A irrelevância para que Portugal caminha afigura-se já quase tanto uma inevitabilidade quanto um simples facto adquirido, sendo a única questão que resta a de saber se ainda há muitos a quem tal circunstância verdadeiramente preocupe.
VTS

Uma das mais terríveis e devastadoras perversões politicas do nosso tempo foi, antes de mais, a absoluta prioridade concedida à economia, tudo reduzindo a uma mera questão de administração, com a dupla agravante de se entender, por um lado, ser superior missão dos Governos prover a todos e a cada um dos cidadãos, por essa mesma via, os meios necessários à obtenção de um máximo de felicidade possível, a par, por outro, de uma visão completamente estática e do mundo, conduzindo à defesa assim também à não menos perversa e mesquinha tese segundo a qual «os eleitores votam com a carteira».

Nada mais errado, porém.

Os eleitores só «votam com a carteira» quando, assumindo todos que todos apenas «votam com a carteira», a única escolha dada é pouco mais do que entre a abstenção ou, de facto, o «voto com a «carteira».

Dos políticos esperar-se-ia e exige-se, porém, um pouco mais, esperando-se e exigindo-se uma visão para Portugal, para além das questões de carácter meramente económico e financeiro, como saberem entender realmente, por exemplo, a importância, significado e inerentes implicações de sermos a Nação Marítima que dizemos ou cremos realmente ser mas que persiste em ignorar-se a si mesma enquanto tal, quando termos ou não termos plena  consciência da Nação Marítima que somos, não é uma mera questão de somenos mas algo crucial, determinante, decisivo, tanto em termos de afirmação Estratégica e Geoestratégica como em termos de Defesa, Diplomáticos, de Segurança, Educação e até mesmo económicos.

Se a economia hoje tudo domina, atenda-se, então, antes de mais, à evolução dos tempos e como o mundo está a virar-se inevitavelmente para o mar, na realidade, a territorializar o mar, não sendo já necessário sequer muito reflectir para entender porquê.

De facto, se pensarmos em termos de Biotecnologia, e na Biotecnologia Marinha em particular, com um mercado avaliado em cerca de 5 mil milhões de euros, valham este tipo de estimativas o que valerem, englobando áreas tão significativas como a farmacêutica, nutracêutica ou suplementos alimentares, cosmética e novos materiais, para nos ficarmos por aqui, logo se entende a importância da área marítima sob jurisdição nacional que entretanto deixámos já, por incúria, simples ignorância ou manifesta indiferença dos nossos políticos, à mercê da mais douta gestão da Comissão Europeia, tal como estipulado, ironia das ironias, Tratado de Lisboa.

Como inevitável será, mais cedo ou mais tarde, avançar-se decididamente para a mineração em águas profundas, um mercado avaliado já na asa dos 150 triliões de euros, valham,uma vez mais, o que valham tais estimativas, dada a evolução tecnológica exigir elementos que não será possível imaginar continuar a minerar ou mesmo encontrar  nas quantidades necessárias em terra, como sucede desde as terras raras ao cobalto, indispensáveis ao fabrico desde telemóveis e outros tipos de equipamentos equivalentes, até às baterias dos veículos eléctricos que todos vamos querer usar um dia, entre múltiplos outros tipos de minerais, tal como impossível será não se avançar para o mar em termos de produção de energias renováveis marinhas e até para a exploração e aproveitamento dos portentosos hidratos de metano, uma vez controlados os respectivos métodos de processamento das suas extraordinárias capacidades energéticas.

Assim como para Vigilância, Defesa e Segurança das mesmas áreas marinhas sob jurisdição nacional, actuais e futuras, incluindo as áreas Marinhas Protegidas e a futura Extensão da Plataforma Continental, irá ser necessário desenvolver novas plataformas, novos sistemas, nova robótica, novos sensores e toda uma nova série de equipamentos, não deixando de se colocar a questão de temos a capacidade de os desenvolvermos nós próprios, integralmente ou em parceria, pegando, por exemplo, nos tradicionais estaleiros nacionais, muitos dos quais a passarem uma bem difícil fase, ou continuamos a confiar inteiramente na iniciativa de terceiros, a começar logo aqui ao lado por Espanha.

