Num debate promovido pelo Jornal da Economia do Mar, um consultor, dois empresários e dois cientistas procuraram esclarecer uma audiência sobre a exploração de petróleo e gás num momento da história em que estes recursos tendem a ceder o lugar às energias renováveis. E num contexto mediático em que a contestação ambiental se tem sobreposto ao debate energético.

Cascais acolheu em Junho um dos raros debates realizados em Portugal vocacionado para desmistificar a pesquisa de hidrocarbonetos nas águas portuguesas, promovido pelo Jornal da Economia do Mar e com um painel composto por dois empresários do sector energético, dois cientistas e um consultor. Num contexto nacional em que o tema tem sido mais notícia pela contestação à exploração do que pelo esclarecimento das possibilidades, benefícios e métodos envolvidos, a audiência manifestou satisfação pela iniciativa. Sem unanimidade, é certo, e nalguns casos lamentando a ausência de representantes da administração pública no painel, noutros assumindo posições ambientalistas, na generalidade, porém, a audiência demonstrou interesse em saber mais sobre uma questão que em Maio teve o seu mais recente episódio: a dispensa de avaliação de impacte ambiental por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) relativamente a uma sondagem de pesquisa de hidrocarbonetos por métodos convencionais ao largo de Aljezur, no Algarve, a realizar pelo consórcio Eni/Galp. Depois de várias manifestações de discordância pela decisão da APA, que não foi directamente discutida neste debate, o seminário de Cascais incidiu sobre o eventual interesse para o país de conhecer os seus recursos. E num momento em que Portugal tem uma proposta de extensão da sua plataforma continental em avaliação nas Nações Unidas, com tudo o que isso implica em termos de direito aos recursos dos fundos marinhos.

 

A defesa do conhecimento

Presentes no painel a debater o tema da «Exploração de Hidrocarbonetos na Era da Transição Energética» estiveram o economista Augusto Mateus, ex-ministro da Economia e actualmente consultor na estrutura da Ernst & Young, Nuno Ribeiro da Silva, ex-Secretário de Estado da Energia e hoje presidente da Endesa, Luís Guerreiro, Director de Exploração da Partex, Fernando Barriga, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e Amílcar Soares, professor do Instituto Superior Técnico. Apesar das diferentes formações académicas e técnicas, todos concordaram num ponto: Portugal deve conhecer os seus recursos naturais. O contrário seria dificilmente compreensível, sob uma perspectiva racional, consideraram os oradores. Como disse Nuno Ribeiro da Silva, “ou somos obscurantistas e dizemos «nem quero saber que existes», e isso ao longo da história da humanidade nunca deu muito bom resultado, ou então assumimos e enfrentamos as situações”, acrescentando que “se se confirmar que existe algo de interessante sob o ponto de vista económico, ou tapamos o furo e fica para conhecimento ou para caso de necessidade, ou então para passar a uma fase posterior de exploração, e nesse caso façam-se os devidos estudos de impacto ambiental”. Luís Guerreiro lembrou a propósito o caso espanhol do campo «Poseídon», na Bacia de Cádis. “Foi habilmente gerido pelo Governo espanhol, que abria as torneiras do gás quando precisava e fechava quando não precisava; e aquele campo durou quase 30 anos”, referiu.

Um dos argumentos usados pelos oradores a favor das sondagens de pesquisa de hidrocarbonetos – que é anterior à exploração dos recursos, que até podem não existir ou existir em condições sem interesse comercial – foi o da importância do petróleo e do gás numa economia em transição para a descarbonização. Se é certo que o gás, por gerar menos emissões poluentes do que o petróleo, é cada vez mais visto como uma alternativa, também o é que a transição energética será feita a ritmos diferentes nas diferentes zonas do planeta e que nesse contexto, o petróleo continuará a ser utilizado durante anos. Tal como o gás, que continuará a ser usado até à sobreposição das energias renováveis sobre os combustíveis fósseis. Na medida em que continuarem a ser utilizados, ambos continuarão a ser uma fonte de riqueza para os seus detentores, potencialmente indutora de melhores condições de vida para as populações. Nesse aspecto, Luís Guerreiro foi claro. “A transição vai ter de ser feita devagar e com um mix energético que vai cada vez mais ter de dar preponderância às energias renováveis e menos aos combustíveis fósseis, mas este é um problema porque as energias verdes não estão a avançar suficientemente rápido para conseguir colmatar o défice que ocorrerá se nós de repente começarmos a deixar de usar as energias fósseis”, referiu.

