Nas últimas semanas de 2016 o consumo nos Estados Unidos teve um aumento significativo. A importação de bens, via contentores, aumentou 7,8% em Dezembro, nos portos de Los Angeles e Long Beach, e de uma forma geral, o aumento das importações em todos os portos foram superiores às expectativas.
Porto de Setúbal

 

 

A forte procura de porta-contentores na época natalícia foi bem-vinda para um sector que viu o preço do frete em mínimos históricos ao longo do ano.

O excesso de capacidade nestes últimos dois anos, tema que estará em discussão no final deste mês na Euromaritime-Eurowaterwys em Paris, Exposição a qual este Jornal é Media Partner, é hoje apontado como uma das principais causas  da queda do preço do frete.

Não obstante, apesar da conjuntura negativa que está a afectar o sector, o operador portuário PSA International conseguiu atingir em 2016 um aumento de 5,5% em volume de contentores movimentados, correspondendo a um total de 67 milhões e 630 mil TEUs movimentados nos portos por si operados em todo o mundo.

Tan Chang Meng, o CEO do Grupo, resumiu o ano de 2016 como um ano particularmente difícil para os portos e para o sector do transporte marítimo da seguinte forma: “we had to grapple with sluggish global trade, week demand for container shipment, sustained excess shipping capacity and depressed freight rates” acrescentando que “the tough business environment is likely to continue into 2017”.

O alívio das últimas semanas de 2016 já se evaporou ao fim dos primeiros quinze dias de 2017 porquanto a chegada, em breve, do Novo Ano Lunar na China, que paralisa a maior parte das fábricas, já está a pressionar novamente o sector.

Por ser um sector de capital intensivo a indústria do transporte marítimo foi tradicionalmente financiada pela banca que agora se vê a braços com uma enorme dificuldade em recuperar o crédito concedido.

Do total dos 400 mil milhões de dólares a que ascende o crédito ao sector, um quarto está nas mãos de Bancos alemães, como o Deutsche Bank, Commerzbank, o estatal NordLB e o HSH Nordbank, o que colectivamente expõe a Banca do país, muito mais que qualquer outro, a um sector em dificuldades.

A deterioração do preço do frete em 2016 e as dificuldades que tendem a persistir em 2017, como Tang Chang Meng resumiu, estão a dificultar os pagamentos.

A par com as incertezas da recuperação do crédito em relação ao sector dos transportes marítimos, a Banca depara-se agora igualmente com novas regras de Basileia III que estão a pressioná-la, exigindo, ou mesmo impondo,  que a indústria de transportes marítimos seja classificada como de “alto risco”, obrigando assim os Bancos a constituírem, consequentemente, mais reservas por cada dólar emprestado.

Depois de ter permitido financiamentos massivos, podemos perguntar porque só agora é que Basileia considera os modelos de cálculo tradicionalmente utilizados pela Banca para avaliar o sector dos transportes marítimos, demasiado optimistas?

Não deixa de ser um mistério, de facto, que os Acordos de Basileia, que regulam os requisitos de capital e liquidez da Banca Comercial, escapem ao escrutínio crítico.

Fundado em Basileia no ano de 1930 com o propósito de gerir os pagamentos das reparações de guerra da Alemanha, o Banco de Pagamentos Internacionais tem hoje como principal missão ser oBbanco dos Bancos Centrais. É a Comissão de Supervisão Bancária de Basileia que elabora os Acordos e embora não tenha poderes para aplicar leis possui uma enorme autoridade na fiscalização e regulação dos Bancos comerciais.

Porque investiram os Bancos europeus milhares de milhões em dívida pública grega quando já era visível a corrupção no país?

Muito provavelmente porque, proporcionando um rendimento mais elevado em relação a outras dívidas do euro, considerado como um investimento sem risco pelas regras de Basileia, também não se exigiam quaisquer reservas de capital.

Porque investiram os Bancos alemães, os chamados Landesbanks, milhares de milhões no subprime norte-americano cuja complexidade não entendiam?

Uma vez mais, muito provavelmente porque, proporcionando um elevado rendimento, para Basileia esses activos eram também considerados de reduzido risco exigindo um capital de reserva de apenas 20%.

A crise veio a revelar como o risco era tão incorrectamente calculado por quem redigia então as regras da Regulação Bancária.

Agora, como disse o CEO da Ardmore Shipping Corp, numa Conferência em Londres, “It seems like the shipbuilding and ship finance sector are…imploding”.

Exagero?

Se compararmos os duzentos mil dólares que graneleiros e petroleiros faziam por dia antes da crise com os dez a quinze mil dólares de hoje talvez não seja.

O ano de 2016 pôs em relevo como o sector dos transportes marítimos arrastou alguns Bancos para mais uma crise pois vai ser difícil, atendendo à conjuntura, a possibilidade de recuperação do dinheiro investido.

Sinal disso mesmo são as provisões que os bancos mais expostos ao sector dos transportes marítimos tiveram de fazer em 2016.

O NordLB, por exemplo, quadruplicou as suas provisões em 2016 referindo exactamente essa razão. O Deutsche Bank atribuiu o aumento em 50% das suas provisões “primarily because of the ongoing market weakness in shipping sector and lower prices in the metal and mining sector”. O HSH Nordbank, em tempos um dos maiores financiadores do sector, teria de triplicar as provisões para 966 milhões de euros em 2016 se não tivesse recebido uma generosa garantia governamental. Graças à garantia as provisões ficaram-se pelos 520 milhões de euros. No Commerzbank o crédito ao sector foi responsável por metade das suas provisões e não surpreende que o banco esteja a tentar reduzir a sua exposição ao transporte marítimo. Outros como o DVB Bank, que saiu incólume da crise de 2008, sofreu fortemente em 2016 pela sua exposição ao sector e vai necessitar de uma injecção de capital.

Os sinais de alarme já começaram a soar.

Um relatório recente do FMI alerta para os riscos da Banca alemã, “especially for Banks involved in the ship industry”. Outros, como Burkhard Lemper, Director do Institute of Shipping Economics and Logistics da Universidade de Bremen, refere que “banks that are exposed to the shipping industry face choppy waters ahead. The plight of shipping continues, because world trade has not developed as positively as hoped…The year 2017 is also unlikely to provide reasons for euphoria, because shipping continues to suffer from large excess capacities…the long crisis affects ship values for banks”.

O problema até já captou inclusive a atenção do BCE e uma das suas prioridades de 2017 vai ser  mesmo “investigation of excessive concentrations of credit risks in certain asset classes, such as ship loans”. E embora os Bancos alemães não sejam directamente mencionados ninguém tem dúvidas que são os mais expostos ao sector.

Desde que Basileia divulgou as novas regras e atulhou os Bancos com a obrigatoriedade de preenchimento de novas pilhas de formulários que no sector dos transportes marítimos se discute alternativas ao financiamento da Banca.

Mas até agora parece estar-se ainda longe, porém, de se passar efectivamente à prática.



Um comentário em “O ano em que os transportes marítimos arrastaram a banca para a crise”

  1. Pedro da Cunha diz:

    Excelente artigo!

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