Ou seja, mesmo em termos económicos, as oportunidades que o mar oferece são únicas mas para podermos vir a beneficiar efectivamente dessas mesmas oportunidades é necessário, evidentemente, termos, antes de mais, sentido e visão estratégica.

Temos?

Qual, por exemplo, a nossa posição perante a União Europeia no que aos assuntos do mar respeita? Passiva, simplesmente passiva, como sempre?

Vamos passar também a confiar, antes de mais e acima de tudo, na Guarda de Fronteiras e Costeira Europeia, sem mais, para vigilância, patrulha, defesa e segurança do nosso Mar?

Que afirmação queremos ter no Atlântico?

E mesmo no que respeita à CPLP, onde verdadeiramente a nossa mais-valia?

Ora, neste enquadramento, sabendo a situação em que nos encontramos, sendo patente a falta de acção estratégica do actual Governo, esperava-se um pouco mais de visão dos mais recente Congressos do PSD e do CDS mas, tanto num caso como noutro, nada de novo, ou seja, a mesma inconsciência de sempre sobre a Nação Marítima que somos e que persiste em ignorar-se completamente enquanto tal, com as devastadoras consequências que todos conhecemos.

Nesse particular, mais surpreendentemente até, deve dizer-se, no segundo caso que no primeiro, uma vez Assunção Cristas ter sido Ministra do Mar (da Agricultura, do Ordenamento do Território  e da Agricultura e do Mar, numa segunda fase, é certo, mas do Mar em qualquer caso), e dever ter, por isso mesmo, uma muito mais apurada mais consciência da decisiva importância do Mar para Portugal do que os seus pares, como poderia ter aprendido também com o seu muito admirado e homenageado Adriano Moreira, agora nomeado também Senador, quando, mais próximo da Marinha, não tem deixado de vir a alertar ao longo dos últimos anos, em várias conferências e mais circunscritos encontros relacionados com os Assuntos do Mar, para os perigos para Portugal de um conceito como o de Mar Europeu, tal como surgido nos dias de Durão Barroso enquanto Presidente da Comissão Europeia, não deixando de estranhar no entanto que sobre tal nada haja referido, a julgar, pelo menos, por quanto veiculado pelos mais diversos órgãos de informação, no palco onde seria talvez mais importante que o tivesse feito, ou seja,  no Congresso do seu Partido, exortando as novas gerações a não cometerem os mesmos erros de cegueira que a sua geração cometeu, como se afigura ser questão que, muito compreensível e nobremente, permanentemente o obsidia e preocupa.

Perante este panorama, para quem defende Portugal caminhar inexoravelmente para a irrelevância se não souber olhar com olhos de ver, com visão e consequente acção estratégica, para o Mar sob sua jurisdição, para o Mar que é seu, a perspectiva não pode ser senão, no mínimo, sombria, afigurando-se quase inevitável, assim persistindo, continuarmos a caminhar alegremente para o abismo, para a dita irrelevância, como desde há muito se afigura estarmos inexoravelmente a caminhar.

Para citarmos o famoso dito de Einstein, «é estúpido pensar podermos um dia alcançarmos um resultado diferente persistindo sempre na simples repetição, mesmo que vezes sem conta, da sempre a mesma exacta acção», mas somos Portugueses e, ainda assim, o que também esperamos é que não falhe a nossa velha sabedoria popular, que «água mole em pedra dura …».

Somos Portugueses, povo de Crença Metódica, ao contrário de outros de Dúvida Metódica. Valha-nos isso _ e que haja ainda o número suficiente de Portugueses que saibam por tudo isto dar.



Um comentário em “Portugal a Caminho da Inevitável Irrelevância?”

  1. Helder Costa Almeida diz:

    GRANDE APLAUSO: concordo inteiramente

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