Depois da recente decisão da APA que dispensa a ENI/Galp de uma avaliação de impacte ambiental relativamente a uma sondagem de hidrocarbonetos na Bacia do Alentejo, resta aguardar por Setembro para assistir ao arranque da sondagem e aguardar pelos resultados. Entretanto, prossegue o debate económico, estratégico e ambiental sobre o interesse e o impacto da sondagem
VLCC

A mais recente decisão oficial sobre a exploração de hidrocarbonetos na costa portuguesa tem pouco mais de um mês e libera o consórcio ENI/Galp de realizar uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) à sondagem de pesquisa por métodos convencionais ao largo de Aljezur, no Algarve, no âmbito do projecto «Santola». Sem surpresa, a decisão foi de imediato contestada por organizações ambientalistas (e não só) e relançou o debate sobre o tema. De igual modo, mereceu a aprovação de várias personalidades, que sobrepõem considerações económicas e estratégicas às ambientais, sem desprezo por quaisquer delas.

 

As críticas e a posição do Governo

Uma das principais críticas veio da Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP), que reúne organizações ambientalistas, cidadãos e empresas. Os seus argumentos residem, essencialmente, nos milhares de pessoas que se pronunciaram a favor da AIA durante o processo de consulta pública e na falta de apresentação pública dos pareceres de nove entidades governamentais, “entre as quais algumas responsáveis pela manutenção e gestão do bom estado ambiental do país” e sem referência ao teor desses pareceres. A Liga para a Proteção da Natureza (LPN) também criticou a decisão, por “incongruente”, e acusou o Governo de conivência com as petrolíferas, colocar em risco os interesses regionais e das populações e de “defender o interesse privado em detrimento do público, numa demonstração clara de conluio”.

 

O peso das críticas impeliu o próprio Governo a entrar no debate depois da decisão. No princípio de Junho, o Primeiro-Ministro referia que a dispensa do estudo iria permitir, antes de mais que se fizesse já a prospecção, para apurar se existe petróleo no território nacional. “O país tem que saber quais são os recursos com que conta para poder decidir o que é que faz com os seus recursos, mas a decisão foi muito clara: se vier a haver exploração, tem de haver estudo de impacto ambiental”, afirmou António Costa. Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, reconheceu que o Governo não vai atribuir novas licenças para prospecção de petróleo na costa portuguesa até 2019.

Sem desdenhar a importância da questão ambiental, até porque o Governo tem vindo a tomar medidas para diminuir a dependência de Portugal do petróleo, António Costa disse também que “mesmo quando tivermos alcançado, em 2050, se tudo correr muito bem, uma fase de neutralidade carbónica, ainda assim, nós teremos que importar entre 10 a 15 milhões de barris por ano para continuar a satisfazer os abastecimentos”. E acrescentou que é impossível ignorar “que durante muitos e muitos anos o mundo vai continuar ainda a consumir petróleo” e que o nosso país paga uma factura elevada ao estrangeiro pela importação de petróleo.

Os partidos também se manifestaram. Na ocasião, o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) e o Partido Animais Natureza (PAN) exigiram esclarecimentos da APA e requereram a presença do seu presidente, Nuno Lacasta, na Assembleia da República. O BE repudiou a decisão e manifestou a esperança que viesse a ser corrigida pelo poder político, o PEV considerou-a “inadmissível” e “muito grave” e o PAN entendeu que a mesma contraria a opção do Governo pela descarbonização.

O PSD, pela voz do deputado Cristóvão Norte, também criticou a decisão, considerando que aumenta a “desconfiança e incerteza” dos cidadãos, pois “pela forma como processo tem sido conduzido, faria todo o sentido e era exigível que tivesse lugar o estudo de impacto ambiental”. O PS/Algarve considerou-a uma “vergonha” e acusou a APA de inutilidade por ser um obstáculo à valorização ambiental em Portugal e agir contra recomendações do Parlamento e de organizações ambientalistas, na mesma linha de autarcas socialistas do Algarve, como Jorge Botelho (Tavira) ou José Gonçalves (Aljezur). Finalmente, o PCP, através do deputado Paulo Sá, considerou que apesar de o estudo não ser obrigatório, devia ser feito “porque a população assim o exigia”, e que ainda é tempo de reverter a decisão, impondo os estudos e suspendendo quaisquer operações de prospecção.

 

As concessões

Recorde-se que a decisão da APA, embora dispense a sondagem de AIA, obriga o consórcio a tomar 50 medidas adicionais “durante as diferentes fases de desenvolvimento do projecto”. Nuno Lacasta recordou entretanto que se a sondagem recomendar exploração, a lei impõe que o projecto se sujeite a uma AIA, ao contrário do licenciamento para sondagem, que não requer uma avaliação obrigatória. Todavia, se a sondagem fosse por meios não convencionais, ou seja, se fosse por fracturação hidráulica (fracking), a AIA já seria obrigatória. O passo seguinte é o licenciamento da operação de sondagem pelo Ministério da Economia.

Uma vez autorizada, a operação de sondagem no âmbito da concessão «Santola» terá lugar a 46 quilómetros da costa, a 1.070 metros de profundidade, entre 15 de Setembro deste ano e 15 de Janeiro de 2019. Envolve um navio sonda, o Saipem 12.000, da Eni, e dois navios de apoio, num processo que requer três meses de preparação e logística (que deverá ocorrer numa base logística, em Sines, a cerca de 88 quilómetros do local da sondagem), três dias para mobilização e posicionamento da sonda, 43 dias de perfuração contínua e três dias para desmobilização da operação. Na sua decisão, a APA admite dois cenários de risco. Um, de “colisão do navio de perfuração com ruptura total do tanque de combustível”, e outro, de “libertação não controlada de hidrocarbonetos de uma sondagem após a falha dos sistemas de controlo de pressão”, ou seja, de explosão.

