Sobretudo depois de tudo quanto ultimamente temos visto suceder, tínhamos esperança que o Presidente da República _ por inerência também Comandante Supremo das Forças Armadas _ decidisse conceder finalmente ao Mar a atenção que o Mar merece. Por Portugal.

O 25 de Abril e o Mar (I)

Ainda tínhamos esperança…

Sobretudo depois de tudo quanto ultimamente temos visto suceder, tínhamos esperança que o Presidente da República _ por inerência também Comandante Supremo das Forças Armadas _ decidisse conceder finalmente ao Mar a atenção que o Mar merece.

Por Portugal.

Por razões de defesa de Portugal.

Mas preocupar-se-á o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, alguma vez, minimamente que seja, realmente com Portugal e, como tal, com o seu Mar, parte integrante do território nacional?…

Manifestamente, não.

Uma vez mais e como sempre, em mais um discurso solene à Nação, para comemorar a passagem do 49º aniversário do Golpe Militar de 25 de Abril de 1974, qualquer verdadeira preocupação com Portugal e, por consequência, com as ameaças que Portugal sofre, ou pode vir a sofrer, em relação ao seu Mar, estiveram completamente ausentes.

Por mais estranho que se afigure, apesar de se encontrar já no seu segundo mandato como Presidente, parece que Marcelo Rebelo de Sousa ainda não conseguiu entender o que verdadeiramente significa ser Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas e, por consequência, com altas e sérias responsabilidades constitucionais atribuídas também no âmbito da Defesa Nacional.

Tudo quanto faz sentido.

Embora goste de se autodefinir como Presidente dos «afectos» _ signifique isso seja lá o que for _ enquanto Presidente da República, as suas mais altas, sérias e graves responsabilidades respeitam a garantir a Portugal todas as capacidades e consequentes meios necessários à plena afirmação de uma real Soberania Nacional, a uma plena afirmação de verdadeira e efectiva Independência Nacional, o que não deixa de significar e implicar também, evidentemente, a garantia de real e efectiva capacidade de plena defesa do todo territorial, ou seja, da respectiva Integridade Territorial, antes de mais, tanto no que respeita ao território emerso de Portugal como, evidentemente, ao seu território imerso.

Dispõe Portugal dessas capacidades?

O que os mais recentes episódios sucedidos, entre outros, com o NRP Mondego, vieram demonstrar e tornar bem patente, não foi, uma vez mais, a debilidade em que se encontra a nossa Marinha, a nossa Armada, e a patente e manifesta incapacidade em que nos encontramos hoje para defendermos, minimamente que seja, o todos dos nossos interesses nacionais, o todo da nossa integridade territorial?

Ouvimos sobre o assunto, uma única palavra que fosse do Presidente da República?

Não que se exija, uma revelação plena das conversas eventualmente tidas pelo Presidente da República com Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, com o Chefe do Estado-Maior da Armada, com o Governo ou seja com quem for, mas não seria de elementar bom-senso, o mais subtilmente que fosse, terem os Portugueses na Presidência da República alguém em quem poderiam verdadeiramente confiar, alguém, como todos os verdadeiros Portugueses, que se preocupa primordial e realmente com Portugal, com o seu futuro e, por consequência, com a efectiva capacidade que possui, ou não, dos seus reais interesses nacionais?

Infelizmente, nem uma palavra nem uma atitude, mínima que fosse, se ouviu ou vislumbrou sequer.

Pelo contrário, o que se percebe é que, para o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa _ alma leve, tudo levando com a leveza própria da sua alma leve _ entendendo, talvez, não ser esse um assunto de interesse dos Portugueses, imaginando talvez os Portugueses completamente desinteressados do seu destino, do seu próprio futuro, qual bando de patetas apenas preocupados com o seu pequeno dia-a-dia,  nada diz, seja para os não maçar, seja lá por que razão seja, com tão eventualmente irrelevantes questões ou assuntos.

Manifesta e bem patente, todavia, a progressiva decadência das nossas Forças Armadas e, muito em especial, da Marinha, nada dizendo, nada fazendo saber o Presidente sobre tão preocupante situação, parece legítimo deduzir que, se nada diz, se nada faz saber e nada faz (um Presidente que, ainda por cima, a propósito e a despropósito de tudo e coisa nenhuma, permanentemente se pronuncia), não é senão porque tão preocupante situação minimamente não o preocupa ou, mais explícita ou mais implicitamente, não deixaria nunca, de uma forma ou outra, de sempre deixar transparecer, ou mesmo mais visivelmente manifestar, pelo menos, mínima, ou mesmo vaga, inquietação.

