Recentemente, um periódico de referência anunciava que “cerca de metade da frota mundial de navios mercantes navega com bandeiras de cinco países: Grécia, Japão, China, Alemanha e Singapura”, e logo a seguir: ”já no que respeita ao número de registos, são as bandeiras do Panamá, Libéria, Ilhas Marshall, Hong Kong e Singapura as que acumulam um maior número de embarcações”.
Se está confuso/a foi porque leu com atenção. A notícia pretendia dizer que “a Grécia é o país com a maior frota de navios mercantes controlada por empresas residentes, enquanto o Panamá é o país com a maior frota de navios mercantes registados.” Não por acaso, a Grécia é o principal suporte do registo do Panamá.
Na origem desta confusão, aliás muito comum, está o desconhecimento da cadeia de valor no transporte marítimo, tema deste breve texto.
A cadeia de valor começa necessariamente pelo cliente que pretende contratar um serviço de transporte. Para isso procura um operador marítimo, tipicamente através dum intermediário (agente, transitário ou corretor, para o caso não interessa). O operador marítimo oferece serviços de transporte em navios próprios ou de terceiros e aqui surge a primeira fonte de confusão. Os navios são obrigatoriamente registados pelo seu proprietário (“shipowner” em inglês), que deveria corresponder, mas não corresponde na lei portuguesa, a armador. Porquê?
O Decreto-Lei 196/98, que regula a atividade dos transportes marítimos, define o armador como “aquele que, no exercício de uma actividade de transporte marítimo, explora navios de comércio próprios ou de terceiros, como afretador a tempo ou em casco nu, com ou sem opção de compra, ou como locatário”. É uma definição infeliz porque mistura a figura do armador, responsável pelo registo do navio, com a do afretador a tempo que apenas aluga temporariamente o navio, sem qualquer responsabilidade de registo do mesmo. Para evitar confusões vamos traduzir “shipowner” por dono do navio. Adiante.
O dono do navio é responsável pelo registo do navio que pode ser localizado, ou não, no país em que o dono está sediado. Há grande concorrência internacional para atrair tanto os donos como os navios. Por razões fiscais e de mitigação de risco, o dono raramente é o proprietário final do navio (“beneficial owner” em inglês). Tipicamente, o dono é sediado num paraíso fiscal que pode coincidir, ou não, com o país de registo do navio. Alguns registos, como o do Panamá, favorecem a co-localização do dono, enquanto outros, como o MAR (registo da Madeira), não o fazem.
Naturalmente, o dono é o beneficiário dos resultados de exploração da frota própria e afretada, exemptos de impostos em paraísos fiscais. Mais cedo ou mais tarde o proprietário final (dono do dono, por assim dizer) quer ter acesso a esse pecunio, tipicamente através de dividendos. Presumindo que está sediado num país em que os dividendos são tributados e que não recorre a meios ilícitos (i.e. lavagem de dinheiro, prática felizmente cada vez mais difícil) irá pagar o correspondente imposto. Há cerca de 60 anos, a Grécia, onde estão sediados os proprietários finais da maior frota de navios mercantes, decidiu instituir o imposto de tonelagem (“tonnage tax”) para reduzir o imposto sobre dividendos da atividade de transporte marítimo, assim incentivando a residência dos ditos proprietários em território grego. Note-se que este benefício é condicionado à gestão efectiva (estratégica e operacional) da frota pelo seu proprietário. Em 2004, certamente por pressão da Grécia, mas não só, a UE passou a admitir o imposto de tonelagem (com algumas restrições em relação ao regime de registo dos navios), que rapidamente foi adoptado em todos os países marítimos. Excepto Portugal. Felizmente, esta falha incompreensível está em vias de ser corrigida com a introdução de uma proposta de lei recentemente submetida à Assembleia da República.
Para aqueles que, como eu, acreditam que Portugal tem condições excepcionais para se tornar um grande centro de “shipping” internacional, a introdução do imposto de tonelagem constitui uma oportunidade histórica que urge aproveitar.
Prezado Engenheiro,
Quem sabe, sabe.
Continue a difundir a educação marítima que muita falta faz num País que já foi de marinheiros.
Com saudações marítimas, unidos pelo Mar,
Joaquim B. Saltão
Obrigado Joaquim Saltão, fico muito sensibilizado.
Abraço
Jorge