Sabemos que o mar ainda está longe de ser «o grande desígnio nacional», como por vezes é afirmado, nem constitui uma prioridade determinante para o actual Governo e menos, ainda e mais concretamente, para o actual Primeiro-Ministro. Não obstante, lendo o “Orçamente de Estado para 2015” e, sobretudo, “As Grandes Opções do Plano para 2015”, motivos há, se não para embandeirar em arco, pelo menos para não desesperar completamente e de vez.
Em primeiro lugar, antes de mais e acima de tudo, a expressa intenção de concluir, aparentemente e o mais rapidamente possível, a indispensável legislação complementar à Lei de Bases do Ordenamento do Espaço Marítimo, a par do desenvolvimento da correspondente plataforma informática que permita harmonizar, simplificar, homogeneizar e agilizar o licenciamento das respectivas actividades, afigura-se, dir-se-á, talvez mesmo, de capital importância.
De facto, pretendendo-se atrair investimento para o mar e compreendendo como muito desse investimento, hoje como nos tempos mais próximos, por razões que nem valerá a pena lembrar, terá de vir de fora, um Sistema como o proposto revela-se um elemento-chave, decisivo para terminar de vez, espera-se, com o calvário dos processos actuais, não raras vezes verdadeiramente kafkianos, aleatórios, discricionários, frustrantes e completamente desincentivadores seja de que iniciativa for.
Ainda falta, por certo, ver o resultado final e sendo um elemento necessário e crucial, não é por si só suficiente, porque a par disso múltiplos outros factores concorrem de forma não menos determinante para a atracção de investimento, desde a estabilidade e segurança da política fiscal à legislação laboral, para referir apenas dois dos casos mais evidentes e comuns, mas independentemente de tudo isso a realizar-se em devidos termos, como se espera, será sem dúvida alguma um passo decisivo.
Por outro lado, algo surpreendente mas tão importante quanto eventualmente significativo, é igualmente o facto de se fazer explícita referência à «cooperação com a União Africana e à cooperação bilateral com os Estados Unidos da América, Cabo Verde e Noruega», aparentemente em plano equivalente à tão inexorável quanto sempre ambígua e equívoca «cooperação multilateral no quadro da União Europeia».
Dizemos algo surpreendente, mas tão importante quanto eventualmente significativo, antes de mais porque, até hoje, tem-se visto uma afirmação muito pouco autónoma de Portugal em relação á União Europeia em quaisquer áreas e muito em especial em tudo quanto aos Assuntos do Mar respeita, não deixando, no entanto, de se saber os riscos e ameaças sempre implicados nessa cega subsunção às políticas ditas europeias. Ora, nesse enquadramento, se a referência à «cooperação com a União Africana e à cooperação bilateral com os Estados Unidos da América, Cabo Verde e Noruega» significa, de facto, uma posição de consciente autonomia e efectiva prossecução de uma afirmação estratégia decididamente Atlântica, determinada, consequente e realmente independente, muito mais consentânea com os nossos interesses permanentes, isso significa também uma alteração de posição e visão que só é possível louvar. Tanto mais de louvar quanto, olhando para um mapa, facilmente se conclui que Portugal, nação marítima por excelência, é acima de tudo nação do Atlântico e que é com Cabo Verde que verdadeiramente se estabelece o terceiro vértice do famoso Triângulo Estratégico de que tanto se fala, mas do qual poucos parecem terem a real percepção. E sobre tudo o mais quanto naturalmente decorre desta reposição, pouco mais, pelas suas evidentes virtudes, valerá a pena aqui acrescentar.
Finalmente, se falamos de Portugal como nação marítima por excelência, embora hoje assim não nos vejamos, é como a maioria das restantes nações do mundo ainda continua a ver-nos, e um evento aparentemente menor como a “Semana do Mar”, em preparação, em princípio, para Julho, pode assumir igualmente determinante relevância para a reafirmação mundial de Portugal nos Assuntos do Mar.
Não será a “Semana do Mar” por si só, numa espécie de passe de mágica, a resolver dezenas de anos de abandono do mar, mas mostrando quanto de melhor se faz já entre nós em áreas tão decisivas para o futuro como a robótica, a exploração de biorecursos ou as riquezas inexploradas do nosso mar profundo, a par de uma biodiversidade sem paralelo na Europa, não deixará com certeza de despertar um renovado interesse por Portugal, pelas suas capacidades, inventividade e recursos, potenciando e facilitando, por consequência, a nossa reintegração nas mais avançadas redes mundiais de negócio onde se encontram hoje também profunda e estritamente interligadas desde as mais avançadas Empresas às mais avançadas Universidades, Laboratórios e Centros de Ciência e de Tecnologia de todo o mundo.
Por outro lado, mesmo em termos internos, sabendo como damos sempre uma desmedida importância à opinião dos estrangeiros sobre nós, a “Semana do Mar” poderá assumir ainda um papel relevante para que de uma vez por todas, atendendo à essa mesma opinião, readquiramos, também de uma vez por todas, a plena consciência de sermos uma nação marítima e, portanto, da crucial importância do mar para Portugal.
Se tudo isto conjugarmos, finalmente, com algumas boas iniciativas anunciadas para área dos portos que o actual Governo coloca fora do mar, podemos dizer que sinais há, de facto, para não desesperarmos completamente e de vez em relação a 2015.