Tempos interessantes _ é o que hoje se ouve dizer. E está certo. Tempos interessantes os que estamos vivendo, sem dúvida. Estranhos, algo confusos, mesmo esquisitos, por vezes? Também. Mas interessantes e, acima de tudo, que, muito indiscutivelmente, muito nos fazem sorrir.

Todos sabemos como os eflúvios etílicos tendem, por vezes, a desfocar-nos a imediata visão do mundo. O que nem todos nos apercebemos é como a febre e embriaguez da acção tende a fazer o mesmo. E em ambos os casos, a consciência disso, a consciência da súbita e momentânea cisão entre a realidade e a consciência dessa mesma realidade, com plena consciência disso, faz, naturalmente, sorrir.

Entramos, Quarta-feira passada, 15 de Fevereiro, de 2017, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, para assistirmos à apresentação do Programa Mare Startup e Prémio Mare Inov Montepio quando, logo a abrir, surpreendidos somos pelas palavras de regozijo da respectiva Magnífica Reitora por se encontrar a sua Universidade em perfeita sintonia com o Governo de Portugal e a União Europeia, pelo menos, no que às políticas, preceitos e formação no que aos Assuntos do Mar respeita.

Sim, pode-se sempre argumentar terem sido tais palavras proferidas numa sessão presidida pela Senhora Ministra do Mar, devendo assim entender-se as mesmas, sobretudo como expressão de consideração e cortesia, e nada mais.

Sim, pode-se argumentar, compreender e até aceitar, mas não deixa de fazer sorrir.

Não deveria ser exactamente o inverso?

Afinal, a menos que se entenda constituir primordial finalidade da Universidade a preparação de muito probos futuros Funcionários Públicos, ou  não menos briosos Funcionários da União Europeia, não seria antes de esperar que, em expressão daquela autonomia de alma, independência de pensamento e liberdade de espírito, decisivas prerrogativas  que deveriam ser sempre a principal característica da Universidade, não deveriam a Universidade e a Magnífica Reitora regozijarem-se apenas e tão só quando vissem o Governo e a União Europeia seguirem os seus preceitos, doutrina e visão no que à evolução do Homem e do Mundo respeita, mesmo que apenas dos Assuntos do Mar se esteja, tão só, especificamente a tratar?

Aparentemente, assim se nos afigura, mas quem somos nós para dizer seja o que for, além de expressarmos um franco, genuíno e retemperador sorriso?

Reflectindo um pouco, porém, podemos até perceber que, encontrando-se entre as maiores e mais graves preocupações da actualidade, assuntos como a ascensão do «populismo» ou da dita nova era da «pós-verdade», e verificando nós não o generoso afã de alguns dos nossos mais doutos, melhor preparados e mais profusamente ilustrados professores universitário a desdobrarem-se, sem descanso, nas mais eruditas e prolíficas explanação sobre a origem e causa de tão abstrusos fenómenos, também reconhecemos com facilidade que, frente a tão instantes, tão dramáticas e cruciais preocupações, tudo o mais deva recuar e empalidecer.

Independentemente de muitos dos argumentos usados na defesa das suas teses das eventuais causa e origem dos novos fenómenos aparentarem quase directo decalque de teses defendidas por figuras de outros tempos, como um Agostinho de Macedo e um Acúrsio das Neves, ou mesmo de outras mais recentes, como António Sardinha ou um Alberto de Monsaraz, entre alguns mais que já poucos lerão ou saberão sequer quem foram, quanto defendido, em conclusão, afigura-se  irrefutável _ se é que bem entendemos quanto dito, evidentemente. E se bem entendemos quanto dito, a muito surpreendente e original tese afigura-se ser tudo se dever, primordial e decisivamente, à já muito proverbial ingénua ignorância e desolada falta de instrução de todos quantos se inserem e dão pelo colectivo nome de povo que, de facto e manifestamente, pouco instruídos, muito parcos de formação, sobretudo universitária, e também de adequada informação, sem capacidade, por conseguinte, de distinção entre uma opinião apenas opinião e uma opinião devidamente fundamentada, se transportam e se transformam  rapidamente num imenso perigo, tal como, desde sempre, um imenso perigo sempre foram enquanto povo, simples títeres às mãos, ou, no caso, talvez mais rigorosamente dito, às palavras dos piores demagogos que chegam sempre inesperadamente não se sabe nunca exactamente de onde.

Não empalidece também, consequentemente todo o sorriso, e tudo quanto mais seja, frente a estas tão mais sérias, graves e tremendas questões?

