A recente confirmação de os Estados Unidos pretenderem reactivar a sua II Esquadra, a ficar sediada na Base Naval de Norfolk, no Estado da Virgínia e sede também do ACT (Allied Command Transformation) da NATO, diz bem da importância que o Atlântico continua a ter, e irá continuar a ter, na geopolítica internacional.

Ao longo do tempo, o Jornal da Economia do Mar não tem deixado de chamar a atenção para o enorme erro que constitui imaginar, e mais do que isso, aceitar, a perda de importância do Atlântico apenas porque se ter vindo a verificar, em termos relativos, uma crescente importância do Pacífico.

Para além do Atlântico continuar a ligar duas das mais poderosas e avançadas economias do mundo, os Estados Unidos e a União Europeia, sem esquecer o Canadá e o México, continua a possuir igualmente algumas das maiores reservas do mundo em hidrocarbonetos, bem como a dispor de recursos haliêuticos, uma biodiversidade e uma riqueza nos fundos marinhos que ainda não sendo totalmente conhecida ou estando já perfeitamente contabilizada, se sabe já, sem a menor dúvida, pra além da enorme potencial riqueza, ir ser determinante importância económica no futuro.

Não obstante, após a queda do Muro de Berlim, ou seja, do fim da Guerra Fria, a par da ascensão da China e da crescente importância para o comércio e economia mundiais dos mercados asiáticos, com a correspondente crescente importância estratégica do Pacífico, houve, de facto, um período em que, dado igualmente o manifesto e primordial  interesse dos Estados Unidos em reforçarem a sua posição no Pacífico, deixando, aparentemente, o Atlântico um pouco para segundo plano, se poderia ser levado crer no declínio da sua importância estratégica.

De facto, no início dos anos 2000, após o 11 de Setembro, dado o envolvimento no Afeganistão, primeiro, e no Iraque, logo depois, os Estados Unidos pareciam estar a alhear-se um pouco do Atlântico, sendo a sua aparente doutrina a de não se preocuparem nem com a insegurança, instabilidade e múltiplos tráficos, sobretudo a Sul, uma vez entenderem ser essa preocupação essencialmente uma preocupação Europeia e localizadamente Africana mas não necessariamente norte-Americana.

Todavia, três aspectos houve que foram rapidamente compreendidos e começaram a alterar um pouco o panorama.

Em primeiro lugar foi compreendido que os muito tráficos oriundos da América do Sul, sobretudo de droga, atravessando o Atlântico e passando por África, primordialmente dirigidos à Europa, não eram apenas um problema Europeu mas, constituindo-se como uma das bases de financiamento do terrorismo internacional, também seu, i.e., dos próprios Estados Unidos, dos Norte-Americanos.

Em segundo lugar, encontrando-nos num período ainda anterior à designada revolução do Gás de Xisto, dada a dependência em que os Estados Unidos se encontravam das importações de hidrocarbonetos, sobretudo do Golfo Pérsico, pretendendo substituí-las, por razões estratégicas de segurança, em cerca de pelo menos até 15%, por importações do Golfo da Guiné, o crescente número de actos de pirataria e insegurança na região, tampouco deixava de ser uma preocupação apenas de terceiros mas também sua, dos Estados Unidos.

Finalmente, talvez menos significativo à época mas, ainda assim, a atender, havia igualmente a questão da crescente influência e Chinesa, conjugada com a anterior mas não menor nem menos importante influência Russa, em domínios e áreas específicas, incluindo, como hoje se vê ser um problema cada vez mais sério, a igualmente crescente pressão sobre os recurso haliêuticos, não deixando, inclusive, de conduzir a aumento de possíveis conflitos,  tal como tem vindo a suceder, em vário casos, com a frota de pesca chinesa.