Longe disso, porém _ e não se diga ser por razões de necessário recato por ser assunto a merecedor de ser tratado com a circunspecção sempre exigida aos assuntos a implicarem mínimo «Segredo de Estado», uma vez tudo estar tão exposto e evidente a todos, mesmo até para os mais distraídos, que tal asserção não é senão ridícula.

Tivesse Portugal mais consciência de si e políticos com maior consciência de Portugal e da sua responsabilidade pelo futuro de Portugal…

Mas não, a realidade é a que é.

Para o Presidente da República dir-se-á vimos à existência como quem parte para uns dias de merecidas férias num qualquer Club Med onde uns senhores sempre tão simpáticos quanto permanentemente solícitos (como o Governo) tudo fazem para permanentemente a todos agradarem, a todas as horas organizando e proporcionando as mais permanentes e simpáticas distracções de forma a que todos, sem preocupação alguma, passem o melhor tempo possível, deixando apenas um  mínimo de tempo-livre para às mais básicas necessidades, não vá isso de haver tempo-livre logo se transformar rapidamente num desagradável incómodo _ como até, a quem sabe, começarem a ter consciência mínima de qualquer coisa como a «individualidade».

Um desnecessário «irritante», como agora se diz, e enquanto assim for possível, enquanto não houver graves queixas e os ditos senhores conseguirem ir entretendo minimamente os respectivos hóspedes, tudo estará bem no «melhor dos mundos possíveis» _ e não será, com certeza, o Senhor Presidente a gerar tão desnecessário e desagradável incómodo ou «irritante».

Para o Presidente da República, tudo leva a crer, somos Portugueses apenas porque, por puro acidente, nascidos em território Português, ou de pais Portugueses, não sendo Portugal, Portugal, senão mero acidente também, i.e., apenas porque tal D. Afonso VI, Rei de Leão e Castela, a determinado momento, decidiu, inopinadamente, oferecer não só mão da sua filha Teresa a um tal Cavaleiro  _ D. Henrique, de seu nome _ em agradecimento pela sua vinda lá da Borgonha, para ajuda na «Reconquista», assim um pequeno Condado, designado genericamente como Condado de Portucale, ou Condado Portucalense, situado lá para os confins do seu território, entre o Rio Minho e o Rio Vouga, e  deitado sobre o Atlântico.

Não se sabe exactamente se por mal-agradecido ou pura ambição, certo parece ser todavia ter esse tal Conde D. Henrique, uma vez instalado no seu novo pequeno, longínquo e periférico Condado, logo começado a conspirar também com os Senhores locais no sentido de vir a afirmar a independência do pequeno território, o que não terá conseguido inteiramente uma vez que, não obstante a sua mulher, já viúva, ter vindo já a intitular-se Rainha, tal intento, só seria contudo plenamente atingido bem mais tarde, pelo seu filho D. Afonso Henriques, hoje conhecido, consequentemente, como o Primeiro Rei de Portugal.

Mero acidente da História _ mas apenas mais um, dos muitos em que a História é pródiga, sem mais alta razão, aparentemente, para que assim tivesse vindo a ser.

Nada de muito sério, todavia, e por isso, para Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, Portugal, como afirma, não é mais que mera «Plataforma entre Oceanos, Continentes, Culturas e Povos», sendo mesmo esse o seu grande «desígnio»…

O que pretende significar o Senhor Presidente da República com tão abstrusa asserção é realmente um enigma.

Portugal, mera «Plataforma»???…

Difícil, senão talvez mesmo impossível de entender, mas talvez não valha também a pena perdermos agora muito tempo com isso.

O mais interessante, porém, é que tal asserção, por mais abstrusa que seja, nos ajuda talvez a melhor compreender o seu regozijo, manifestado numa Conferência no Museu Paula Rego em Maio passado, 2022, por Portugal possuir já, desde 2021, um balanço líquido positivo a seu favor em termos dos fluxos de migração, ou seja, contar com mais imigração do que emigração.

Magnífico.

Para Portugal, como «Plataforma», um assinalável êxito, sem dúvida.

