A cultura estratégica, que inclui a prospetiva, tem estado, à evidência, ausente da cultura política, pois as atenções não se têm aplicado ao grau de interesse que importaria ter, e isto é manifesto no discurso e nas políticas aplicadas. 

O Mar, um dos nossos maiores ativos geopolíticos e geoestratégicos, e maior recurso económico, terá de ser assim entendido para serem realizadas suas potencialidades. As políticas que têm o Mar como perspetiva estão longe de haver desenvolvido o seu potencial social, económico e estratégico para o País.

Acender esta «consciência de si» em Portugal, enquanto Nação Marítima, está em direta proporção com o potencial interpretativo requerido para nos conduzir a uma melhor e maior soberania, isto é, a uma maior liberdade de escolhas.

A política com pouca consciência desta Nação Marítima vogará apenas. A Nação Marítima que é, e é para ser Portugal, requer uma «transmutação de visão e atitude». É para uma convolação, uma alteração qualitativa no modo de pensar Portugal pelo Mar que vos convoco. E não há, a partir daqui, qualquer tipo de escusa para não colocar na vanguarda das ciências, técnicas e políticas as várias vertentes de intervenção necessárias e que já estão claramente explícitas e explicadas.

Saliente-se também a importância da cultura estratégica, especialmente oportuna para considerar a compreensão do Mar como Desígnio Nacional. Uma perspetiva que começa a ser elaborada desde 2004 com o Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, a seguir, em 2009, com o Hypercluster da Economia do Mar de Ernâni Lopes, e ainda depois com a Estratégia Nacional para o Mar 2013/2010, ainda além destas preocupações foi continuada a ser sublinhada pela Diretriz Estratégica EMGFA 2018-2021, e também surgiu a Estratégia 2020-2030, apaixonadamente escrita, por pessoa de minha simpatia, mas, infelizmente não revista, tantas são as repetições de medidas e a gralhas injustas, para que se veja que é trabalho de um homem só…algo muito revelador do interesse deste Executivo…Mas, pior, esta suposta estratégia 20-30 é mais um grosso volume de medidas, mas sem a obviamente necessária cascata estratégica dessas medidas.

Deixou-se politicamente, repito, politicamente, de sermos plenamente atuantes, quanto mais actantes… do Portugal Autor Relevante, síntese de nossa Estratégia Nacional, isto é, sermos protagonistas para o qual se apresentam hoje como sempre variadíssimas disposições nesse sentido. Não que não tenhamos lutado e muito bem, de facto, por esse estatuto, mas sem o mar nele.

A cultura estratégica, que inclui a prospetiva, tem estado, à evidência, ausente da cultura política, pois as atenções não se têm aplicado ao grau de interesse que importaria ter, e isto é manifesto no discurso e nas políticas aplicadas. Todavia, esta é uma situação, a ausência de cultura estratégica, que Graham Allison (Destined for War: 2017), do Belfer Center for Science and International Affairs, Harvard, refere com assombro, indicando inclusivamente que departamentos de Estado dos EUA não a têm, que teriam de ter necessariamente essa cultura e essa preocupação como obrigação central. A ocupação da macro com a micro-política não olha para o paradigma… Não podemos afirmar, pois, que seja este um problema português. Mas, por isto, mais premente se torna que não nos atrasemos, mas antes nos adiantemos no diálogo europeu e internacional e mais contribuamos.

Tampouco se organizam os cérebros que temos nestas áreas, e que são, a meu pessoal entender, muito bons, credíveis internacionalmente e bastantes, mas andam dispersos e com objetivos apenas de interesse  nacional, mas sem organização para que se possa elaborar uma frente intelectual portuguesa para a nossa intervenção propositiva. Não refiro que será necessário um acordo comum de ideias e estratégias, digo é que, se o nem estamos a aproveitar o que há, a leitura fica-se pela Academia…, pelos estudantes apenas, não chega ao intelecto político.