Forçoso é que assim suceda.

Todavia, ó insensível e insana temeridade: não é que o mesmo sorriso de sempre, permanece, impassível?…

Pelos idos dos anos 90 do Século passado, Manuel Maria Carrilho, mais tarde Ministro da Cultura do Governo de António Guterres, independentemente de muito se queixar então de ser pouco lido pelos seus pares e, supõe-se, eventualmente, também pelo público em geral, fez publicar no entanto uma pequena mas muito significativa, e bem exposta, obra, intitulada, exactamente, «Filosofia».

Estava-se pelos anos de 1994 e, nessa pequena mas muito significativa obra, sublinhamos, Manuel Maria Carrilho teve como principal intuito apresentar, defender e exaltar uma linha de pensamento, se assim podemos dizer, que, partindo de Kant, desaguava nas teses, então muito em voga, como ainda actualmente, do que viria a ser designado como Neopragramatismo, tendo então expoente máximo o filósofo norte-americano, Richard Rorty, que, por feliz coincidência, via nesse mesmo ano ser publicada, em tradução nacional, a sua obra, «Contingência, Ironia e Solidariedade», na Editorial Presença.

Feliz coincidência, reforçamos, porquanto, a par da obra de Manuel Maria Carrilho, o livro de Richard Rorty, enquanto principal doutrinador, defensor e divulgador dessa mesma nova corrente que ficou para a História conhecida como Neopragmatismo, não pode nem deve deixar de ser lido com o mesmo atento cuidado da primeira, senão mesmo ainda com mais, se possível.

O que nos diz e ensina de tão significativo Richard Rorty?

Procurando temerariamente sintetizar sem deturpar, ensina-nos Richard Rorty que devemos, antes de mais, partir dos seguintes pressupostos: repúdio da verdade enquanto verdade, ou enquanto princípio, resquício de uma passado metafísico dado já como terminado; recusa de todo o pensamento enquanto pensamento, ou de todo o verdadeiro pensamento que é sempre pensamento da verdade, dado já como impossível uma vez repudiada toda a verdade enquanto verdade, ou enquanto princípio; substituição da lógica, de toda a lógica enquanto lógica, órgão do pensamento, pela retórica, mais contando e valendo assim, na actualidade, a literatura do que a filosofia.

Ensina-nos ainda Rorty que o que sabemos e podemos dizer do mundo não depende senão de convicções pessoais, mais não correspondendo tudo senão a meras narrativas ou, no limite, a meros jogos de palavras, não havendo nem fazendo sentido qualquer continuidade entre pensamento, acção e realidade, uma vez verificar-se igualmente estabelecida uma cisão radical entre o privado e o público, domínio da filosofia no primeiro caso, mas tão só enquanto assunto de estrito e exclusivo foro pessoal e sem qualquer essencial vínculo ao segundo, o domínio da «socialização» por excelência, realizada através do estabelecimento e assunção de uma linguagem comum de forma a permitir uma acção conjunta, não obstante  manter-se cada um perfeitamente enclausurado na sua teia de crenças e desejos próprios.

Qual o principal intuito de Rorty?

Estabelecer «uma cultura historicista e nominalista» «adoptando narrativas que liguem o presente ao passado, por um lado, e a utopias futuras, por outro». E, mais importante, vê igualmente «a realização de utopias e a concepção de outras utopias como um processo infindável _ uma realização infindável e prolífera da Liberdade, e não uma convergência para uma Verdade já existente».

Bastante explícito.

Em todo o corpo doutrinário de Richard Rorty, se é lícita tal expressão, há apenas um interdito, o interdito da violência, da crueldade que, verdadeiramente, sempre conduz e significa uma intolerável humilhação: «Não é só pelo facto de sermos humanos que temos um vínculo comum. É que aquilo que temos em comum com todos os outros humanos é a mesma coisa que temos que temos com todos os outros animais _ a capacidade para sentir dor».

Dor, no plano prático, humano, sempre infligida através da violência de terceiros para a conduzir à humilhação, ou seja, à incapacidade de cada um poder reconstituir a sua própria história, a sua própria narrativa.

Para além disso, um último aspecto que talvez importe considerar, Rorty vê-se como um liberal ironista. Liberal, no sentido norte-americano da expressão, mais socialista do que, evidentemente, liberal à europeia, e ironista porquanto tudo não passando senão, para além da humilhação, de meros jogos de palavras, se vê como alguém que «tem dúvidas sobre o seu próprio vocabulário final, a sua própria identidade moral e talvez sobre a sua sanidade…»

Na mais plena liberdade ironista rortyna, tudo são jogos, jogos de palavras e tão só meros jogos de palavras, com o exclusivo interdido da humilhação. E quanto ao mais, que cada um seja feliz à sua maneira, inventando utopias ou o que bem entender.