Nesta fase do debate e do processo, de acordo com dados recolhidos junto da PALP, assentes em informação disponibilizada, estão em vigor contratos de concessões para exploração de hidrocarbonetos no deep-offshore português atribuídas desde Dezembro de 2014 ao consórcio ENI/Galp (Bacia do Alentejo, concessões «Santola», «Lavagante» e «Gamba»). No caso das concessões «Lavagante» e «Gamba», qualquer sondagem implicará uma decisão da APA sobre a necessidade ou não de uma AIA, à semelhança do que ocorreu com a «Santola». Entretanto, todas estas concessões viram o prazo original para realização de sondagens prorrogado até Janeiro de 2019.

Nos termos dos contratos, além do pagamento de rendas de superfície e taxas por celebração contratual, a atribuição destas três concessões envolve contrapartidas (leia-se receitas) a favor do Estado português e que se traduzem, por parte dos concessionários, no caso de descoberta de hidrocarbonetos, no pagamento de forma continuada de 2% dos primeiros 5 milhões de barris de petróleo (o termo usado é óleo equivalente), 5% entre os 5 e os 10 milhões de barris e 7% dos restantes barris produzidos. Um pagamento que será efectuado após a recuperação dos “custos de pesquisa e desenvolvimento do campo(s) petrolífero(s) e após descontar os custos operacionais da produção, isto é, quando atingir um resultado líquido positivo”.

Durante a vigência do contrato, os concessionários estão igualmente obrigados a prestar um financiamento anual ao Estado de 50 mil euros para: programas de transferência de tecnologia, actualização/formação e acções de promoção; aquisição e/ou renovação de equipamento técnico especializado; e preservação de dados técnicos, digitais e outros.

 

Um pouco de história

Num artigo publicado na Revista Electrónica de Direito Público em Maio passado, Carla Amado Gomes, Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), e Luís Baptista, Mestre em Ciências Jurídico-Ambientais da mesma Faculdade, lembravam que embora existam indícios de petróleo em território nacional, “a ultrapassagem da fase da sondagem nunca foi alcançada”. E com base em dados da Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC) recordam igualmente que a prospecção de petróleo em Portugal remonta há quase cem anos.

De acordo com esses dados, “as primeiras sondagens de pesquisa” realizaram-se no início do século XX, foram pouco profundas e “localizadas junto à ocorrência de rochas impregnadas por petróleo à superfície (seeps), no onshore, a Norte e Sul da Bacia Lusitânica”. Refere-se ainda que “em 1938 foi emitido um alvará de concessão para pesquisa de petróleo e substâncias betuminosas, abrangendo as bacias Lusitânica e do Algarve”, com várias transmissões “dos direitos desta concessão, que se manteve activa até 1968”. Durante a vigência da concessão, “na Bacia do Algarve, apenas foram efectuados levantamentos de gravimetria”, refere o documento.

Após o abandono desta concessão e no quadro de nova legislação sobre a matéria, as áreas de prospecção e pesquisa “foram divididas em blocos, tendo por base uma malha regular e postos a concurso internacional”, do qual resultaram “30 contratos para áreas no offshore, em 1973 e 1974”. O último terminou em 1979, mas durante esse período foram realizados levantamentos sísmicos e sondagens, incluindo 3 sondagens na Bacia do Algarve. Apesar de algumas sondagens terem “apresentado muito bons indícios de petróleo” e de até, em alguns casos, terem produzido “pequenas quantidades de óleo em drillstem tests”, a pesquisa esmoreceu no offshore depois de 1979.

No onshore, porém, esse interesse recrudesceu a partir de 1978. Como o demonstram as 23 concessões atribuídas no onshore (da Bacia Lusitânica, sendo que duas abrangem lotes no onshore e offshore) entre 1978 e 2004. No mesmo período, foram ainda atribuídas 15 concessões no offshore, das quais 3 na Bacia do Algarve, e uma licença de avaliação prévia no deep-offshore também na Bacia do Algarve. “Também em muitas destas sondagens foram encontrados bons indícios de petróleo”, refere o documento. Em 2007, o interesse cresceu ainda mais, “com a realização de 175 sondagens no mar, das quais 117 atestavam novamente indícios de petróleo e gás”, refere o documento dos dois académicos.

Os dois académicos explicam também que “a continuidade geológica entre o território português e a zona da Nova Escócia, no Canadá (onde existe grande exploração de petróleo), no período Jurássico, por um lado, e a recente confirmação de reservas petrolíferas ao largo da Mauritânia e de Marrocos, por outro lado, contribuem para manter viva a expectativa de encontrar petróleo na costa portuguesa — em quantidades que provavelmente não justificarão a exploração comercial”. Entretanto, as empresas petrolíferas vão solicitando direitos de prospecção e defendendo as vantagens científicas decorrentes dos levantamentos geológicos, contra os argumentos das organizações ambientalistas, que “condenam a possibilidade de prospecção num momento de transição para uma sociedade hipocarbónica” e desvalorizam a informação desses levantamentos por “supérflua no actual quadro de desmantelamento necessário da exploração de combustíveis fósseis”, referem os académicos.



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