Outro argumento, próximo do anterior, é o de que os hidrocarbonetos serão também necessários para fazer a própria transição. Não só porque a indústria do petróleo e do gás foi em muitos casos pioneira no desenvolvimento tecnológico relacionado com a exploração oceânica – importante para a própria transição energética -, mas também porque é ela própria uma importante financiadora da transição energética – e a sua capacidade financiadora decorre da manutenção da sua actividade. De facto, a exploração de hidrocarbonetos tem estado na vanguarda de tecnologias usadas também na exploração de outros recursos marinhos minerais, que assumem cada vez mais importância na economia. Amílcar Soares referiu a propósito que “90% da tecnologia robótica de exploração oceânica é financiada pela indústria petrolífera”. Sem esquecer as inovações no plano naval, ou seja, das embarcações de transporte concebidas na sequência das necessidades da exploração de hidrocarbonetos e que podem, eventualmente, inspirar novas embarcações para outro tipo de exploração ou ser convertidas para outra utilização.

Um terceiro argumento, que desvaloriza críticas feitas à exploração de petróleo e gás, é utilizado por Luís Guerreiro. “O esforço de transição energética está a ser feito por todo o povo português”, recordou, adiantando que “a transição rápida é boa para os países ricos, mas para os países pobres será mais difícil e alguém terá que a pagar”. Além disso, referiu, “mesmo que descubramos petróleo ou gás, não vamos deixar de emitir as mesmas quantidades de CO2, vamos precisar de combustíveis fósseis para fazer a transição, sendo que a diferença é que em vez de os irmos comprar no mercado podemos adquiri-los aqui”.

Outro argumento é o do interesse económico colectivo, conforme lembrou Augusto Mateus. Numa alusão ao Brexit, referiu que o país está num “momento de acumular forças para fazer face a 10 ou 15 anos que se seguem, e que serão particularmente exigentes para Portugal”, na medida em que “vamos perder, dentro da União

Europeia, o nosso quarto maior destino de exportações de bens, e o primeiro parceiro de exportação de serviços, pelo que vamos ter entender a possibilidade ou não de transformar aquilo que foi uma benesse no turismo num reposicionamento mais positivo do ponto de vista estrutural, podendo fazer melhorias drásticas na nossa mobilidade”.

Uma das críticas geralmente feitas à exploração do petróleo e do gás, baseada em casos dramáticos de que resultaram verdadeiras catástrofes ambientais, é a do risco que envolve. Nuno Ribeiro da Silva referiu mesmo que “em tudo na vida há risco”, mas que não devemos ter “reacções epidérmicas, reaccionárias, inquisitoriais” sobre o assunto. Fernando Barriga acrescentou outro argumento a favor da exploração em território nacional. “Muitas vezes, quando remetemos para outras entidades, outras regiões, a produção de recursos minerais, estamos a avolumar os problemas ambientais que muitas vezes nos caem outra vez em cima mais tarde”, referiu, acrescentado que “se entregarmos a um país que não está preparado, que aceita simplesmente porque precisa daqueles recursos financeiros que vêm a acompanhar, isso acaba por contribuir de forma dramática para a poluição global o que nos vai afectar a nós”. Ou seja, defendeu uma exploração de recursos em zonas sujeitas a um controlo mais rigoroso das condições em que é feita, em prol da minimização de riscos que acaba por favorecer o ambiente que é de todos. Já no plano paisagístico, Luís Guerreiro adiantou que “o que se passaria no Algarve ou passará se houver descoberta de gás e exploração de gás é que não haverá nada, estará tudo submerso”, acrescentando que “a única coisa que vai sair é um tubo de meia dúzia de polegadas para uma estação de tratamento na qual o que acontecerá será a separação da água do gás”. Ou seja, “um equipamento que fica submerso, a 40 e tal quilómetros da costa” referiu. Em todo o caso, a atenção do Governo actual dedicada à possibilidade de existência de gás e petróleo nas águas nacionais tem andado a par das devidas cautelas. Por um lado, as sondagens por métodos não convencionais, ao contrário das realizadas por métodos convencionais, sempre imporão um estudo de impacto ambiental prévio. Por outro, o Governo já garantiu que nenhuma exploração será feita sem um estudo prévio.