… Talvez contem os resultados económicos, sem os quais lá se vão todas as utopias, mas não é certo e nada é dito especificamente que assim seja realmente.

Tempos interessantes.

Olhamos para Portugal desde 1994 e logo vem à memória, espontaneamente, como é evidente, António Guterres e as suas «convicções» , José Sócrates e as suas «narrativas», António Costa e os seus «jogos de palavras» e «legítimas utopias», bem como, cúpula das cúpulas, Marcelo Rebelo de Sousa e a sua distribuição de «afectos», para evitar a «crispação», antecâmara ou eventual mitigada forma de mais aberta«violência», e, acima de tudo, por certo, qualquer possibilidade de «humilhação». E sabemos como são as emoções que, afinal, movem o mundo….

Tempos interessantes. Não é de sorrir às bem-aventuranças do Neopragmatismo que nos inunda de liberdade e felicidade?

O diabo é que parece andar tudo ligado, como lembraria talvez alguém…

E voltando a reflectir sobre a Universidade, em particular, sobre a Universidade Católica Portuguesa, no Programa Mare Startup, no Prémio Mare Inov Montepio, ou ainda  e até no próprio PAEM (Programa Avançado em Estudos do Mar), não deixando de reconhecer todo seu mérito, vindo-nos à memória o facto de todos esses programas e projectos se encontrarem inseridos no Instituto de Estudos Políticos da mesma Universidade, superiormente dirigido por Carlos Espada, impossível não voltamos a sorrir.

Quem é, afinal e manifestamente, a respectiva figura tutelar, institucionalmente consagrada do mesmo Instituo?

D. Dinis, a quem devemos a nossa independência cultural e o Almirantado?

D. Duarte, a quem devemos a nossa independência espiritual e o decisivo avanço para os Descobrimentos?

O próprio Infante D. Henrique, a quem devemos a grande aventura?

D. João II, a quem devemos o estabelecimento e desenvolvimento de um dos mais notáveis feitos estratégicos alguma vez realizados no mundo?

D. João de Castro, essa notável figura de guerreiro, estratega, nauta e escritor?

Serafim de Freitas, a quem devemos a primeira grande defesa jurídica internacional do nosso mar?

Padre Fernando Oliveira, a quem devemos o primeiro tratado mundial da Arte da Guerra no Mar?

Padre António Vieira, a quem devemos a mais perfeita compreensão da singularidade da nossa obra de colonização de novas terras e novos povos, com especial destaque para o Brasil, para além da visão única dos sagrados destinos de Portugal?

Um Visconde de Santarém, um Joaquim Bensaúde, um Jaime Cortesão, a quem devemos, entre outros, a demonstração plena da prioridade e singularidade dos Descobrimentos Portugueses, corrigindo todos os disparates ditos mundo fora com explícita intenção de denegrir Portugal e a nossa singular História?

Um dos nossos grandes navegadores, de Bartolomeu Dias a Vasco da Gama ou a um Pedro Álvares Cabral, como legítimo e plenamente justificável seriam tantas outras figuras?

Não, como de vários modos se pode com facilidade perceber, a grande figura tutelar é, de facto, mas talvez naturalmente, essa grande e notável figura de Português tão extremoso e  piedoso Católico que foi Winston Churchill!…

É compreensível.

Winston Churchill é merecedor, indiscutivelmeente, de todo o nosso maior apreço, reconhecimento e mais alta admiração, pertencendo como pertenceu, ainda por cima, a uma nação que, desde os idos da Magna Carta, sempre se manifestou a mais democrática, a mais pacífica e mais harmoniosa do mundo, não tendo conhecido nunca perseguições religiosas, falsas superstições, queima de bruxas, nem muito menos, essa terrível ideia de um possível regicídio, para além da vantagem adicional, evidentemente, de nunca se ter reivindicado como neopragmático.

Nada disso tem grande importância?

Não, nada disso tem grande importância, como nada, hoje em dia, tem ou é atribuída grande importância.

Mas não deixa de fazer sorrir, como a leitura do Expresso do último fim-de-semana também não deixou de nos fazer sorrir, e mais uma vez ainda, com a mais sincera e natural espontaneidade.