Pouco importa que a grande «Plataforma» que é Portugal seja habitada maioritariamente por Portugueses, Nepaleses, Esquimós, Maoris ou Chineses, desde que sejam muitos, que paguem impostos e nos garantam a velhice e a sustentabilidade da Segurança Social, tudo bem.

Os nossos filhos já não têm lugar em Portugal, i.e., no que se diz como essa magnífica «Plataforma entre Oceanos, Continentes, Culturas e Povos»?

Não.

Uma pena, com certeza, mas, em contrapartida, o que significa esse pequeno sacrifício, esse breve contratempo, perante a extraordinária notícia de sabermos agora estar garantido o futuro e o desígnio maior de Portugal enquanto «Plataforma entre Oceanos, Continentes, Culturas e Povos»?…

«Plataforma» que, haja Mar ou não haja Mar, sempre continuará aí, imperturbavelmente aí, sem dúvida _ a menos que sobrevenha, naturalmente, um cataclismo de tal ordem que não será possível sequer imaginar ou, muito menos, exactamente prever ou prospectivar.

Para quê, realmente, preocuparmo-nos com o Mar?

Para quê preocuparmo-nos, não com a crescente maritimização das Nações, como vulgarmente se diz, mas com a crescente territorialização do Mar, como está a suceder?

Para quê preocupar-nos com o facto de grande parte dos recursos, dos recursos energéticos às proteínas ou mesmo aos decisivos recursos biológicos, virem a ter, no futuro, imprescindivelmente, origem no Mar?

Para quê preocuparmo-nos com os «Cruzeiros Científicos» que navegam quase livremente nas águas sob jurisdição nacional, na maioria dos casos, e facto, sem qualquer acompanhamento, sem que se saiba, de facto, quais as rotas exactamente seguidas, que sondagens exactamente realizadas, que dados efectivamente recolhidos, que tipo de elementos geológicos, geobiológicos, químicos ou biológicos, efectivamente colhidos, que analisados efectivamente realizadas e os quais os seus exactos resultados?

Para quê preocuparmo-nos se os Franceses possuem, hoje, eventualmente, mais informação do que nós próprios sobre o Atlântico, sobre a designada Dorsal Atlântica ou até mesmo sobre a área marítima sob jurisdição nacional, incluindo, naturalmente, a área para além das 200 mn da Zona Económica Exclusiva e se espera, uma vez finalizado o processo de acordo internacional, sob os auspícios da ONU, respeitante aos novos limites da Plataforma Continental, a ficarem igualmente sob jurisdição nacional?

Para quê preocuparmo-nos por serem os Alemães, com uma extraordinária área marítima no Mar do Norte, a Nação Europeia com maior número de Laboratórios Marítimos e a segunda Nação do mundo com maior número de patentes registadas em biotecnologia a partir de biotas marinhos?

Para quê preocuparmo-nos por serem os Alemães a liderarem a cooperação marítima com Cabo Verde, tendo, inclusive, instalado, para tal, um primeiro Laboratório Marítimo no Mindelo?

Para quê preocupar-nos com o que se passou com o NRP Mondego quando o NRP Mondego é apenas um dos quatro Patrulhas de Costa dos cinco adquiridos à Dinamarca (sendo o quinto para servir exactamente de reserva de material suplente adicional), quando a Dinamarca entendeu, estrategicamente, dever assumir a sua responsabilidade como uma Nação Oceânica e, nesse sentido, logo decidiu desfazer-se dos tais velhos Stanflex de fibra-de-vidro, logo tendo também Portugal, antes mesmo de os mesmos serem simplesmente enviados para a sucata, decidido lá ir resgatar, no que se entendeu ser uma excelente, e muito oportuna, operação de aquisição com um rácio custo/benefício tido por altamente vantajoso, talvez único, talvez mesmo sem par?

Para quê preocuparmo-nos se a Dinamarca tem hoje uma presença muito mais forte, muito mais evidente e mesmo marcante do que nós em áreas geográficas, supostamente do nosso interesse, como por exemplo, a área Golfo da Guiné?

Ou estando a área do Golfo da Guiné fora de rota, dispondo de um clima nem sempre muito agradável e parece que, actualmente, segundo rezam as crónicas, ainda por cima, um sítio, crescentemente, nem sempre muito bem frequentado, não deve ser tido como área do nosso interesse?

Para quê a maçada de nos preocuparmos com essas longínquas paragens?

