Quo Vadis Economia do Mar

A economia do mar tenderá a ser impulsionada em resultado da combinação de fatores que envolvem o crescimento populacional, o poder de compra, a gestão dos recursos naturais, a resposta às alterações climáticas e as tecnologias de suporte à transformação que será necessária realizar na sociedade de forma a adaptar-se a um modelo de desenvolvimento sustentável e sustentado do Oceano e das zonas costeiras. E que não restem dúvidas acerca do quão essencial será esta base de desenvolvimento para o bem-estar e a prosperidade da Humanidade.

Neste percurso não haverá mais um regresso às origens, uma vez que elas estão definitivamente alteradas em face das ações já ocorridas, ou outras que se passaram a evitar por intervenção de uma sociedade inteligente e como resultado do conhecimento que, entretanto, adquiriu.

Será precisamente perante este quadro de alterações e correspondentes desafios e ameaças que as atividades marítimas ditas emergentes encontram um espaço que é de oportunidade e afirmação, mas também de esperança em poderem contribuir para um desenvolvimento mais inteligente, sustentável e inclusivo. Também, será por razão desse mesmo quadro que se impõe uma abordagem qualitativa cada vez mais exigente e responsável sobre as atividades marítimas tradicionais. Como referi, quer por efeito do Homem, quer por razões naturais, e com ou sem conhecimento para as desvendar, o ambiente marinho incorpora perigos para a saúde humana. Por exemplo, o consumo dos recursos vivos é hoje objeto da nossa cuidada atenção. Com maior ou menor peso comparativo, este fenómeno manifesta-se em terra de uma forma bastante mais acelerada, fruto de uma intensa ação predadora realizada pelo Homem.

A caça há muito que deixou de ser a atividade humana de base para a obtenção de proteína animal, exceto em regiões muito específicas e segundo uma lógica de subsistência local. Tal se deve, por um lado, à escassez de recurso e, por outro lado, aos problemas derivados dos efeitos de contaminação e do risco de transmissão de doenças. Mais tarde ou mais cedo, o mesmo fenómeno se manifestará no mar com a atividade da pesca. Por isso, tal como em terra, a capacidade do Homem poder vir a controlar de forma mais eficaz e eficiente o processo de produção de proteína animal e vegetal no mar será essencial. E não é apenas por razões de quantidade, dado existirem também fundadas razões de qualidade. Com efeito, o conhecimento existente acerca da concentração de metais pesados, em particular nas espécies de profundidade, ou a existência de microplásticos no organismo de espécies pelágicas e os seus efeitos em toda a cadeia alimentar, constituem exemplos que nos levarão a concluir que apenas não o afirmamos, muitas vezes, por desconhecimento, medo ou omissão.

Razões afins poderíamos invocar relativamente à exploração dos recursos minerais e energéticos, e às práticas nela utilizadas. A mesma tónica deve assentar sobre a exigência de melhores práticas e sentido de responsabilidade, atenta a preservação do que é essencial para o Planeta.

 

Falar de uma economia do mar dita Azul, implica falar de um modelo transformacional da sociedade em que se impõe enfrentar o medo e fazer a mudança. Falar dessa economia é, também, abordar um modelo de governação internacional do Oceano que promova a transparência e seja capaz de combater a omissão. E é falar de uma cooperação socioeconómica sem precedente, capaz de prevenir os conflitos e promover o desenvolvimento num espaço onde tantas soberanias se afirmam, mas também onde um património, e os correspondentes benefícios e prejuízos, são mais partilhados. A economia do mar tenderá assim, malgrado tardiamente, a acelerar a sua entrada na agenda política internacional.

Em consequência, emerge um processo de redes, como aliás será esperado na promoção de uma política marítima que se pretende integrada. Nele, a direção central e vertical é desafiada pelo modelo transformacional da mudança, levando a que os nós de rede mais resistentes ao processo dificilmente possam antecipar situações e tomar decisões que de facto sejam capazes de influenciar os acontecimentos. Por essa razão, tenderão mais a verbalizar e formalizar conclusões ou constatações, do que propriamente a liderar ações.