Foi exactamente num enquadramento como o descrito acima que os Estados Unidos, para além da participação no Exercício Steadfast Jaguar da NATO, realizado em 2006 em Cabo Verde, procederam à criação, em 2007, do Africom, um novo Comando para África, com início de operação em 2008, bem como à reactivação da IV Esquadra, igualmente em 2008, depois de desactivada em 1950, não sem uma natural e manifestado reacção de desagrado e incómodo por parte de nações como o Brasil ou a Argentina, bem como, embora por razões distintas, igualmente de Cuba e da Venezuela, numa demonstração da importância que os Estados Unidos continuavam, afinal e não por acaso, a conceder ao Atlântico Sul,  bem como, por razões diversas mas complementares e interligadas, a África, muito em especial aos países ribeirinhos do Atlântico, procurando mesmo, em determinado momento, colocar a Sede do mesmo Africom, em Angola, Cabo Verde ou S. Tomé e Príncipe, embora sem êxito, acabando assim por permanecer a respectiva Sede, como ainda hoje sucede, em Estugarda.

Entretanto, no que respeita ao Atlântico Norte, algo semelhante se afigure ter acontecido e estar a acontecer. Ou seja, se durante as últimas décadas, sobretudo após a queda do Muro de Berlim, o Atlântico Norte pareceu vir a perder progressivamente a importância estratégica para os Estados Unidos que outrora tivera, a ponto de  a II Esquadra ter sido mesmo desactivada em 2011, assim como as declarações e afirmações de posição em relação à NATO, como às respectivas nações Europeias  ou à designada Parceria Transatlântica, no início do mandato da actual Administração, aparentemente o confirmavam, o mais recente anúncio da reactivação da mesma II Esquadra, a ficar sediada na Base Naval de Norfolk, no Estado da Virgínia, sede também do ACT (Allied Command Transformation) da NATO, em Julho próximo, não deixa de representar um certo volte-face e a obrigar-nos a perscrutarmos as mais fundas razões que terão conduzidos a tal mudança de atitude, nas suas eventuais consequências e no seu possível significado para nós enquanto nação eminentemente Atlântica.

Numa primeira instância, seguindo as notícias vindas a público no últimos meses, uma primeira constatação também é a crescente frequência de manifestação pública dos mais altos Comandos Norte-Americanos e da NATO, sobre o significativo aumento verificado nos últimos anos, do número de incursões de submarinos Russos no Atlântico Norte, não deixando de ser igualmente bem conhecidas as «provocações» realizadas por caças igualmente Russos sobre navios da frota Norte-Americana e da NATO, tanto no Báltico como, inclusive, no Mediterrâneo, mercê também do reforço da sua posição na Guerra da Síria, para além do relato de um ou outro caso semelhante ocorrido no Mar Negro.

A frota Russa encontra-se hoje muito diminuída em relação aos mais auspiciosos dias da antiga União Soviética e da Guerra Fria mas o Kremlin não tem deixado de vir a impor um intenso programa de reequipamento da sua Marinha, com muito particular ênfase numa nova geração de submarinos diesel-eléctricos e nucleares, muito mais letais e mais difíceis de localizar.

Dir-se-á que, globalmente, a dimensão, capacidade, poder e força da Marinha Russa ainda se encontra longe, muito longe, da dimensão, capacidade, poder e força da Marinha Norte-Americana, o que parece mesmo ser um simples facto incontestado.

Todavia, alguns especialistas não deixam de alertar para o facto de a distância estar a vir a ser paulatinamente encurtada, sobretudo em termos tecnológicos e, muito em particular e mais rapidamente ainda, na área dos vários tipos de submarinos, sendo exactamente o mundo submarino o domínio crítico por excelência do tempo actual e o conceito subjacente ao famoso artigo, intitulado precisamente, A IV Batalha do Atlântico, de James Foggo III e Alarik Fritz, publicado na Proceedings Magazine de Junho de 2016, onde todas destas questões são minuciosamente analisadas.