Para quê preocuparmo-nos se, dos seis Navios Patrulha Oceânicos previstos estarem já em operação, se encontram apenas quatro, continuando sem nada se saber dos restantes quatro, de um total de dez, tidos como absolutamente indispensáveis à nossa frota e se esperava já construídos ou em construção, a nada se saber ou  já a nem sequer se falar?

Para quê preocuparmo-nos se o velho Bérrio já foi abatido e desde há anos, como ainda hoje, continuamos sem qualquer Navio Reabastecedor?

Temos, afinal, assim tantas missões fora da nossa costa?

Integrando nós a Aliança do Atlântico Norte, se necessário, não podemos sempre pedir a momentânea dispensa de um «pouchinho» de combustível aos nossos parceiros e aliados que não deixam, evidentemente, de sempre ter os seus Navios Reabastecedores em prontidão e plenamente operacionais?

Para quê preocuparmo-nos com a questão da suposta necessidade de acrescentarmos à nossa frota mais um Navio Polivalente Logístico, como há décadas se fala e, talvez por distracção, quase esteve a ser adquirido à Marinha Francesa no tempo do Governo de Passos Coelho, não fora o então Ministro da Defesa, Aguiar Branco, cancelado oportunamente, à última hora a operação, seguindo então o famigerado Siroco para o Brasil que, sendo uma nação irmã, País de Língua Portuguesa, parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, não terá, com certeza, não terá dificuldade nem negará o seu empréstimo, caso tal venha a ser, por hipóteses necessário.

Antes isso _ e assim, pelo menos, sempre nos livramos da maçada da responsabilidade da respectiva manutenção.

Para quê preocuparmo-nos, realmente, se o próprio Primeiro-Ministro, António Costa, ainda em 2018, já anunciava _ com a devida pompa e circunstância e tendo bem em conta muito de quanto anteriormente referido _ a decisão de se dar, finalmente, início à construção dos tais seis Navios Patrulha Oceânicos em falta, com um valor por unidade estimado em 60 milhões de euros, a serem construídos nos Estaleiros da West Sea em Viana do Castelo, mais a construção, ou aquisição, de um Navio Polivalente Logístico, tal como inscrito na famosa Lei de Programação Militar?

 Para quê preocuparmo-nos se, entretanto, mais cinco anos passaram já e tudo continua exactamente na mesma?

Afinal, continuar tudo na mesma, não oferece sempre a possibilidade de voltar o Primeiro-Ministro a proceder a um renovado anúncio, com igual pompa e circunstância, de final decisão de se iniciar a construção dos tais seis novos Navios Patrulhas Oceânicos e ainda mais de um Navio Polivalente Logístico, como tem sucedido recorrentemente, antes que se esgotem as verbas do famigerado PRR, tão igualmente acarinhado (PRR e Mar) pelo ainda actual Ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva?

Para quê preocuparmo-nos se de um novo Navio Reabastecedor se fala menos?

Afinal, como se costuma dizer na excelente gíria do marketing, não é certo ser um Navio Reabastecer sempre bem menos «sexy» que um Navio Polivalente Logístico, ou mesmo um qualquer, mais ou menos sofisticado, Navio Patrulha Oceânico?

Não podemos esquecer, por agora, a questão do Reabastecedor?

Entretanto, para quê, realmente, preocuparmo-nos com o estado das Fragatas, há anos a necessitarem de profunda manutenção e actualização?

Sabemos sequer quantas ainda estão verdadeiramente operacionais?

Mas, realmente, para quê preocuparmo-nos?

Não vale mais, neste caso, uma pura e santa ignorância?

Mesmo sem Navio Reabastecedor, sem os seis Navios Patrulha Oceânicos adicionais, sem Navio Polivalente Logístico, mesmo com o estado em que se encontram os Navios Patrulha de Costa em fibra-de-vidro, mesmo sem sabermos do estado das Fragatas, não corre tudo bem no «melhor dos mundos possíveis»?

Não temos o nosso PIB a crescer acima da media europeia, a inflação a baixar, a taxa percentual da dívida sobre o PIB a baixar também, o próprio valor absoluto da dívida a crescer a valores bem mais parcos do que sucedia em anos precedentes, e não é já o saldo líquido de imigrantes versus emigrantes positivo?

Que mais exigimos?

Para quê preocuparmo-nos se o próprio Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, superiormente inteligente e bem informado (como todos os bem informados e inteligentes comentadores plenamente, e a toda a hora, o afirmam e confirmam), preocupação alguma manifesta?

