Economia do Mar - A Oportunidade em Portugal

Hoje olhamos o mar todos os dias a partir de uma janela, pouco mais poderemos ver para além do que ocorre no transporte marítimo, por exemplo, em que o número de navios decresce lentamente, embora o seu deslocamento e capacidade de carga seja muito maior. Observaremos, também, um elevado número de navios de cruzeiro a visitar as maiores cidades portuárias do País, as quais encerram tesouros do nosso património cultural atrativos para um turismo global cada vez mais ávido em associar experiências e conhecimento. Tanto para os primeiros, como para os segundos, é possível observar a resposta dos terminais portuários aos desafios de eficácia e eficiência que os atuais modelos de negócio daquelas atividades lhes colocam. Também é um facto que o País tem procurado, ainda que lentamente, dar inúmeras respostas a esta realidade, consciente da incontornável vantagem que representa o seu posicionamento geográfico como hub Atlântico.

Também, dessa janela, se passaram a contar menos embarcações de pesca, por um lado, por necessidade de praticar uma gestão de recursos de pesca em situação de limite relativamente a  diversos stocks de espécies, e, por outro lado, pelas melhorias tecnológicas introduzidas nas embarcações mais modernas, em particular no que respeita às suas capacidades de deteção e captura. É aceitável reconhecer, entretanto, que a Política Comum de Pesca a que estamos vinculados, muitas vezes por dificuldade de percepção das situações mais específicas, ou por influência de mais fortes que desafiam o princípio da subsidiaridade, tem dado origem a discussões mais acesas pela defesa dos múltiplos interesses em jogo. Porém, também é justo afirmar que esta política tem procurado regular a atividade com um alcance que, de outro modo, dificilmente atingiria escala e resultados semelhantes. Por outro lado, o pensamento estratégico não poderá tardar em refletir acerca da necessidade em racionalizar a rede de portos de pesca e varadouros no País, em face a atual dimensão da frota e do enorme encargo público que representa garantir, em toda a sua extensão, as condições de operação em segurança das respetivas barras, muitas delas edificadas em confronto com a condições naturais, Como consequência, assistimos ao seu assoreamento recorrente, constituindo perigo para a segurança da navegação e da vida humana no mar.

Sublinharia que em todo este conjunto de infra-estruturas e equipamentos portuários, existem oportunidades em Portugal para investir na racionalização de algumas, ou na ampliação de outras. Aqui residirá, certamente, um importante espaço para a inovação e o engenho dos portugueses e dos seus parcerios internacionais, alinhando as opções de resposta possíveis com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030 das Nações Unidas. Esta oportunidade traduz-se, assim,  na integração destas capacidades nas cidades inteligentes, nos conceitos de mobilidade, no acesso à energia e à sua eficiência na utilização e descarbonização, na melhoria da qualidade do ar que respiramos, na democratização do acesso dos cidadãos à zonas ribeirinhas e à água, e no usufruto, por estes, de um espaço de lazer coexistindo com renovadas actividades socio-económicas que vão do desporto escolar aos grandes eventos náuticos desportivos e culturais, ou dos roteiros náuticos de turísmo local, ao turismo de investigação científica nos parques marinhos.

Mas será importante sair do espaço de conforto de muitas das janelas hoje utilizadas e observar a economia do mar segundo outras perspetivas e que nos ajudem a desafiar estereotipos e ideias pré-concebidas acerca do seu estado de saúde. Em sentido figurado, os portugueses tem tendência a caracterizar a ação de Portugal no mar como um polvo cuja grande cabeça é desproporcional ao tamanho dos seus pequenos tentáculos. Refiro-me, em particular, à dificuldade percecionada em estender o desenvolvimento social e económico ao imenso espaço marítimo nacional e em alinhar o “saber” com o “fazer”.