 

A transição energética

Se é certo que a exploração dos recursos marinhos, em Portugal ou noutras latitudes, é uma questão ambiental, há quem entenda que é, sobretudo, uma questão energética. Como Amílcar Soares. “Para reenquadrar esta questão da gestão de exploração de hidrocarbonetos, direi que é mais do que um problema ambiental, é um problema energético”. Uma alusão ao aumento demográfico previsto para os próximos anos e à necessidade de lhe responder em termos energéticos. Considerando que 50% desse aumento se concentrará em África, Amílcar Soares referiu que naquele continente “já se usa o carvão vegetal da desflorestação como forme de energia” e esse é um problema que urge resolver. Um argumento secundado por Luís Guerreiro. “Como vamos resolver o problema de dar energia a biliões de pessoas?”, questionou. Um tema que associou à questão das migrações. “Há países que neste momento estão a fechar portas aos emigrantes, por exemplo, mas nós temos uma quota parte de culpa no que está a acontecer”, referiu, considerando que “o problema tem de ser resolvido no local e isso passa pela energia, por aumentar os consumos, dar melhores condições de vida às pessoas”.

Augusto Mateus também reconheceu a importância da questão. “Temos que actuar ao nível do fim da linha e a esse nível temos construído formas centralizadas de armazenamento de energia”, afirmou. Para o consultor, “nos próximos 10 anos só consolidamos a melhoria do nosso nível de vida e a longevidade do planeta se mudarmos radicalmente o fim da linha” e com isso quis dizer que “as nossas casas vão ter que mudar, os nossos bairros, os nossos condomínios”. “Onde vamos ter que mudar radicalmente é na forma como produzimos e consumimos, não na forma como usamos a tecnologia básica para chegar à energia”, acrescentou. Admitiu também que “os custos ambientais e ecológicos para o planeta do artificial não são suportáveis”, mas que “a transição energética deve ser acelerada, mas realizada evitando disrupções”. O orador referiu ainda que “não é possível fazer grandes transformações tecnológicas sem fazer mudanças ainda maiores do ponto de vista da utilização das tecnologias”, e considerou que “isto vai aprofundar a separação entre o gás natural e os derivados do petróleo”. Segundo referiu, “os hidrocarbonetos, o petróleo, os combustíveis fósseis, são mais uma rapariga de 80 anos do que uma rapariga de 20 no ciclo de vida”. E admitiu que nos próximos 10 anos teremos ganhos cada vez mais significativos “do ponto de vista da produção de energia eléctrica pelo vento e pelo fotovoltaico”. Lembrou ainda que “temos que estar preparados para que nos tempos mais próximos o mundo nos dê menos conforto do que nos deu a primeira saída da crise da globalização” e que “não vamos ter preços tão amigáveis de matérias-primas e matérias básicas, não vamos ter taxas de juro tão baixas e vamos ter pressões inflaccionistas”.

E neste contexto de transição, Luís Guerreiro recordou que uma economia com a importância dos Estados Unidos está a mudar “o seu paradigma energético de forma consistente”. Por isso, vão convergir mais rapidamente para os objectivos do Acordo de Paris do que outros Estados. “Daqui a 25 anos, os Estados Unidos vão estar abaixo da média mundial de emissões de CO2 em 35%, por força da gaseificação da economia em detrimento do carvão, da eficiência energética e do crescimento das renováveis”, antecipou. “Há cerca de 10 anos, nos Estados Unidos houve, o que chamo de uma revolução silenciosa”, com o país a passar “de importador de energia para praticamente exportador, e isso no prazo de dois anos”. A esse fenómeno não terá sido alheia a utilização do método do fracking – perfuração hidráulica do solo para extracção de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo -, cuja diabolização surpreende Luís Guerreiro, até porque existe desde os anos 40 do século passado, tendo sido entretanto aperfeiçoado. Como não serão alheias as características do próprio país, que tem uma economia dinâmica e particularmente flexível e condições geológicas especialmente favoráveis ao fracking, como são as “bacias sedimentares que sofreram pouco a nível tectónico”, ou seja, que têm poucas falhas, e “de grandes dimensões”. Uma combinação que tornou os Estados Unidos num dos principais exportadores de petróleo e gás do mundo, alterando os equilíbrios tradicionais deste mercado, com perda de influência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), à qual o país não pertence. Uma influência diminuída também pela própria transição energética global, que tenderá, a longo prazo, a substituir o petróleo por outras fontes de energia.