De facto, algures no tempo, decidiu o Ministro da Defesa de Portugal dar a saber ao mundo, ir propor aos Estados Unidos, em nome de Portugal, imagina-se, a instalação de uma Base Aeronaval nas Lajes, bem como, adicionalmente, a eventual constituição de um Centro de Segurança Atlântico, também nos Açores, vindo a correspondente notícia publicada no Expresso do último fim-de-semana, pela jornalista Luísa Meireles.

Porque faz sorrir tão séria notícia?…

Faz sorrir a notícia porque, depois do aqui se escreveu no anterior Editorial sobre o Atlântico, vermos o Ministro da Defesa de Portugal passar com decidida determinação aos actos?

Porque, ainda por cima, diz o Ministro, como nos informa Luísa Meireles, com o rigor que a caracteriza, ser essa uma «proposta inovadora», deduzindo nós ser impossível aos Estados Unidos recusarem uma tal proposta, seja ela qual for, sendo uma «proposta de valor inovadora», como hoje se diz, sendo isso vantajoso para nós, Portugal?

Em todo o caso, algo semelhante, embora em diferente desenvolvimento, não foi já proposto ao Governo de Portugal, há mais de dez anos, era ainda Director da DGPDM, o Embaixador Paulo Vizeu Pinheiro?

Foi. Mas, além de ter um diferente enquadramento e um desenvolvimento a ser desdobrado em quatro diferentes momentos, não foi, evidentemente, logo feita aos Estados Unidos nem, muito menos ainda, talvez nem se pudesse considerar uma verdadeira «proposta inovadora», estando assim, por conseguinte, de acordo com os novos critérios, votada, por natureza e com toda a certeza, ao fracasso.

Para além disso, visava a dita proposta, num primeiro momento, a instalação, em Cabo Verde, de uma Agência Lusófona para a Monitorização do Atlântico, a ser criada no âmbito da CPLP, sob Direcção de Cabo Verde, com um apoio inicial expresso de Portugal, por razões relativamente óbvias.

Provavelmente, era erro porquanto a proposta de instalação da Agência em Cabo Verde implicava, para além de uma duvidosa localização geoestratégica, a possibilidade de Cabo Verde, sendo Cabo Verde, uma pequena nação do Atlântico Médio, assumir a liderança do projecto e proceder sua respectiva  intermediação diplomática com outras nações da CPLP, como Angola e o Brasil, primordialmente, por razões não menos óbvias, tudo se configurando assim para que o mesmo pudesse vir a ter, de facto, o êxito que, talvez por ingenuidade, a determinado momento se imaginou e se figurou poder vir a ter quando, apresentado em reunião de Ministros da Defesa da CPLP, colheu o maior interesse por parte de todos os principais intervenientes, embora, por desinteresse, essencialmente do Governo Português, a sequência dada haja sido nula.

Num segundo momento, importando a referida Agência encontrar-se articulada com outros Centros de Segurança e Informações, predominantemente, de Angola como do Brasil e Portugal, por razões igualmente compreensíveis, então, sim, deveria pensar-se na criação de um Centro Nacional de Segurança e Informações Marítimas, a ser sediado nos Açores.

Concretizados os dois primeiros momentos, estabelecida perfeita articulação entre a Agência Lusófona de Monitorização do Atlântico e os vários Centros Nacionais de Segurança e Informações Marítimas da CPLP, uma vez mais, por razões evidentes, com destaque para Angola, Brasil e Portugal, mas também Moçambique, deveriam iniciar-se os contactos com os Estados Unidos para uma paralela articulação com os respectivos serviços, conduzindo, por acréscimo, a um muito provável reforço do interesse no desenvolvimento, quase se diria, natural, da Base das Lajes e possível desenvolvimento e estabelecimento de uma  Base Naval conjunta, Portugal – Estados Unidos, igualmente nos Açores, quando a Base Norte-Americana das Lajes ainda era o que era, bem assim como ainda era o que era a Base da NATO em Oeiras, tendo a importância que tinha e que mais ainda poderia ter vindo a ter caso outros tivessem sido os desenvolvimentos do mundo.

Montado todo o Sistema, seriam então, não menos naturalmente, convidadas e bem-vindas outras nações ribeirinhas do Atlântico a juntarem-se ao projecto que, é bem sabido, nunca passou do papel…

Bem, afirmar peremptoriamente nunca ter passado do papel talvez seja algo exagerado,

Na verdade, tendo tido entretanto conhecimento do projecto, os Estados Unidos não deixaram de logo reagir,  promovendo, desenvolvendo e financiando de imediato a instalação do COSMAR no antigo Aeroporto da Cidade da Praia, sem que, Portugal, mesmo assim, tenha sabido aproveitar ou tirar partido de tal benesse.