Por si só, e pela necessidade, como afirmava o Historiador Eric Grove na sua palestra na Academia da Marinha em Fevereiro passado, de proceder a uma permanente vigilância das mesmas incursões, não deixando fazer saber da respectiva detecção e contínua monitorização, a actual preocupação e consequente reactivação da II Esquadra por parte dos Estados Unidos, parece  fazer todo o sentido quando a NATO também pensa numa mudança na estrutura de Comandos, vindo a ficar provavelmente sediado em Ulm, como proposto pela Alemanha, o Comando Logístico, e criando-se um novo Comando para o Atlântico Norte.

Mas será apenas isso?

Se olharmos para um mapa-múndi, mesmo que apenas de relance, percebemos sem dificuldade como o Atlântico Norte também se conjuga com o Árctico onde tudo está a mudar muito e muito rapidamente, tanto pelo degelo quanto pela consequente diminuição da calote polar, como o mesmo degelo e a mesma diminuição da calote polar têm vindo a permitir e a Rússia tem sabido inteligentemente aproveitar para aí conseguir significativa vantagem competitiva , tanto mais quanto os Estados Unidos, à semelhança do sucedido em relação ao Atlântico, também em relação ao Árctico, após a queda do Muro de Berlim, não souberam atender talvez à sua renovada importância estratégica futura.

De facto, como é manifesto e patente, os Estados Unidos não possuem hoje no Árctico nem equipamento, nem homens, nem forças ou seja o que for de equivalente aos equipamentos, aos homens, às forças que a Rússia aí detém, incluindo os mais famosos Quebra-Gelos nucleares com capacidade de perfurar blocos de gelo até três metros de espessura e que hoje conseguem manter já aberta à navegação, todo o ano, a designada Rota do Norte que permite realizar uma viagem de ligação entre Xangai e Londres, para dar apenas um exemplo, em apenas dezanove dias, rota muito do interesse, como já manifestado também, e não por simples acaso, por uma empresa de transporte marítimoChinesa como a COSCO.

Para além disso, são bem conhecidas já as enormes reservas em hidrocarbonetos igualmente existentes no Árctico, impossíveis de exploração até há bem pouco tempo, fosse por falta de tecnologia apropriada, fosse porque a extensão da calote polar não o permitia.

Como o projecto Yamal LNG tem vindo a provar e a demonstrar, tudo isso é passado, mas mais decisivo para quanto nos importa aqui considerar é que, a par de todo o grandioso, sofisticado e altamente avançado projecto de exploração de gás natural na Península de Yamal, a crescente militarização da região por parte da Rússia, incluindo a construção de novas Bases Militares em Novaya Zemlya, no Mar de Kara, a Norte do Mar de Barents e não muito distante da Noruega, nação membro da NATO, não se coibindo sequer à instalação dos mais sofisticados e avançados mísseis SS-300 e SS-400, bem como a conjugação estratégica entretanto verificada com a China, crescentemente interessada também no Árctico, de cujo   Conselho é já Observador Permanente, não se  eximindo sequer à realização de importantes exercícios militares conjuntos na região, o quadro começa a ficar mais completo, e ainda mais quando a tudo isso juntamos igualmente as diligências e Pequim, sem qualquer envolvimento nas disputas de limites territoriais  que opõem na Região, Estados Unidos, Canadá, Rússia e Dinamarca, em estabelecer alianças com outras nações com interesse ou ligação directa ao Árctico, como a Finlândia, Noruega, Dinamarca e Gronelândia onde empresas chinesas de mineração, em parceria com a britânica London Mining, procuram já a exploração de metais não ferrosos como zinco, urânio e terras-raras ou a Islândia, um dos pontos críticos de passagem entre o Árctico e o Atlântico e onde os Estados Unidos já não possuem uma Base permanente.

Tendo tudo isto em atenção, talvez se comece a compreender melhor porque se dá agora a reactivação da II Esquadra e uma renovada importância estratégica ao Atlântico Norte.

E o que temos nós a ver com isso?

