Um Tempo Novo para Sines

Não obstante o inegável sucesso do terminal de contentores de Sines, que cresceu de 3.000 teus por mês em 2004 para 100.000 em 2015, o seu potencial ainda está muito longe de ser alcançado. Recorde-se que a proposta de valor de Sines assenta em três pilares: (i) servir o mercado português com escalas diretas, (ii) oferecer serviços de transbordo competitivos, que justifiquem economicamente as escalas diretas, e (iii) potenciar um “cluster” logístico gerador de fluxos de carga. É em relação a este último que ainda está quase tudo por fazer.

As vantagens competitivas do porto de Sines são bem conhecidas, desde a sua localização geoestratégica ao acesso marítimo sem restrições, à Janela Única Portuária, etc. É servido pelos dois maiores operadores marítimos do mundo, Maersk e MSC (Aliança M2) e é o porto ibérico com a ligação mais rápida ao Extremo Oriente (25 dias a Xangai e 17 dias a Singapura). A Zona Industrial e Logística de Sines (ZILS) dispõe de uma área de 4.200 hectares, parcialmente infraestruturada e ainda muito pouco ocupada.

Com todas estas vantagens competitivas, porque razão ainda não nasceu um “cluster” logístico em Sines? Para encontrarmos a resposta é útil perceber como nasceu a PLAZA em Zaragoza, hoje o maior parque logístico da Europa.

Em 2000 o Governo de Aragão tomou consciência de que a economia regional estava demasiado dependente da indústria automóvel e decidiu apostar na criação dum parque logístico, tirando partido da localização privilegiada de Zaragoza no triângulo Madrid – Barcelona – Bilbao. Por feliz coincidência, a Inditex (companhia-mãe da Zara) preparava-se para instalar em Barcelona um novo centro de distribuição com uma área gigantesca de 120.000 m2. Sabendo disso, o Governo Regional de Aragão e o Governo Municipal de Zaragoza uniram forças e ofereceram à Inditex condições imbatíveis, que a levou a instalar-se na PLAZA como primeiro cliente âncora.

Hoje a PLAZA ocupa uma área de 1.300 ha e aloja mais de 150 empresas, incluindo os principais operadores logísticos ibéricos. É também a sede do Instituto Universitário de Investigação em Logística, em parceria com o MIT.

A história de sucesso da PLAZA é relatada em pormenor por Yossi Sheffi, professor do MIT que assessorou o Governo de Aragão, no seu livro seminal “Logistics Clusters”, onde conclui que a PLAZA não existiria hoje sem o investimento e envolvimento ativo do governo ao nível regional e municipal. Este conceito de “Estado empreendedor” vai contra a sabedoria convencional que defende que se deve deixar o investimento, a inovação e o empreendedorismo para o setor privado. Na verdade, sem o pioneirismo do Estado não existiria a PLAZA, como não existiriam muitos outros clusters como Silicon Valley, Roterdão e Singapura. O mito de que o envolvimento do Estado na economia deve resumir-se a corrigir as “falhas do mercado” é amplamente desmascarado por estes e muitos outros casos de estudo. Para os mais cépticos recomendo a leitura do livro “The Entrepreneurial State” de Mariana Mazzucato.

Voltando a Sines, tenho fundadas esperanças que a proposta de valor que presidiu ao investimento público e privado no terminal de contentores seja concretizada com o desenvolvimento dum cluster logístico de nível mundial, cabendo ao Estado dar o pontapé de partida. A estratégia é elementar: atrair o primeiro cliente âncora.



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