Isto para dizer que, se de facto o empreendedorismo persegue sucessos que possam ser parte de uma grande solução, ele terá necessidade de se antecipar e posicionar para os alcançar. Por isso, as redes são o espaço de manobra, ou de dinâmica, do empreendedorismo e da sua correspondente capacidade de inovação.

Segundo o estudo recente da OCDE – The Ocean Economy in 2030, em 2010 a economia do mar em termos globais, calculada a partir das suas atividades diretas, terá gerado 1,7 triliões de dólares, correspondendo aproximadamente a 2,5%, do Valor Acrescentado Bruto (VAB) mundial. Deste valor, cerca de um terço é gerado com a exploração de petróleo e gás no offshore, seguido pelo turismo marítimo e costeiro, o transporte e equipamento marítimo e os portos como atividades que mais se evidenciaram neste contributo económico. Por outro lado, foram garantidos cerca de 31 milhões de postos de trabalho correspondentes a emprego direto, equivalente a tempo inteiro. A indústria da pesca afirma-se como sendo o maior empregador, envolvendo mais de um terço dos postos de trabalho em causa, sendo seguida pelo turismo marítimo e costeiro, com cerca de um quarto daquele número. Neste contexto, há que afirmar que de acordo com a Conta Satélite do Mar, a perfomance da economia do mar em Portugal, em 2013, atingiu os 3,1% do VAB nacional e 3,6% do emprego, o que nos destaca como importante País marítimo.

O dito estudo refere ainda que, por volta de 2030, muitas das indústrias baseadas no mar terão potencial para registar os maiores valores de crescimento na economia global no seu todo, quer em termos de VAB, quer em termos de emprego. As projeções mais conservadoras apontam para valores da ordem dos 3 triliões de dólares, com um forte crescimento esperado nos setores da aquicultura, da energia eólica no offshore, do processamento de pescado, e da construção, manutenção e reparação naval. As indústrias baseadas no mar apresentam, ainda, um importante potencial de contribuição para a criação de emprego. Neste sentido, o estudo aponta para a possibilidade de serem mantidos 40 milhões de postos de trabalho, num cenário que, como referi, é apontado como conservador. Destes, o maior crescimento deverá registar-se na energia eólica no offshore, na aquicultura, no processamento do pescado e nas atividades portuárias.

Entretanto, ao longo das próximas décadas são esperados avanços científicos e tecnológicos que irão desempenhar um papel crucial, tanto para enfrentar muitos dos desafios ambientais relacionados com o Oceano, como para promover o desenvolvimento de atividades económicas que nele possam ter lugar.

Com a inovação nos materiais de ponta, na engenharia e tecnologia para aplicação na coluna de água, no leito e no subsolo marinhos, nomeadamente, de sensores in-situ e remotos incluindo a imagem satélite, das telecomunicações de banda larga incluindo os novos cabos submarinos, das tecnologias de informação e análise de dados em massa, dos sistemas autónomos submarinos, da biotecnologia e nanotecnologia, todos os setores da economia do mar tenderão a ser afetados por avanços tecnológicos. Neste contexto de mudança acelerada, a governação, e em particular a regulamentação, terá dificuldades acrescidas para responder às exigências criadas, gerando necessidades de redimensionamento e restruturação, mas também de reforma, de modo a poder proporcionar uma resposta eficaz.

A este respeito, importa assinalar que a regulamentação das atividades marítimas nos dias de hoje está ainda orientada segundo as lógicas de setor e tradição, para não dizer dos interesses já instalados. É neles que se tem procurado integrar as indústrias emergentes, segundo uma visão de continuidade dos enquadramentos em vigência, quase sempre fragmentados. Também aqui se deve invocar a necessidade em aplicar o mais difícil princípio da transformação, ao evidenciar que ela não trata de “fazer melhor as coisas” incorporando o futuro no passado, mas trata sim de “fazer coisas melhores”, as quais, reconhecendo o passado, poderão integrar melhor o presente com o futuro.