Porém, se essa janela for a Conta Satélite do Mar, observaremos perto de 60 mil unidades económicas, muitas delas micro e pequenas empresas mas que, no conjunto, revelam a existência de uma força económica que tem provado ser resiliente e capaz de oferecer um importante contributo para ultrapassar o período de crise no País. Em actividade direta esta força contribuiu, em 2013, para 3,1% do VAB e 3,6% do emprego em Portugal. Não menos importante será verificar-se o alinhamento muito favorável para um contexto de Desenvolvimento Sustentável do Oceano e das Zonas Costeiras. Para além de uma estratégia e um plano de ação nacionais em implementação, foi possível a Portugal harmonizar objetivos e ações com a estratégia Europeia e Atlântica, bem como orientar os respetivos instrumentos financeiros da União Europeia e do Espaço Económico Europeu, com vista à implementação do modelo no País, procurando, ainda, facilitar a formação de parcerias internacionais. A sua legislação de suporte ao ordenamento e gestão do espaço marítimo e à monitorização ambiental, constituem instrumentos que devem assegurar a ação do Estado e a segurança jurídica necessária aos grandes investimentos orientados para o seu  desenvolvimento social e económico.

No setor do turismo, em particular a sua oferta baseada no turismo costeiro e naútico, e as marinas, continuará a ser um espaço de renovação e onde a inovação e os modelos de intervenção associados à valorização dos recursos endógenos, às experiências e ao conhecimento, poderão promover vantagens comparativas que levem o mercado internacional a reforçar a sua preferência por Portugal, não apenas em terra e até à praia, mas também no mar, incluindo um dinamizado setor da náutica.

Numa perspetiva de coesão territorial e integração, também é hoje possível observar, a partir da Região Autónoma da Madeira, uma dinâmica de cluster ligada ao transporte marítimo, por exemplo. Tal é resultado, por um lado, de uma economia do mar cada vez mais internacionalizada e com uma oferta competitiva na Região e, por outro lado, da opção de uma parte importante do setor económico multinacional e detentor de uma parcela significativa da frota mercante mundial preferir a utilização destes serviços. Com efeito, o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) é hoje um grande registo Europeu. A prová-lo está a presença do Pavilhão Nacional em quase quinhentos navios a navegar pelo mundo. Mas o contexto de internacionalização económica desafia paradigmas e o MAR não é exceção. Ter visão e intervenção global neste mercado, implica requerer, e vir a dispor, rapidamente, dos instrumentos técnicos adaptados à dimensão e necessidade da resposta. Estes, vão desde a qualidade na gestão do serviço aos utilizadores, até à garantia dos requisitos de segurança marítima em zonas risco de pirataria, incluindo segurança armada, para proteção dos marítimos embarcados e dos bens transportados, alguns deles podendo carecer de proteção especial. No essencial, quer pelos resultados que tem vindo sistematicamente a alcançar, quer pela oportunidade em poder ampliar as capacidades do cluster no País e na Europa, e, em particular, na própria Região, ao envolver outras atividades da cadeia de valor do transporte marítimo que nela se tem vindo a estabelecer, ele tornou-se, fundamentalmente, no Registo da conveniência dos portugueses que dele podem hoje beneficiar.

Outra área visível é o esforço à escala Nacional no domínio da promoção da aquicultura. É possível antecipar que os desenvolvimentos tecnológicos e os esforços de inovação possam ajudar a ultrapassar os constrangimentos e os riscos que, nalguns casos, ainda se verificam na produção aquicola. Mas o setor enfrenta desafios em múltiplas direções. Por um lado, terá de dar resposta às necessidades de consumo de pescado no País, contribuindo para a redução das importações e o equilibrio da balança de transações, num cenário em que o limite de capturas da pesca se encontra praticamente atingido. E, por outro lado, terá de produzir os melhores produtos e internacionalizar as respetivas marcas, promovendo uma exportação baseada na qualidade. Só através da produção de elevada e reconhecida qualidade se poderão desenvolver vantagens comparativas que permitam aos produtos nacionais competirem no mercado global. Assinale-se, a este respeito, que na Região Autónoma da Madeira a sua população consome, já hoje, mais peixe de aquicultura do que proveniente da pesca. Também as medidas que estão a ser levadas a cabo nesta Região para a promoção desta actividade no offshore poderão torná-la numa das mais importantes áreas de produção nacionais neste setor. Por outro lado, o País exporta ostras para o mercado internacional especializado, onde o preço de aquisição do produto pode ser diferenciado, com base num nicho de procura de excelência do mesmo.

