Em seminário sobre oportunidades na economia do mar, Manuel Pinto de Abreu destacou papel do turismo, pesca, aquicultura, energias renováveis e biotecnologia na economia azul portuguesa.

O ex-Secretário de Estado do Mar (2011-2015), Manuel Pinto de Abreu, defendeu recentemente que, no âmbito da economia do mar, Portugal deve apostar num misto de indústrias instaladas e emergentes. Nas primeiras incluiu o turismo, a pesca, a aquicultura e a transformação do pescado; nas segundas, destacou exploração das energias renováveis e de produtos e serviços high-tech, bem como a pesquisa em biotecnologia e recursos não vivos.

O antigo governante fez uma intervenção num seminário promovido nas instalações da Administração do Porto de Lisboa (APL) pela plataforma «Portugal Agora», com o apoio do Jornal da Economia do Mar e da revista Cargo. Embora estivesse prevista a presença da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, e da presidente da APL, Lídia Sequeira, no painel de oradores, nenhuma teve possibilidade de comparecer ou estar representada.

Manuel Pinto Abreu, com base em dados da Conta Satélite do Mar (relativos ao período 2010 a 2013), acentuou o peso do agrupamento em que se inclui o turismo (Recreio, desporto, cultura e turismo), responsável por 35,5% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) e 28,6% do Emprego na economia do mar em Portugal, a qual, por sua vez, representa 3,1% do VAB nacional.

Além da importância que atribuiu ao turismo, notou também o peso de uma actividade tradicional como a pesca, incluída no agrupamento Pesca, aquicultura, transformação e comercialização de pescado, o segundo mais importante, responsável por 25,7% do VAB e 38,8% do Emprego na economia do mar nacional, e o do agrupamento Portos, transportes e logística (o terceiro maior, responsável por 14,5% do VAB e 9,4% do Emprego).

E recordou que o peso do VAB na economia do mar nacional não está distante do de outros países do arco Atlântico, como o Reino Unido (4,25%) ou a França (2,8%), ou mesmo do da Holanda (3,75%).

 

Uma nação marítima

 

Igualmente presente como orador, Gonçalo Magalhães Collaço, Director do Jornal da Economia do Mar, convidado a abordar o tema, «Posicionamento e vantagens competitivas do Mar para Portugal», começou por sustentar ser Portugal uma nação marítima sem consciência de o ser, que se ignora a si mesma enquanto tal, não obstante bastar olhar para um mapa para se perceber tanto sermos essencialmente uma nação Atlântica quanto ser o Atlântico eminentemente um oceano lusófono, «não deixando tal tal inconsciência de ter as mais nefastas e devastadoras consequências». «Tanto mais quanto o Atlântico, apesar da crescente importância relativa do Pacífico, continua a constituir-se como oceano importância económica e geo-estratégica crucial e decisiva, importando sabermos aproveitar tal circunstância».

O mesmo orador sublinhou também que, “como nação marítima, temos características que devemos conhecer”, aludindo à natureza individualista, descentralizadora, comercial e receptiva relativamente a outras culturas e civilizações, que considera serem a essência dos portugueses. “Isto é que é a essência de Portugal, é isto que devemos ser, com tudo quanto tal implica”, destacou.

Gonçalo Magalhães Collaço fez ainda uma reflexão sobre a relação privilegiada que o país deve ter “com a natureza, o ambiente”, mas da qual também «não temos consciência» mas que nos deveria obrigar a sermos os «campeões do ambiente», com todas as vantagens politicas daí decorrentes.

Recordando que há muitos interessados no mar português, o Director do Jornal da Economia do Mar apontou o que considera serem os desafios do futuro, como a «luta» pelos recursos naturais, incluindo energéticos e alimentares, a descarbonização e a digitalização, considerando que o mar estará no centro destes desafios e que Portugal, com uma nação marítima, para lhes responder, necessita apenas de exercitar saber plenamente capacidades que lhe são tão próprias como a de imaginação, ou seja, «a capacidade de relacionar o ideal com a mais imediata realização prática», a capacidade de subir a um visão sistemática do mundo, ou seja, «a capacidade de saber que o que se diz da parte se diz do todo e o que se diz do todo se diz da parte», bem como exercer a sua capacidade única de relacionamento, ou seja, «a capacidade de estabelecer as mais amplas e até talvez inesperadas parcerias, sabendo que nada se faz no isolamento mas, pelo contrário, no concurso da mais vasta conjugação de esforços».