Se o próprio Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, superiormente inteligente e bem informado, preocupação alguma manifesta, que sentido, realmente, preocuparmo-nos nós?

Para quê preocuparmo-nos com a ideia de uma futura Guarda Marinha Europeia, da qual se começou a falar corria ainda o já longínquo ano de 2008, se tal nunca veio efectivamente a concretizar-se?

Para quê preocuparmo-nos se tudo quanto houve não foi senão uma muito mais subtil passagem da velhinha Frontex à nova reestruturada  Agência Europeia de Guarda de Fronteiras e Costeira, com mandato para definir e determinar as áreas de vigilância marítima, as acções e consequentes operações a serem levadas a efeito em cada área por cada um dos Estados-Membro, com a adicional prerrogativas de directa decisão e intervenção sempre que se entenda não disporem os mesmos respectivos Estados-Membro dos meios julgados necessários e adequados ao pleno cumprimento das mesmas missões?

Para quê preocuparmo-nos se entretanto é a União Europeia que está a entregar à UCC (Unidade de Controlo Costeiro) da GNR as novas e sofisticadas Lanchas Rápidas, construídas na Holanda, de modo a transformar a UCC, ou GNR, numa espécie de Guarda Costeira em competição com a própria Marinha?

Para quê preocuparmo-nos se, a par da entrega da primeira Lancha Rápida, vieram igualmente instrutores da Guarda Costeira Espanhola e da Guarda Costeira Italiana, não fora, por certo, a nossa Marinha não dispor de instrutores com adequada capacidade para manobrar tão sofisticadas Lanchas que nem poderiam ser construídas em Portugal porque, quem sabe, talvez mesmo só a avançadíssima Holanda é hoje possuidora da avançadíssima sabedoria e correspondente tecnologia para, adequadamente, o concretizar?

Para quê preocuparmo-nos se Bruxelas olha já para o nosso Mar como parte integrante do Mar Europeu?

Para quê preocuparmo-nos se desde o Tratado de Lisboa nem Senhores somos já dos recursos vivos da coluna de água da nossa ZEE (Zona Económica Exclusiva), hoje, formalmente, sob exclusiva gestão da Bruxelas?

Para quê preocuparmo-nos se, depois da saída do Reino Unido da União Europeia, a mais poderosa e completa Marinha da União Europeia é a Marinha Francesa (ainda hoje, talvez não tão poderosa como a Britânica mas mais completa), continua a evoluir enquanto a nossa definha, sem deixar de continuar a manifestar também o seu intuito de se afirmar não apenas como a 2ª Potência da Naval do Mundo, não apenas Atlântica mas Global, correspondendo assim ao facto de, no futuro se tornar, uma vez estabelecidas as novas áreas marítimas sob jurisdição nacional, no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre  o Direito do Mar e dos novos limites propostos para a Plataforma Continental, logo a seguir aos Estados Unidos, como a segunda nação do mundo com maior área marítima.

Talvez nada disso nos deva fazer pensar, e muito menos preocupar,  porque, se necessário, se algum problema sobrevir, sempre temos ao lado a Marinha Espanhola, não tão poderosa nem completa, é certo, quanto a Francesa, mas ainda assim com alguma capacidade e dispondo internamente de uma indústria naval que nós há muito já não possuímos, sempre disposta, com toda a certeza, a prestar-nos generosa ajuda e necessário.

Para quê preocuparmo-nos com o estabelecimento de novas Áreas Marinha Protegidas se cada vez é menor a nossa capacidade para gerir, vigiar e assegurar a necessária segurança das mesmas?

Para quê preocuparmo-nos com o Mar, com o Mar sob jurisdição nacional se, mesmo sem o Mar, continuaríamos sempre a manter todo o nosso valor e poder estratégico que este pequeno rectângulo territorial nos confins da Península Ibérica e as magníficas Ilhas dos Açores e Madeira nos conferem?

Para quê preocuparmo-nos e não entregarmos já o nosso Mar a Bruxelas como, inevitavelmente, prosseguindo neste Conceito Estratégico de que o Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, tanto gosto tem em falar, virá, mais cedo ou mais tarde, a suceder?

Para quê preocuparmo-nos se tudo isso só nos libertaria de maçadas, de continuarmos a ter de gerir e a sermos responsáveis por cerca de Cinco Milhões de Km2 de Área Marítima de Busca e Salvamento, e cerca de quase Quatro Milhões de Km2 de Área Marítima sob Jurisdição Nacional quando aprovados pelas Nações Unidas os novos limites da Plataforma Continental?

