Portos, canais, navios estão em constante mutação para se adaptarem ao crescimento da contentorização que todos os anos testa novos limites

A relação entre a indústria e a investigação científica das Universidades e conceitos como inovação e invenção – tantas vezes utilizados indistintamente – inundam os discursos políticos como se de uma abordagem nova se tratasse. Pasteur já distinguia a ciência das suas aplicações e, enquanto professor na Universidade de Lille, orientou o ensino e a investigação para as indústrias locais. No século XIX era uma atitude nova mas foram os Alemães que, logo no dealbar do século seguinte, melhor souberam retirar os benefícios dessa mudança. A ligação entre a indústria e os laboratórios de investigação era uma realidade. O grande laboratório da Universidade de Leyden tinha ligações estreitas com a indústria de refrigeração e os institutos de Berlim-Dahlem, fundados em 1911, eram uma consequência do interesse da indústria pesada alemã pela investigação científica. A indústria química e eléctrica, que deviam a sua existência inteiramente à ciência, transformavam cientistas, como os irmãos Siemens, em homens de negócios. Em simultâneo, na América, nascia a poderosa e moderna indústria petrolífera.

O petróleo foi imediatamente aproveitado pela Hamburg-American Line, 1902, que o adoptou em lugar do carvão, logo foi seguida por todas as outras grandes companhias marítimas e pela Marinha das grandes potências europeias. Todavia, seria preciso que o homem inventasse o motor de combustão interna e o famigerado carro para que ficássemos «viciados em petróleo». Porém, não foi na América mas na Alemanha que, graças aos esforços tenazes e independentes de Carl Benz e Gottlieb Daimler, se inventou o primeiro protótipo. A Alemanha inventava o automóvel mas este era caro e um privilégio dos ricos. Caberia a Henry Ford revolucionar o mercado com duas inovações: a criação de um modelo utilitário, o célebre Ford T, produzido nas linhas de montagem em Detroit, e o estabelecimento de uma rede de oficinas de manutenção por todo o país. Iniciava-se a febre motora que nunca mais parou. A Rua Direita da América, a mítica Route 66 era aberta em 1926 e ligava Chicago a Santa Mónica. Na planura desértica do Midwest, as estradas pareciam rectas sem-fim, linhas do destino de quem se fazia à estrada à procura de uma vida melhor. No mundo empresarial o caminho a trilhar era bem mais sinuoso. Assim via o economista Joseph Schumpeter. Para ele, invenção e inovação, embora frequentemente interligados, eram conceitos distintos. Em Business Cycles, 1936, Schumpeter deixava de fora os modelos teóricos para se centrar naquilo que o fascinava – o ciclo, que ele intuía existir, na criação e destruição das empresas. Tentava compreender, porque é que a Grã-Bretanha, pioneira na primeira revolução industrial, perdia a pedalada para entrar na segunda. Observava, por exemplo, como a indústria têxtil britânica, após décadas de prosperidade, era ultrapassada pela Alemanha que importava as suas máquinas mas inovava na organização. Compreendeu também que nas empresas onde a inovação era parte do negócio como na DuPont, General Electric, Eastman Kodak… que criaram centros de investigação com o propósito de desenvolverem novos produtos e processos, o sucesso era uma realidade. Anos de análise permitiram a Schumpeter concluir que a inovação, mais que a invenção, era o verdadeiro motor do crescimento. Em 2012 a Kodak declarou falência. Se do seu centro de investigação saíra a primeira máquina digital, a administração apegada ainda à química não visionou a mudança e a empresa que democratizou a fotografia com o seu inovador processo “Carregue no botão, nós fazemos o resto” entrou em fim de ciclo.

Transporte é movimento e orientação, quer dizer mecânica e astronomia, e o progresso da física moderna nestes dois domínios fomentou o comércio e a navegação. Mas seria a inovação de um agricultor, que revolucionaria até aos nossos dias o comércio e o desenvolvimento da indústria marítima. Em 1937, Malcolm McLean, no porto de Hoboken, New Jersey, aguardava que os fardos de algodão do seu camião fossem carregados no navio. Enquanto esperava verificou que o descarregar e carregar era efectuado peça a peça pelos estivadores. Como disse mais tarde, “fiquei espantado com o que estava a ver, como era possível perder-se tanto tempo e dinheiro”. Criou a SeaLand, a primeira empresa de contentores do mundo que iria transformar completamente o transporte marítimo de mercadorias. Portos, canais, navios estão em constante mutação para se adaptarem ao crescimento da contentorização que todos os anos testa novos limites. Não é repetindo vezes sem conta o lugar comum de que a inovação é a chave do crescimento para que este se torne realidade. Só inova quem ambiciona diz o fundador do Paypal. Portugal deve ambicionar um inovador regresso ao mar.



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