 

Projectos para a economia do mar

 

Partilhando da opinião do Director do Jornal da Economia do Mar sobre os desafios do futuro, a que acrescenta o do conhecimento, Miguel Prado, um dos membros do painel e um dos responsáveis pela In2Sea, empresa dedicada a projectos relacionados com as energias renováveis, aquicultura, robótica oceânica, entre outras áreas, defendeu “um acesso fácil ao mar” em Portugal, ou seja, menos “burocracia deprimente para colocar os pés na água”.

O mesmo responsável defendeu também a redução de custos no acesso ao mar, para o que sugere a diminuição da presença no mar, designadamente, com recurso à robótica e a infra-estruturas submersíveis, que reduzem a despesa e a exposição a tempestades. Ele próprio está envolvido num projecto, por enquanto de destino incerto, de aproveitamento de uma infra-estrutura do Windfloat que permanece inactiva em Sines.

Outro projecto recente relacionado com a economia do mar mencionado no seminário foi o da empresa Oceano Fresco, já referida neste jornal, relacionado com a produção de bivalves, em particular a “amêijoa boa, R. decussatus, a espécie endógena de amêijoa europeia”, como aqui referimos. Um investimento de 3 milhões de euros a cinco anos e a perspectiva de investir 50 milhões a dez anos.

Segundo Andreia Cruz, representante da empresa no seminário, os bivalves representam um mercado global de 19 mil milhões de euros. Neste momento, a empresa está numa fase de prova de conceito (saber se é possível desenvolver a espécie, produzir a sua semente em grandes quantidades e em termos competitivos, distribui-la nos mercados alvo (Europa, Coreia do Sul, Japão, países mediterrânicos) e proteger a sua propriedade intelectual).

Andreia Cruz, todavia, referiu as principais dificuldades com que a empresa se depara no âmbito da sua actividade. Os principais, segundo referiu, são a dificuldade nos processos de licenciamento e o retardamento do anúncio de resultados a candidaturas a programas de financiamento.

Igualmente presente, Pedro Manuel, da Bitcliq, start-up de base tecnológica que desenvolve projectos para a pesca, apresentou a empresa, recordando a solução para gestão de frotas marítimas que apesentou no Gana e a lançou num mercado que hoje chega, além do Gana, a Portugal, Seychelles, França, Estados Unidos e, graças a uma parceria com um operador internacional de satélites, à Ásia.

Pedro Manuel revelou também que em 2016 a Bitcliq foi cobiçada por outras empresas do sector, mas que as propostas foram recusadas.

Outro dos membros do painel, Rui Baptista, da Galp Energia, sublinhou que apesar do desenvolvimento das energias renováveis, as soluções actualmente disponíveis ainda não asseguram o cumprimento dos objectivos de sustentabilidade ambiental global definidos na Conferência de Paris de 2015 (COP 21). Segundo notou, por enquanto, os hidrocarbonetos continuarão a desempenhar um papel maioritário no abastecimento energético mundial.

Recordou que “continua a existir uma procura de licenças para pesquisa e exploração e hidrocarbonetos” e que a Alemanha substituiu recentemente as centrais nucleares, que se tornaram novamente uma bête-noir do sistema energético depois do acidente de Fukushima, no Japão, por centrais a carvão. Além disso, “até 2035, as renováveis só vão satisfazer 17% do aumento do consumo energético”, referiu, acrescentando que o gás e o petróleo de xisto assegurarão 20% e que os recursos convencionais garantirão o consumo restante.

Nuno Coelho, CEO da Algafuel, também presente, dedicou uma parte da sua intervenção à apresentação do que considera serem os benefícios das microalgas, “seres simples e primitivos que estão na Terra há 3 ou 4 mil milhões de anos e são responsáveis por termos um ambiente respirável”, e que são uma área de trabalho da empresa. Adiantou que a Algafuel deverá atingir um volume de 3 milhões de euros em 2017.

Aproveitou também para fazer referência a uma parceria com a Solvay, de que resultou um projecto novo para um parque de cultura para a produção de microalgas (600 toneladas anuais em velocidade de cruzeiro). São 14 hectares, com um investimento de 22 milhões de euros, que deverão gerar 100 postos de trabalho e um volume de negócios de 10 milhões de euros anuais.

O seminário contou ainda com as intervenções de José Cândido, da Wavec, que falou da associação, dedicada à consultoria e desenvolvimento de projectos de energias renováveis, e de Nuno Cunha, da AAVANZ, empresa de consultoria em inovação especializada em financiamento de projectos de PMEs e start-ups, que apresentou um quadro dos programas de apoio financeiro a iniciativas relacionadas com a economia do mar.



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