccionistas, como dos proprietários fabris em França, a abertura do comércio ao resto da Europa não foi imediata, sendo só a partir de 1860 que os tratados bilaterais de comércio tiveram um grande desenvolvimento. Se por um lado a revolução industrial eliminava os obstáculos ao transporte ao permitir aperfeiçoar a navegação com os navios oceânicos a vapor e a construção dos caminhos de ferro, a diminuição das tarifas sobre as importações e exportações e a eliminação de algumas proibições à importação de certos bens eliminaram os obstáculos ao fluxo do comércio internacional. No início do século XX já era possível falar-se de uma economia mundial, em que a Europa, centro dinâmico que estimulava o mundo, se tornou no principal pólo económico da globalização. Para o mundo no seu todo, o volume do comércio externo per capita em 1913 foi mais de vinte e cinco vezes superior ao de 1800. Mas o eclodir da guerra em 1914 enterrou de forma abrupta a primeira fase da globalização moderna e nos anos que se seguiram o renascer do proteccionismo foi bem visível no país que se tronava na grande potência mundial. Os sucessivos governos republicanos nos Estados Unidos no pós-guerra, em prol da defesa da indústria e agricultura optaram pelo aumento das tarifas comerciais afim de protegerem os respectivos sectores. Em 1922 o presidente Warren Harding aprova a lei Fordney-McCumber em que as tarifas aumentaram em média 38,5% e em 1930, no auge da Grande Depressão é a vez de Herbert Hoover aprovar a tão famosa Smoot-Hawley, que em média aumentou as tarifas em 59,1% em mais de 20 000 produtos, apesar dos protestos de Henry Ford e de outros empresários. A retaliação dos parceiros comerciais, da Austrália, Canadá, Europa…não se fez esperar e o resultado foi que de 1930 a 1933 as exportações americanas caíram de 5.2 mil milhões de dólares para 1.7 mil milhões. As importações caíram para metade e nesses três anos dramáticos o PIB Americano caiu 40% deixando no desemprego mais de 25% da população. Se ainda hoje os Alemães tem pânico da inflação, memória desses tempos, o colapso do comércio mundial provocado pela lei Smoot-Hawley ficou na memória dos políticos americanos. Nos anos seguintes à Segunda Guerra, para enterrar definitivamente as medidas proteccionistas, defenderam a redução de tarifas e a eliminação das barreiras ao comércio propondo, para atingir tais objectivos, a criação de negociações multilaterais o que conduziu em 1947 à criação do organismo internacional, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, conhecido como o GATT, e que hoje tem o nome de Organização Mundial do Comércio. Nas sucessivas rondas que se seguiram como a Ronda do Uruguai, trabalhou-se durante anos na harmonização das políticas aduaneiras dos estados signatários. Liderando desta vez o mundo na abertura ao comércio, os Estados Unidos passaram, a partir dos anos 1950 com as suas numerosas empresas de produção em escala a liderar a segunda fase da globalização moderna. Mas em Outubro de 1973 o embargo petrolífero dos países árabes ao ocidente, resultante da guerra do Yom Kippur, criou as condições para um novo colapso do comércio global. Quase do dia para a noite o custo do barril de petróleo aumentou 400%., a inflação disparou para os dois dígitos e a Grã-Bretanha, o país impulsionador da globalização moderna, foi obrigado a pedir ajuda, em 1975, ao FMI. Na década seguinte, em resultado das reformas rumo à liberalização do comércio que Deng Xiaoping iniciou em 1978, a China passou a dominar as atenções. A produção “Made in China”, nas zonas económicas especiais (ZEE), em que os bens importados pelas empresas para serem usadas nessas zonas eram isentas de tarifas e impostos, revelou-se um sucesso, liderando o país durante anos o crescimento económico mais rápido do mundo. Em Dezembro de 2001 a China era finalmente admitida na Organização Mundial do Comércio e ao concordar em seguir as normas globais, que regem as importações, exportações e o investimento estrangeiro, a China dava um passo de gigante na abertura ao mercado mundial. Começava uma nova era da globalização, a terceira, em que o pólo económico deixava de se centrar nos Estados Unidos para se centrar na China. Se nos Estados Unidos de Bill Clinton a entrada era vista como um somatório de vantagens, na China receava-se que o gigante estivesse a abraçar a globalização sem alicerces sólidos. Para o ocidente, a pressa da adesão que viam vantajosa – passavam a exportar para um país com um milhão e trezentos mil habitantes – ignoraram os efeitos da política cambial. O que acabou por acontecer foi o desaparecimento de muitas indústrias de pequena e média dimensão particularmente no estado do Ohio e Illinois que alimentavam as cadeias de produção de Detroit ao não conseguiram competir com os baixos preços dos produtos chineses. Se na primeira globalização os proprietários das terras e os empresários fabris foram os que sofreram com a abertura ao comércio, em contrapartida, o grosso da população beneficiou com a redução dos preços dos alimentos e vestiário. Na terceira globalização milhares de americanos e europeus perdiam o emprego enquanto milhões de chineses saiam da pobreza extrema. O ataque à globalização e o retorno ao proteccionismo foi comum na campanha de Donald Trump como de Bernie Sanders, o democrata que perdeu as primárias para Hilary Clinton. Ao denunciar as manipulações do governo chinês ao longo dos anos na desvalorização do Yuan para tornar os seus produtos mais competitivos, Trump está a dizer a verdade e ganha eleitores, sobretudo os que ficaram no desemprego de longa duração. A sua proposta em aumentar em 45% as tarifas dos produtos chineses deixa deliciados muitos eleitores americanos. Contudo o erro de Trump é que a China, que de mês para mês divulga quebras de 10% nas suas exportações, já não é uma ameaça aos postos de trabalho do mundo desenvolvido. A empresa Adidas, por exemplo, anunciou recentemente que vai encerrar já algumas fábricas na China para as reabrir na Alemanha porque o desenvolvimento da robótica que reduz os custos de produção e a redução no custo do transporte, permitem preços mais competitivos. No médio prazo a estratégia da Adidas é instalar fábricas próximas dos consumidores finais o que irá provocar um modelo diferente de globalização. Jeff Immelt, CEO da General Electric, em Maio deste ano, perante uma plateia de alunos revelou a estratégia da empresa nestes termos: “It is time for a bold pivot…in the face of a protectionist global environment…We will localize. In the future, sustainable growth will require a local capability inside a global footprint”. Ou seja, ambas as empresas percebem que as decisões que os levaram uns anos atrás a escolher um determinado local para instalarem as suas fábricas já não são válidas e que o seu sucesso depende da forma como repensarem a nova globalização. O modelo da terceira globalização, da mão de obra barata e das rotas de grandes distâncias, está a chegar ao fim. O gráfico mostra a queda abrupta, sobretudo em 2015, na procura de porta-contentores sinal que algo está a mudar nas grandes rotas do comércio. Outra informação importante que se retira dos dados deste gráfico é que a correlação histórica entre as trocas comerciais e o crescimento da riqueza mundial quantificada em cada período por um multiplicador revela que pela primeira vez, em 2015, o crescimento do PIB mundial foi superior ao do comércio mundial o que fez soar os alarmes junto dos armadores pela brusca alteração da proporção. Há décadas que o PIB como o comércio mundial foram considerados como uma excelente medida da globalização. A queda acentuada do comércio nas principais rotas mundiais, a vitória do Brexit e a multiplicação dos discursos proteccionistas são sinais claros que muitos analistas interpretam como o fim da globalização. Os armadores ao olharem para o gráfico certamente questionam: será que o ano de 2015 foi uma aberração ou será que se está perante uma nova tendência?

