Em boa hora, a administração conjunta dos portos de Lisboa e de Setúbal-Sesimbra contratou um consultor reputado para assessorar a elaboração dum plano estratégico “articulado” (não necessariamente “integrado”) para os dois portos.
Inevitavelmente, a questão dos serviços de linhas regulares, particularmente de contentores, está na ordem do dia. Como se sabe, o sucesso do terminal de contentores de Sines (Terminal XXI) deu origem a uma onda de projectos concorrentes em Lisboa, numa clássica manifestação do síndroma de “Pony Express”[1]. Felizmente, o Governo afirmou que só avançará com qualquer projecto se houver investimento privado. Para se entender o que está em jogo, é útil colocar em perspectiva os investimentos e custos operacionais das várias alternativas.
Começando pelo investimento, há que considerar os acessos marítimos e terrestres, as infra-estruturas e o equipamento. Os dois primeiros são investimentos públicos com um longo período de amortização, cuja bondade não deve ser contestada – é para isso mesmo que deve servir o Estado. Já o investimento nos dois últimos é determinante para a sustentabilidade financeira do projecto, pois afecta diretamente os resultados da exploração. Tipicamente, a amortização do investimento representa 35 a 45 porcento dos custos operacionais, dependendo de vários factores incluindo o período da concessão da operação portuária. Sabe-se, por exemplo, que a PSA Sines propôs aumentar a capacidade do Terminal XXI em 1 milhão de teus/ano com um orçamento estimado de € 100 milhões, a que se soma o investimento da APS no prolongamento do quebra-mar, na ordem dos € 30 milhões. Assim, o investimento total é de € 130 milhões ou €130/teu, valor muito competitivo no quadro internacional, dificilmente alcançável em Lisboa na expansão dos terminais existentes e, muito menos, na construção de novos terminais.
No que respeita aos custos operacionais é crucial ter em atenção o efeito de escala. A experiência mostra que a regra de ouro da Boston Consultant Group também se aplica a terminais portuários: quando se duplica a capacidade duma unidade de produção, reduz-se o custo unitário em cerca de 30%. Assim, em igualdade de condições, é preferível expandir a capacidade dum terminal do que construir um novo terminal.
Actualmente, a capacidade dos terminais de contentores de Lisboa, calculada em 860.000 teus/ano, excede em cerca de 50% o tráfego portuário, pelo que qualquer aumento de capacidade implicará um desnecessário aumento de custos, a menos que haja um aumento substancial de tráfego ou o encerramento de um ou mais terminais. Não é difícil perceber que o potencial de crescimento do tráfego do porto de Lisboa é determinado pelo crescimento económico do seu “hinterland” natural, que se limita à região da Grande Lisboa e à Estremadura espanhola. Existe quem advogue um aumento substancial de tráfego com base em cargas de transbordo e na ligação a Madrid. Nem aquelas nem esta são credíveis tendo em atenção a capacidade instalada em portos espanhóis mais próximos de Madrid e também em Sines. Mais interessante será racionalizar a capacidade do porto de Lisboa, preferivelmente consolidando as operações num único local com boas acessibilidades marítimas e terrestres e com uma frente marítima ampla, que permita crescimento a longo prazo. Neste contexto, o Barreiro poderá ser uma excelente alternativa se for possível assegurar a profundidade e estabilidade do acesso marítimo. Em tese, a desvantagem da localização do Barreiro na margem Sul do Tejo, oposta aos principais centros de distribuição que servem a Grande Lisboa (com grande concentração na eixo Bobadela – Azambuja), poderá ser reduzida ou mesmo eliminada com a potenciação do transporte fluvial entre o Barreiro e o anunciado terminal fluvial de Castanheira do Ribatejo, ou outro semelhante na margem Norte do Tejo.
Anunciam-se tempos animados para o porto de Lisboa.
[1] A introdução do telégrafo nos EUA em 1861 ameaçou de morte o serviço de correio a cavalo entre as duas costas. A “Pony Express” reagiu reforçando o serviço com mais cavaleiros e mais trocas de cavalos, um esforço condenado ao fracasso.