Por isso há esperança! E nela se inclui a capacidade de concretizar as recomendações da OCDE acerca da prospetiva de desenvolvimento de longo prazo da economia do mar, designadamente:

  • Promovendo a cooperação internacional nos domínios da ciência e tecnologia do mar, como um meio para estimular a inovação e fortalecer o desenvolvimento sustentável da economia do mar. Preconiza-se, essencialmente, a orientação dos esforços de cooperação para a transferência de tecnologia e de conhecimento, entre os Países mais desenvolvidos e os de menor nível de desenvolvimento. Este é, aliás, um dos principais elementos de mudança no paradigma internacional da ajuda ao desenvolvimento, em substituição de um modelo baseado essencialmente na ajuda financeira dos Países desenvolvidos aos Países em vias de desenvolvimento. O desenvolvimento sustentável dos Países é visto hoje como um desafio universal, onde o sentido de responsabilidade coletiva constitui um elemento motor. É também com esse sentido, perante um desafio só gerível com a alavancagem de triliões de dólares por parte do setor privado, aos quais se associarão os apenas possíveis biliões de dólares de contribuição pública, que o setor privado deverá assumir o papel charneira na implementação das bases e na concretização deste modelo de desenvolvimento.
  • Fortalecendo a capacidade para uma gestão integrada do Oceano, desenvolvendo mecanismos de análise económica e ferramentas de gestão, e intensificando os esforços para avaliar a eficácia do investimento público e privado. Tal deverá incluir, também, a melhoria da base metodológica e estatística, a nível nacional e internacional, para medir o desempenho da economia do mar e sua contribuição para a economia global, bem como de previsão e avaliação de futuras alterações àquela Deve, igualmente, promover a inovação nas estruturas e nos processos de governação, e no envolvimento das partes interessadas – os clusters – de modo a que seja possível exercer-se uma gestão mais integrada, eficaz, eficiente e inclusiva. A este respeito, é de inteira justiça afirmar que Portugal realizou nos últimos anos importantes peças deste trabalho, nos domínios das estratégias marinhas, do ordenamento e gestão do espaço marítimo, da análise socioeconómica do mar e da base metodológica e estatística nacional, de que saliento a criação da Conta Satélite do Mar e a utilização dos instrumentos financeiros públicos orientados para este propósito. Porém, o setor privado tarda em afirmar-se como um motor mais capacitado para a promoção do desenvolvimento, e o setor público tarda, igualmente, em afirmar-se como maior facilitador do mesmo, ao prolongarem-se os processos de decisão e condicionarem-se os níveis de investimento.

É de admitir uma maior promoção de redes, à medida que o setor privado vai ganhando consciência do seu papel incontornável na prossecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Convirá salientar que o papel da economia do mar neste contexto extravasa o objetivo especificamente criado para os oceanos e pode situar-se, também, nos planos da irradicação da pobreza e da fome, do trabalho digno e do crescimento económico, da produção e do consumo sustentáveis, ou da ação climática, para citar apenas alguns e relevar a enorme importância desta economia num contexto global e abrangente.

Em jeito de recomendação, necessariamente geral, acerca do estimulo e da promoção da economia do mar para o futuro, sintetizaria o seguinte:

  • Orientar em grande escala o esforço de inovação para o mar, como o grande espaço de oportunidade e esperança para o bem-estar e o crescimento;
  • Descriminar positivamente as atividades marítimas emergentes, orientando o financiamento e abrindo caminho para a sua necessária afirmação;
  • Capacitar as pessoas para as atividades do mar;
  • Alinhar o modelo de desenvolvimento no mar com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável;
  • Afirmar o papel do setor privado na implementação da Agenda 2030 das Nações Unidas alinhada com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável;
  • Promover a cooperação internacional em todas as ações acima referidas.


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