Olhando uma vez mais para um mapa, não se afigura muito difícil imaginarmos e percebermos de imediato, igualmente o desenho de um triângulo estratégico a Norte, com os vértices colocados nos Açores, Portugal Continental e Cabo Verde, sem esquecer, naturalmente a Madeira, bem como um segundo triângulo estratégico a Sul, com os vértices colocados em Cabo Verde, Brasil e Angola, sem esquecer também S. Tomé e Príncipe e a Guiné, logo deixando bem expresso como o Atlântico, o Atlântico no seu todo, afinal, é, ou pode ser visto, como predominantemente Lusófono.

Ora, se o que une os homens é a luta contra o mal, o que une as nações é aluta pela afirmação dos seus interesses estratégicos permanentes, o que significa, no caso das nações que formam a CPLP, e muito em particular das nações do Arco Atlântico, a afirmação de uma real capacidade de projecção marítima, ou, no caso, Atlântica.

Não pode deixar de ser assim, sobretudo na actualidade.

Neste enquadramento, ou seja, quando temos notícia da reactivação da II Esquadra, as preocupações da NATO com o Atlântico são crescentes e se dá uma renovada atenção à importância estratégica do Atlântico, em todas as suas mais variadas e múltiplas dimensões, temos igualmente notícia da visita do nosso Ministro da Defesa a Angola.

Coincidência significativa.

De acordo com as notícias veiculadas oficialmente, a visita tem como principal intuito desanuviar as relações entre Portugal e Angola e proceder à actualização da mais tradicional cooperação técnico-militar, mas suspeita-se que não seja só isso.

O Ministro da Defesa vai a Angola acompanhado não apenas pelo Chefe-de-Estado Maior das Forças Armadas, Almirante António Silva Ribeiro, bem assim também como pelos Chefes dos três Ramos das Forças Armadas, incluindo, naturalmente, o Chefe-de-Estado da Armada, Almirante António Mendes Calado.

Destacamos os nomes do Almirante António Silva Ribeiro e do Almirante António Mendes Calado, não apenas porque são, antes de mais, Homens do Mar, mas também porque, enquanto o primeiro é uma das pessoas que ao longo dos anos mais escreveu em Portugal mais sobre Estratégia e Planeamento Estratégico, além de Professor Catedrático no ICSP em tais matérias, o segundo, tendo participado, enquanto Comandante do NRP Côrte-Real,  Operational Sea Training, em Plymouth, navegou a nossa Fragata ao feito único da melhor classificação do ano, situação que quem é da Marinha, ou está de algum modo relacionado ou tem conhecimento de alguns dos mais importantes marcos relativos  à Marinha e aos respectivos Navios, sabe bem o significado.

Acompanhando o Ministro da Defesa, António Silva Ribeiro e António Mendes Calado, como Leais Conselheiros, altamente preparados e sábios, não deixarão de abordar, com certeza, quanto acima dito, e mais ainda que apenas subentendido ficou, permitindo assim , talvez, começarmos a olhar para o Atlântico com verdadeiros olhos de ver, de modo a transformar a visita, não apenas numa mera visita de cortesia, processual e técnico-administrativa, mas num primeiro momento de abertura e início de uma nova era de real projecção Atlântica da CPLP, podendo Portugal desempenhar, nesse enquadramento, o papel que lhe é próprio, ou seja, de crucial pivot de articulação entre todos, em todas as necessárias instâncias de consequente e coordenada acção.



4 comentários em “Portugal, a CPLP, o Atlântico, os EUA e a NATO”

  1. Artur Almeida diz:

    Gostei do artigo e enquadra-se perfeitamente, no que concerne manter a lusofonia unida e ainda ao facto dos Estados Unidos activarem a II Esquadra. O Atlântico merece a estratégia concebida

  2. já ouvi falar do mapa cor de rosa, só falta o mar cor de rosa. boas braçadas

  3. Artur Manuel Pires diz:

    Muito interessante e oportuníssimo.

  4. Carlos Gertrudes diz:

    Gostei do artigo, de facto o mapa mundo não é apenas a €uropa, a costa Oeste dos USA e o atlântico que os separa.
    Teremos que começar a er a “bola” terrestre de vários ângulos, incluindo os polos.

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