Mas a promoção da aquicultura é, efetivamente, um esforço à escala Nacional e a esta dinâmica juntam-se, para além da ampliação das áreas licenciáveis para a produção aquícola em todo o País, diversos projetos de inovação científica e tecnológica de apoio à produção de bivalves, peixe e algas, incluindo o recurso à cooperação e o investimento estrangeiro. Será, por isso, de admitir que mais resultados positivos no setor possam vir a ser alcançados em breve e que seja possível mais do que duplicar a produção ao longo dos próximos anos.

Pode, por isso, afirmar-se que o País está animado em procurar ampliar as suas capacidades de desenvolvimento no mar. Por outras palavras, ele ambiciona aumentar o tamanho dos “tentáculos” da sua economia do mar. E, nalguns casos, estes irão mesmo para além do espaço marítimo Nacional.

Porém, outras janelas precisam de ser abertas, para que seja possível, por exemplo, ver a oportunidade que os serviços do offshore pode representar para o País, e, dele, para o mundo. O know-how, adquirido e a adquirir, possibilita a criação de um espaço de ação económica que vai desde as tecnologias da robótica, às telecomunicações dos cabos submarinos; dos sensores in-situ à deteção remota a partir do espaço; e das energias renováveis e não-renováveis à mineração e a biotecnologia. Naturalmente, serão estes serviços, ditos emergentes, e a sua disponibilidade em Portugal, que  poderão determinar o caminho a seguir para o setor da construção naval que os poderá apoiar.

Portugal tem de ser capaz, de aceder aos seus recursos naturais no mar profundo, por imperativo da obtenção do seu conhecimento, da sua exploração e da sua preservação. Mapear o leito e subsolo marinho de um País com a dimensão de Portugal no mar é também poder vir a dispor da capacidade de influenciar o seu próprio posicionamento futuro no contexto do desenvolvimento sustentável no mar. É ser capaz de se afirmar na moldura e na agenda internacional, e, deste modo, poder ser um actor ativo capaz não só de “pensar”, como de “fazer”, contribuindo para influênciar e ser parte nas ações mais importantes que defendam e promovam os seus interesses.

Mas para que o polvo a que me refiro possa ampliar os seus tentáculos, torna-se necessário que os portugueses, e os parceiros dos portugueses, sejam capazes de se capacitar em maior escala para poder responder a um tal desígnio. Por essa razão, o ensino e formação profissional para o mar deve ser considerado a prioridade estratégica. Sem a massa crítica necessária para poder seguir em frente e agarrar as oportunidades que se podem oferecer a Portugal no mar, e materializáveis através da nossa capacidade de realização, os tentáculos não serão suficientemente compridos para as alcançar e permitir que o País possa crescer a partir do mar.

Estimulo, por isso, a que se encare essa necessidade frontalmente, de uma forma descentralizada e que possa responder às diversas necessidades do País, envolvendo as realidades e as oportunidades locais que para ele podem contribuir. Esta será, aliás, a única forma de poder criar e fixar a riqueza e o emprego. Porém, e simultaneamente, há que promover a flexibilidade e a mobilidade para os nossos cidadãos no mercado internacional de trabalho ligado à economia do mar, preparando-os e preparando-nos para o nosso mercado – o mundo.

Isto para dizer que queremos que o polvo esteja bem e se possa recomendar.



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«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
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