A nossa tradição marítima afirma-nos como mestres de um pensamento global, sem interferência tanto quanto possível em regimes locais, e noutras condições, com direito português adaptado à cultura local, sobretudo olhando para o mundo e como ele veio a ser (com D.João III já sem Mare Nostrum), pois foi necessária cultural e politicamente, científica e empiristicamente a nossa dedicação plena para a reconfiguração da interconetividade europeia e mundial.

Não tenhamos, pois, quaisquer reservas em pensar o mar no interesse estratégico do País que, nunca poderá ser alheio aos interesses de uma estratégia globalizante. Já assim fomos, e somos, e temos de ser, enquanto sempre tivemos e temos o mar como nosso horizonte mais longo e profundo.

A profundidade temporal nas conexões que persistem,  numa Europa política de poderes senão conflituantes e  sempre com objetivos específicos diferenciados como nacionais, são bastante alerta para tentar proporcionar homogeneidade a uma Estratégia Portuguesa para o Mar – mas, em acção consequente;

Saliente-se pois essa relevante função para todos os sectores de criação de valor neste sentido. Os nossos constrangimentos financeiros foram ultrapassados de formas criativas em várias intervenções, e não menos importante, urge superar o constrangimento dos 2% do PIB atribuídos às Forças Armadas, e além de nossas vanguardas, também com as ideias há muito expostas pelo saudoso General Loureiro dos Santos e outros. Considere-se em adenda que, já hoje o estado da Economia de Defesa monta já 5% de nossas exportações.

Algo de facto se realizou neste sentido, mas a continuidade dessa ação estacionou, e nem os 2% do PIB há anos e anos se alcançou, na ânsia de redistribuir sem criar, e redistribuir muito acima da conveniência financeira, enfim, por puro eleitoralismo e popularidade imediata. Não podemos, por falta de imaginação, ou, pior, por inação, ficarmos por enunciados otimistas sem abranger de fundo a projeção que o mar nos propicia, interna e externamente. Sem que se assumam, objetivos estrategicamente expostos em cascata, e se os evidencie monitorizados, a obra não produz resultados. 

Os desfechos das situações-problema não são infinitos, dependem em ¾ de nós e os demais ¼ à providência: facto científico. Entre a assertividade dos factos e argumentos trata-se de fazer emergir um estilo consonante os objetivos. A elaboração teórica necessária à constituição de «Consciência Estratégica» e «Consciência Marítima» de Portugal, com a devida inteligência de informações para tomadas de decisão, pelo conhecimento do pulsar do desenvolvimento das conjunturas que influenciam as decisões acertadas, em relevo daqui se parte ao que sucede no País, ou não sucede, no desenvolvimento das conjunturas globais. Os EUA têm atualmente 200 missões comerciais sobretudo na zona do índico-pacífico. E nós? Quantas temos? Duas ou três…? E não se compare a grandeza de riqueza, pois esta elabora-se é com o trabalho e com as relações de pessoas com pessoas. Também temos massa crítica para 200 missões, nas consultoras e etc. Não inventemos desculpas que não as há. O nosso potencial humano é quem está desaproveitado e é o nosso maior recurso!

Começa a explicitar-se a situação política diretamente causada por apriorismos político-ideológicos, tornando o nível de capacidade prospetiva errónea ou ineficaz. Contudo, a posição teórica fundamental pode ser, a meu ver, extraída dos princípios históricos de uma análise do potencial português, de seu modo privilegiado de atuação, dando a conhecer os seus pressupostos de vantagem, da análise dos limites atuais, assim como das incongruências entre o planeado voluntarista e o executado que é a enorme carga que temos tido de suportar.

Algumas das posições fundamentais, teóricas, penso serem as seguintes: O potencial e o incremento do potencial marítimo apenas serve o País com execução estratégica, paulatina e transversal, a todos os fatores intervenientes, económicos, geopolíticos, militares. Portugal ganha mais soberania e, pois, liberdade e responsabilidade, pelo Mar. É o Mar que permitirá alavancar significativamente, e renovar, a economia, pelo crescimento económico (estimado há muito, em 2009, num acréscimo de pelo menos mais 12% do PIB) e, além disso, a mobilidade social que proporciona, pois as tarefas relacionadas com o mar são transversais a todos os sectores e formações.



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