Uma Semana Portuguesa do Oceano, com certeza?

“O mar com fim será grego ou romano, o mar sem fim será Português.”

Fernando Pessoa.

 

A agenda internacional em Portugal durante o mês de Junho ficou marcada pela Ocean Business Week 2016. Provavelmente já vêm um pouco tarde, estas minhas palavras, sobre este assunto que agora começa a esfriar face à atualidade sempre dinâmica das notícias que lemos, mas nas mentes daqueles que vivem e batalham pelo mar nacional não pode ainda ter desaparecido.

E porquê perguntará o leitor?

Porque de certeza que a todos ficou um sabor amargo na boca relativamente ao sucesso deste evento… Vejamos.

Mudou-se-lhe o nome. Porquê, pergunto eu? Não que considere o atual nome melhor ou pior que o anterior, mas a consistência a longo prazo só traz bons frutos; a inconstância destabiliza e dá a imagem de que o mar ainda não é um desígnio nacional mas partidário, e isso não é bom.

Manteve-se a reunião ministerial, e bem digo eu. Um sinal claro do papel que Portugal tem e continuará a ter neste sector. Somos o único país a convocar, e com sucesso, os ministros do mundo global para a nossa capital para discutir a agenda azul internacional. Isso é bom. Isso é poderoso. Mas porque centrámos uma boa parte da discussão no papel das Nações Unidas na economia azul global? E porque nos colocámos no papel de Portugal como facilitador? A sério?…  Que mensagem foi esta? Afinal o objectivo não era o de consolidar uma posição de clara vantagem geopolítica Portuguesa e de fortalecer a imagem do nosso mar como um mar global? O que acha o leitor que fica na mente dos mesmos ministros do mundo a quem quisemos mostrar uma posição de domínio inteligente? Não percebo…

Mudou-se-lhe a localização. Centralizaram-se geograficamente as ações. Isso foi bom. Muito bom. A dispersão geográfica do evento anterior tirou-lhe força. E esta localização não podia ser melhor – junto a Belém, um marco geográfico da era dos Descobrimentos e mais uma clara mensagem de que sabemos o que fazemos. Já o fizemos antes e caminhamos para uma nova era marítima. Isso é muito bom. E poderoso.

A exposição cresceu, com a maioria dos atores do panorama azul nacional presentes. Isso é bom. As grandes universidades e os excelentes centros de investigação que temos no mar estiveram lá. Marcaram pontos e mostraram que estamos na linha da liderança no que respeita a I&D azul. Isso é, de facto, de louvar e muito positivo para a nossa imagem. Mas poucos atores privados – PMEs e grandes indústrias- estiveram presentes. E isso não é um bom sinal… Porque eles existem em Portugal. Então porque não vieram expor? Porque consideram que não há negócio ali… E isso não é bom. Mas é verdade. As empresas existem para fazer negócios e não para andar ao sabor das agendas políticas. A exposição não tem grande público a não ser o político e os movimentos de media que os acompanham. Não há visitantes em catadupa à porta para entrar. Não há publicidade eficiente e suficiente sobre este evento. Não há atividades chamativas do público em geral. Para os envolver e dar-lhes a conhecer mais sobre o novo mar Português. E por isso, se nada mudar, continuará a ser difícil atraí-los para a exposição. E por fim faltou a presença dos grandes players internacionais? Porque não vieram? Consideram também eles que aqui não há negócio a fazer? Mas se o objectivo é mostrar algo à escala global não devíamos fazer o esforço para ir mais além?

Houve vários eventos paralelos ao grande evento e isso é bom. Tiveram grande adesão dos profissionais do sector e isso é de facto fantástico. Mostra uma sociedade envolvida, ativa e com vontade de executar, debater os problemas e as oportunidades e fomentar a partilha. E se queremos crescer a economia azul em Portugal, então, esta deve ser uma ferramenta que devemos continuar a incentivar e a explorar – a partilha ativa de conhecimento e a organização colectiva inteligente do sector.

E por fim, a grande Oceans Meeting Conference 2016, o grande evento de carácter mais científico desta mega evento de negócios azuis (ou seria mais correto referir-me a ele como o mega evento geopolítico?…) onde no programa constam grandes nomes internacionais do mar e da tecnologia azul, mas não os nossos ilustres e muito conceituados cientistas nacionais? Como foi isto possível? Mais ainda quando este evento teve nas bases da organização a nossa FCT, uma entidade que serve de voz ao que de melhor se faz em matéria de Ciência e Tecnologia nacional? Não é bom. É, aliás, muito mau. Um péssimo sinal que trasmitimos de falta de orgulho no que é nosso e de desconsideração pelo valor  conquistado por muitos dos nossos excelentes cientistas e investigadores que são líderes mundiais nos seus domínios de saber. Não se percebe.

Não posso deixar de terminar esta crónica com uma reflexão que me deixa contemplativa muitas vezes, mas sem resposta: que sinal é este que estamos a querer passar sobre o papel de Portugal na economia azul mundial? Que sinal queremos dar para fora de Portugal como nação azul? Que papel queremos ter e mostrar ao mundo que temos no mar único do planeta? E que mensagem queremos deixar cá dentro para aqueles que diariamente lutam por manter este mar ativo, um mar que nos alimenta, que nos dá prazer e saúde, que serve a nossa economia e pode levar-nos mais além, quando não nos valorizamos de dentro para fora e nos colocamos numa posição subalterna, num papel secundário, que não pode ser o de Portugal, maior nação marítima da Europa moderna? Não sei…. O leitor saberá?…



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«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
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