Já se terá imaginado bem os meios necessários para garantir a vigilância, segurança e defesa de toda essa vasta área, como a agravante, uma vez para lá dos limites da ZEE a nossa efectiva jurisdição respeitar apenas ao solo e subsolo marinho e não à coluna de água, não ser difícil prever desde já os eventuais conflitos, mesmo em termos de Direito, passíveis de virem a surgir?

Para quê preocuparmo-nos se a Marinha tem menos efectivos que funcionários a Câmara Municipal?

Queremos aumentar as possibilidades de conflito laboral, como vimos suceder em relação ao caso do NRP Mondego?

Para quê preocuparmo-nos se ainda temos dois Submarinos, embora em número escasso, mas de construção mais recente, sob Tecnologia Alemã, e, talvez por isso mesmo, salvo os normais ciclos de manutenção, aparentemente, sempre em mais confiável estado de prontidão e operação.

Para quê preocuparmo-nos se tudo está bem, ou só faltava termos de nos preocupar inda com o Estaleiro do Alfeite, para o qual já haverá, com certeza, magníficos projectos imobiliário-turísticos, afinal, a nossa grande indústria e onde detemos um tão singular quanto talvez único, conhecimento.

Para quê preocuparmo-nos, realmente, pelo facto de Portugal vir a tornar-se, sem o Mar, uma nação absolutamente irrelevante?

Porquê a preocupação?

Como nos ensinava há uns anos um Ministro de um Governo da Partido Socialista, da Agricultura ao Mar, ou mesmo à Defesa, como eventualmente a tudo mais, o que importa é pensarmos em termos Europeus, de União Europeia, ou seja, parte de um grande conjunto de grandes Nações que partilham, irmãmente, tudo, das comuns preocupações ao integral conjunto de recursos, naturais e outros.

Não temos de nos preocupar.

Não sabemos se essa é a mesma exacta a perspectiva do Presidente da República, Comandante Supremo da Forças Armadas, mas ousamos admitir, mesmo exactamente não o sendo, muito não se afastará também.

Para quê preocuparmo-nos, realmente: não fará até mais sentido começarmos já a pensar entregar a vigilância, segurança, gestão e defesa do nosso Mar a quem disponha dos requeridos meios para com um custo marginal relativamente baixo o queira fazer, livrando-nos de todas maçadas que tudo isso sempre acarreta?

Não o Senhor Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, nunca formulou, mais implícita ou explicitamente tal possibilidade, mas, pelo seu silêncio em relação ao Mar, será assim inverosímil que tal lhe possa ocorrer _ como, aliás, ao Primeiro-Ministro, para quem do fim do Ministério do Mar ao menosprezo a que tem votado todos os assuntos, de uma forma ou outra, relacionados, com o Mar, chegando ao ponto, no baptismo de mais um Navio de Cruzeiro da Mystic Cruises, do Grupo Douro Azul, em Viana do Castelo, mais não ter sabido dizer senão elogiar, sem se rir, a muito Portuguesa cutelaria e os não menos muito Portugueses magníficos têxteis a bordo, não deixam de ser bons indícios disso mesmo?

Para quê preocuparmo-nos, todavia, não foi o próprio Porter que nos veio dizer para nos devíamos especializar sobretudo em tudo quanto, por tradição, eramos especialistas?

Conhecendo bem Portugal, alguma vez lhe ocorreu lembrar-se do Mar?

Não nos lembramos que tal lhe tenha ocorrido _ e como tal não lhe ocorreu, aos governantes de então tampouco, compreensivelmente, ocorreu.

De qualquer modo, quanto aqui nos importa é o discurso do Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, na Celebração do 49º Aniversário do 25 de Abril de 1974, em que, pelo silêncio em relação ao Mar, admitimos não ser muito grande a sua preocupação com Portugal, já em relação aos Portugueses a situação é completamente distinta.

E vale a pena atender detidamente ao mesmo _ mas vamos ter e deixar para uma segunda parte que longo vai já este Editorial.

(Continua)



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«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio Ferreira
Só a alma sabe falar com o mar
Fiama Hasse Pais Brandão
Há mar e mar, há ir e voltar ... e é exactamente no voltar que está o génio.
Paráfrase a Alexandre O’Neill