A exploração de gás e petróleo no mar, porém, não esgota a discussão sobre o aproveitamento dos recursos marinhos no contexto da transição energética em curso. No debate de Cascais, Fernando Barriga chamou a atenção para mais duas matérias-primas determinantes neste panorama: as terras raras e o cobalto. As terras raras são essencialmente metais, cuja natureza os torna particularmente apetecíveis para os fabricantes de alta tecnologia. Estima-se que a sua localização se concentre quase a 100% na Ásia, especialmente na China, que deterá cerca de 2/3 das reservas globais e quase monopoliza o seu comércio global. O cobalto também é utilizado no fabrico de altas tecnologias e 56% da sua produção mundial de 125 mil toneladas/ano está no Congo. Fernando Barriga deu dois exemplos: “um telemóvel tem 16 gramas de cobalto e um carro eléctrico 12 quilos”, referiu. Face a essas necessidades, referiu que “precisamos de duplicar a produção de cobalto para substituir o parque automóvel actual dos motores de explosão por carros eléctricos, o que é impossível”. E mesmo que o fizéssemos, “precisaríamos de 96 a 100 anos para substituir o parque automóvel”, sublinhou. Referiu ainda que o cobalto é mais paradigmático do que as terras raras “no contributo que os fundos marinhos podem dar à indústria”. As suas reservas conhecidas no mar “são muito superiores às conhecidas nos continentes”. O cientista lembrou ainda que a Europa só produz no seu território 5% das matérias-primas usadas a sua indústria.

Igualmente fundamental para a prospecção dos fundos marinhos, designadamente das terras raras e do cobalto, são os instrumentos robotizados submarinos, na opinião do cientista. “Porque devido à extensão brutal dos fundos marinhos a prospecção tem de ser feita com ferramentas robotizadas, que têm uma determinada área de estudo no seu percurso”, afirmou, sublinhando que necessitaremos de dúzias de frotas AUVs” (acrónimo em inglês para veículos sub-aquáticos não tripulados (autonomous underwater vehicles).

 

Possibilidades portuguesas

Quanto ao papel de Portugal neste contexto, Amílcar Soares reconheceu que a possibilidade de Portugal se transformar num “pré-sal brasileiro” é mínima, mas considerou que a simples existência de um pólo de pesquisa de petróleo e gás “induziria desenvolvimentos tecnológicos oceânicos”. Com base na sua experiência, Luís Guerreiro assegurou que há petróleo em Portugal. No offshore, lembrou, terão já sido feitas cerca de 80 sondagens e muitas indiciaram a existência de gás e petróleo. Na costa portuguesa, estão identificadas prospecções até 3.500 metros de profundidade, estando os 4 mil metros no limite da capacidade tecnológica. No plano comercial, “é a Bacia do Algarve que tem mais possibilidades”, referiu o Director Comercial da Partex. Nas Bacias de Peniche e do Alentejo, as hipóteses são menores, “temos 10% de hipótese de ter um poço e de ele dar alguma coisa”, referiu o mesmo responsável, notando no entanto que os indícios são fortes e que há potencial. “E esses 10% de hipótese podem levar uma empresa a arriscar ou não, conforme o contexto económico da ocasião”, disse Luís Guerreiro. Essas duas bacias são zonas de fronteira, onde serão as pequenas e médias empresas a apostar.

Augusto Mateus considerou que para fazer este tipo de exploração em Portugal temos que assegurar que existem empresas com capacidade para fazerem os investimentos necessários e que podemos fazer isto “mostrando que não somos preguiçosos na parte final da cadeia de valor”, ou seja, “não há legitimidade possível na sociedade em que vivemos para trabalhar a montante das cadeias de valor sem estarmos a fazer campeões daquilo que são os ganhos de eficiência”. O ex-ministro prosseguiu, dizendo que para irmos buscar força para fazer mais exploração e investigação e desenvolvimento e dar mais força às Universidades, temos que fazer o máximo do ponto de vista da mudança no sistema de vida. E nesse aspecto, “um país com a dimensão de Portugal tem a vida mais facilitada porque a desigualdade de rendimentos que penaliza tanto os portugueses não é tão grande como muita gente pensa”. Segundo afirmou, “a desigualdade entre os portugueses face à mobilidade é pelo menos seis vezes superior à desigualdade perante o rendimento”.



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