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A incerteza com a crise de 2008 levou os consumidores em todo o mundo a retraírem-se e a comprarem apenas os bens essenciais. No gráfico salta à vista o resultado deste comportamento – a queda abrupta do comércio no ano de 2009. Desde o início da globalização moderna que se assiste a um padrão: a seguir a um colapso brusco do comércio mundial provocado por uma crise inicia-se uma nova fase da globalização. Afinal estará a globalização a chegar ao fim ou estaremos perante uma nova fase?

O melhoramento dos transportes como a navegação a vapor e os caminhos de ferro da primeira revolução industrial foram cruciais para o aparecimento da globalização moderna. Hoje, a quarta revolução industrial está a criar um modelo novo de globalização que difere dos anteriores porque assenta na descentralização geográfica. O pólo económico centrado num país ou continente que se verificou em cada nova fase da globalização está a ser substituído por um modelo multipolar.  Digitalização e descentralização estão a moldar o novo comércio mundial de forma significativa e a afectar o transporte marítimo. O crescimento da produtividade que as novas tecnologias permitem estão a espalhar o exemplo da Adidas diminuindo as rotas comerciais entre os países desenvolvidos e os mercados emergentes. A comercialização mundial de bens e produtos está a estagnar e a ser substituída por serviços e finalmente o rápido crescimento das plataformas digitais que permite que pequenas empresas com pouco capital entrem em concorrência com sectores tradicionais que assentam em complexas cadeias de custos elevados. Perante rupturas tão rápidas é difícil a sectores que exigem capital intensivo e planeamento de longo prazo, como o transporte marítimo, adaptarem-se para sobreviver. A globalização não morreu, está é diferente e é tempo de reconhecer a mudança para saber agir, consequentemente.



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