Tanto quanto possamos saber, pouco mais se tem passado e avançado desde então, mantendo o Ministro Defesa, sobre tudo isto, tanto quanto se possa depreender também, um profundo silêncio, sem que se perceba bem porquê.

Qual a grande vantagem aparente desse projecto, eventualmente, menos «inovador»?

Conferir à CPLP, e por extensão, a Portugal, as prerrogativas, responsabilidade e preponderância no Atlântico que deverão ser por natureza suas, se assim se pode dizer, congregando esforços com os Estados Unidos, não numa posição de declarada inferioridade «conceptual» mas,  tendo todo o sistema sido montado deste lado, num verdadeiro plano de parceria que, até por diferentes razões de ordem estratégica, seria, com toda a probabilidade, de seu muito maior interesse e bem mais vantajoso.

Porém, tudo isso agora é história, dir-se-á, e a nova e «inovadora» proposta do Ministro de Defesa, está, com toda a certeza, destinada, a outros voos e a outro muito mais vasto alcance.

Quando ainda operamos Corvetas construídas para a Guerra de África, quando, mesmo dos quatro Stanflex comprados à Dinamarca _ Patrulhas de Costa, importa lembrar também _, apenas um se encontra armado, não se sabendo quando os restantes o serão porquanto o Senhor Ministro da Defesa não é, evidentemente, «bruxo», nem nós queremos que seja, ou ainda tampouco é conhecido o plano de reactualização da nossas Fragatas, continuamos sem navio logístico e, segundo se afirma, mesmo o navio de reabastecimento, o NRP Bérrio, começa já a requerer substituição, imagina-se que a «proposta inovadora» de criação e instalação de uma Base Aeronaval nos Açores, seja para ser levada a efeito pelos próprios Estados Unidos, ou seja, às suas custas, projecto que, imaginamos, os Estados Unidos estarão desejosos de poder realizar e entenderão, evidentemente, como profundamente «inovador».

Sim, o Ministro é parco em pormenores, pelo que se pode ler na notícia, e talvez estejamos a inferir o que não será legítimo inferir. Mas importa também perguntar se, em tais condições, ou em equivalentes condições, a primeira consequência não seria sempre uma certa e inevitável subsunção dos nossos interesses estratégicos aos interesses estratégicos dos Estados Unidos, a troco sabe-se lá senão também apenas de um momentâneo mas urgente interesse económico.

E nessa circunstância vê-se Angola e o Brasil, possuindo ambos, embora distintas, mas uma mesma e igualmente forte consciência dos seus interesses estratégicos, abraçarem um tal projecto, mesmo quando a tudo se tente dar um certo tempero de «Quarteto Sul» da NATO?

Não faz isso toda a diferença?

Qual, afinal, verdadeiramente, o nosso interesse estratégico?

Que estratégia temos, afinal, para defendermos realmente os nossos interesses estratégicos?

É com «convicções», «narrativas», «jogos de palavras» e «afectos» que vamos lá?

Como não sorrir, ainda uma vez mais?

Aqui chegados, talvez alguns mais precipitados julguem ler em tudo quanto anteriormente exposto, uma certa condenação moral.

Tremendo erro.

Nestes novos tempos de Neopragmatismo, a moral não entra em conta nem interessa para nada.

Na realidade, a moral, nestes novos tempos,  é cousa do passado, dos dias da filosofia-metafísica, de quando a radical cisão entre público e privado ainda não se tinha completamente cumprido e se tinha a ilusão de uma continuidade entre pensamento e acção, hoje completamente anacrónica também.

Falar de moral, ou no plano moral, hoje, nestes dias de «ironia pragmática», é um disparate, algo completamente incompreensível, completamente inútil.

Hoje, temos «jogos de palavras», «ironia» (à Rorty), «narrativa», «afectos» e resultados.

Ainda temos os «resultados». Mesmo na total embriaguez da acção, ainda são iniludíveis os resultados.

Não se pense em termos «morais» ou outros do passado.

As regras são outras e é com as novas regras que temos de viver.

Exactamente o que faz destes tempos, tempos tão verdadeiramente interessantes.

… E nos dão tantos e tão bons motivos para sorrir.



Um comentário em “Tempos Interessantes”

  1. Alberto fontes diz:

    Parabéns pelo texto.
    Pena é que os decisores não saibam história.

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