O Clube de Regatas do Flamengo, provavelmente o clube com mais adeptos no mundo, nasceu no mar como a vida, tal como destacou o seu biógrafo Ruy Castro, no dia 17 de Novembro de 1895, nas águas sedosas da Baía da Guanabara.
É particularmente interessante que um clube que hoje é identificado com a massa enorme do povo brasileiro, o povão, tenha tido uma origem aristocrática.
É ainda mais extraordinário, se se reparar que os quatro grandes clubes de futebol carioca, nasceram da mesma forma; Flamengo, Fluminense, Vasco da Gama, e Botafogo, sendo que três deles ostentam isto na designação. Para além do Flamengo, o Bota, é Botafogo de Futebol e Regatas, e o Vasco, não se contentando em ostentar o nome do Grande Almirante, é Club de Regatas Vasco da Gama.
Depois, não é que os seus atletas fossem perdendo apêndices, e transformando outros, por forma a adaptarem-se à vida em terra, mas o que é certo, é que apareceram um dia a correr atrás de uma bola de futebol, com os equipamentos que os imortalizaram no Rio de Janeiro, e depois por esse mundo fora.
O Flamengo fez isto melhor do que todos, com a sua camisola (a camisa brasileira) às riscas horizontais vermelhas e negras, que eu compraria uma no Rio de Janeiro em 1973, e depois de sair do mar, foi ganhando cada vez mais, e mais, até chegar como já vimos ao título mundial.
Mas para isto, para ser capaz de ser campeão do mundo, a equipa tinha que primeiro ser campeã da América do Sul, ou seja conquistar a Taça dos Libertadores da América.
E isto significava uma longa caminhada pelo continente, numa epopeia que se arrasta ao nível da praia, e depois em La Paz, que com os seus quase 4000 metros de altitude é a capital mais alta do mundo; joga-se na selva, nos desertos do altiplano andino, no sertão, nas metrópoles como S.Paulo, Buenos Aires e Rio de Janeiro, no litoral atlântico e no litoral do Pacífico, nos pântanos alagadiços que rodeiam Assunção, no Paraguai, joga-se a derreter de calor em campos onde o equador serve de linha de meio campo, ou a tremer de frio à sombra de vulcões, jogos de futebol, que tentam justiçar situações que separaram aqueles povos por altura das suas independências, à mão de vice-reis castelhanos, diferentes mas despóticos.
É bom ter presente que em Julho de 1969, El Salvador e Honduras, por causa de um jogo de futebol entre os dois vizinhos, iniciaram um conflito no relvado, com expulsões, seguidas de repatriações mútuas, que continuou na mobilização dos dois exércitos, e acabou com o bombardeamento aéreo das capitais.
Por estas razões, as duas equipas que se encontram para disputar a final da Libertadores da América, com um jogo em casa de cada uma delas, mais do que finalistas, são sobreviventes.
E foi o que aconteceu naquele final do ano de 1981, com o Flamengo e o Cobreloa.
O Cobreloa, é o clube dos mineiros do cobre do Chile. E como tal indexam as suas campanhas e resultados (mais do que as exibições) ao preço de venda do cobre, e este, à cotação diária do metal no London Metal Exchange (LME).
A uma boa cotação do cobre, corresponde um Cobreloa forte, e a uma baixa cotação, logicamente uma equipa mais frágil.
Para infortúnio do Flamengo, os primeiros anos da década de oitenta, foram anos muito interessantes para a cotação mundial do cobre, e portanto para o Cobreloa, o clube de Antofagasta, de Chuquicamata, a maior mina de cobre a céu aberto do mundo, e do seu estádio, que dava pelo estupendo nome de Zorros del desierto, sendo o seu campo de treinos, já muito próximo dos subúrbios da Lua.
O Flamengo venceu o primeiro jogo no Rio de Janeiro, no mítico Maracanã, mas perdeu o segundo.
O clube muito a custo conseguiu transferir o jogo da estratosfera, para um local mais baixo, tendo num compromisso, os cariocas subido e os chilenos descido, para se encontrarem os dois em Santiago do Chile, no Estádio Nacional. Ganhou o Cobreloa.
Com uma vitória para cada lado, era necessário recorrer a um terceiro jogo, em campo neutro, que para delícia do Flamengo, mas a que não terá sido alheia a força de Brasília em assuntos sul americanos, foi marcado para o nível do mar.
Melhor só mesmo se fosse em Ipanema. E para a noite de vinte e três de Novembro, no Estádio Centenário, na cidade de Montevideu, Uruguai, palco da primeira final de campeonatos do mundo em 1930, na embocadura do Rio da Prata.
Do outro lado do rio, mas em 1905, e na cidade de Buenos Aires, cinco jovens argentinos com fortes ligações genovesas, decidiram fundar um clube de futebol. Como estivessem no bairro de La Boca, em pleno porto, e pela sua idade, deram ao clube o nome de Boca Juniors. Ficava a faltar uma cor para a camisola.
Depois de muita indefinição e alguma polémica, Juan Brichetto, jogador do clube e por duas vezes seu presidente, tomou uma resolução radical, da qual informou os outros associados.
Brichetto, era operador de uma ponte móvel, que dava entrada aos navios no intrincado dos cais do porto de Buenos Aires. Ia pegar ao serviço, e a cor da bandeira do primeiro navio que passasse à sua frente, seria a cor da camisola do Boca Juniors.
Todos os que gostam de futebol no mundo, já sabem a esta altura, que o primeiro navio que entrou naquele dia no porto era um cargueiro sueco.
Bem, mas voltemos ao outro lado do estuário do Prata, a Montevideu, onde Flamengo e Cobreloa, decidiram a Taça dos Libertadores da América de 1981, e o título sul americano de futebol.
O Flamengo ganhou por duas bolas de diferença, dois golos de Zico. Quando finalmente a notícia me chegou, eu estava em Aljustrel, a trezentos metros de profundidade, numa mina de cobre.