É o mar, a saída. Quem veleja numa travessia longa sabe, os que navegam em navio não sabem tanto mas o sabem muito mais do que os que ficam em terra firme, presos a projeções pré-estabelecidas (i.e. normas, leis, previsões, orçamentos, teorias). O velejador conta sempre com o inusitado, a cada gota navegada.

O mesmo grito de “Terra à Vista” atribuído a quem quer que seja, ao Pereira ou ao Cabral, quando descobriu-se o Brasil, poderia ser dado agora e bem alto, mas ao inverso: “Mar à Vista”. Vamos fazer de conta que descobrimos o mar, hoje. Daí desvendar o mistério das crises econômicas de Portugal, da estagnação ou laxismo crônico que parece banhar as praias lusitanas e permear toda a extensão do Tejo, do Minho e de norte a sul. Mas afinal, o que mesmo o velejador sabe que os outros sabem menos? Que a solução está antes dos chamados “bloqueios estruturais”. Vejamos:

Até aqui discordamos de tudo o que foi possível, e impensável, inclusive os que, mesmo sem terem “carregado um barril meio cheio(*)” ainda dizem que “no passado era melhor” (não era), então vamos concordar em algo que sirva de pontapé de saída: primeiro, antes de Afonso Henriques não era bom, Portugal “as we know it” nem existia (ponha R.E.M.  no seu iPod para ler esta crônica); após Salazar, ora, quem ainda acha que não melhorou, dê-lhe um barril meio cheio para carregar; segundo, há muita água (expressão marítima) para melhorar, navegar, e não vou citar Fernando Pessoa… Mas entre uma época e outra houve um sinal de que Portugal mostrou ao mundo o caminho para todos os caminhos, Portugal foi a vanguarda, Portugal descobriu um monte de países, rotas, meios, coisas, Portugal era “cool”, não era esse encontro no Chiado para um bica, reclamar da pensão baixa e do aluguel caro: terras novas foram descobertas oficialmente, cartografias foram reveladas, o atual mundo foi desenhado lá naquele momento em que o Português não tinha vergonha de ser arrojado, aventureiro. Pronto, gajos e gajas, uma vez de acordo, bastaria que saíssemos por aí a lutar contra a nossa própria mãe, como o fez aquele com a Teresa de Leão. Mas, plagiando Gilberto Gil (cantor brasileiro e ex-ministro da cultura), quando viu sua filha nua em público: “não era necessário”.

Então vamos a soluções mais simples:  enquanto dois pensamentos econômicos antagônicos influenciam (ou embaralham) as cabeças dos “policy makers” entre Porto e Lisboa, fiquemos com a certeza tacitamente aceita por ambos: de que a última grande crise econômica (detonada pela subprime) internacional chegou mais tarde em Portugal, isto é, o mundo sofria e Portugal sorria. Isto aponta para a direção oposta ao pensamento dos que defendem que o euro não era (é) bom para Portugal; mas também não satisfaz integralmente os que pontuam o tripé bloqueio-estrutural como razão de Portugal não andar para frente nem para trás.

Se de um lado os países ricos são pressionados pela necessidade de vencer suas próprias fronteiras do desenvolvimento, posto que há limite para tudo, mesmo que seja uma pausa para retornar a crescer, os países chamados de periféricos, Portugal no clube,  não devem adotar cegamente a hipótese da convergência, isto é, crescer com o que foi descoberto e está disponível pelos países ricos. Em vez disso adotá-la de olhos bem abertos, ir além mar, mostrar o caminho…

Muito bem, o sistema previdenciário em Portugal responde por quase a metade do PIB, uma catástrofe? Talvez, mas não é cortando na carne que a letargia e continuidade da crise se resolverá; o peso da leis laborais? Talvez, mas isso pode ser revertido gradualmente, como aquele outro problema; carência de parque industrial, produção, fontes de energia? Não necessariamente. Por que?

Porque da mesma forma que o mundo não conhecia o enorme pedaço de terra chamado de Américas, hoje o mundo (pelo menos em Portugal) insiste em pensar do mesmo modo e com os mesmos horizontes que pensava na era da revolução industrial, da locomotiva, do tique-taque, do plano cartesiano, da cronometragem dos movimentos elementares como queriam Henry Fayol, Ford e Taylor. Quem não se der conta da realidade fractal, ficará pressionado pelos limites do crescimento ou pelas limitações internas e placas de “pare” da teoria econômica da convergência.

Para começar o mundo é um enorme sistema capitalista repleto de modismos antagônicos a este mesmo sistema; depois, a própria noção de limite já é uma coluna defasada na “spread sheet”; por fim, nem um simples endereço comercial ou virtual tem sentido hoje em dia, em outras palavras, pode-se estar onde quer que seja e ser Portugal. Vejamos essa coqueluche (não mais do que isso) cunhada de moeda composta por bytes de memória binária (não vou utilizar a marca não registrada), ela não tem endereço, ninguém pode dizer que o seu capital está aqui ou ali, ele nem mesmo pode estar em qualquer lugar, é burro acreditar nisso, será burro mais cedo ou mais tarde. Ainda é a noção de útero que faz o homem e mulher nascer, crescer, viver e ser do bem ou do mal. Até mesmo se ainda morarmos ao lado dos vendilhões do templo.

Para não ir muito mais longe, as bolsas de valores e mercadorias mundo afora não monitoram a produção de capital mais do que monitoram qualquer evento sobre a Terra, tudo é importante em milissegundos nos programas em metodologia de fractais para definir o valor disso e daquilo no mundo dos investimentos, que por sua vez delineiam se um país vai sofrer ou sorrir nos próximos dois anos.

Portugal tem uma âncora nos Açores, tem outra no Cabo Verde, a terceira é o próprio Portugal em si mesmo. Um simples arranjo triangular de cabos submarinhos, ou antenas aéreas, desenha a noção do próprio fractal e não por acaso lembremos das razões da era dos grandes descobrimentos portugueses. Portugal continua (até que a enorme fenda de Gaia se parta) no melhor ponto geográfico do planeta. Portugal não tem o que se preocupar com enormes parques industriais, gigantescas usinas de energia hidrelétricas e nucleares, pode até beber água da Espanha, da França, do mar. Portugal não tem o que plantar, trigo, arroz, cereais, nem o que criar, aves, porcos e vacas, e ainda pode pescar. Peço desculpa, foi inevitável a divagação. Da mesma forma que a saída é o mar, para Portugal, o é no mesmo comboio de um carro só Portugal assumir sua posição estratégica privilegiada como centro de negócios virtuais, ser a base marinha de tudo o que passa pela rede, o centro nervoso do mundo. E porque não começar a discutir agora mesmo a disrupção desta massa falida do bitcoin? A criação de um sistema virtual monetário íntegro, com cabeça, tronco e membro?

Este observador teve o privilégio de acompanhar a revelação de estudo fascinante de uma portuguesa notável, a Dra. Manuela Juliana, oceanógrafa da Universidade dos Açores. O Instituto Brasil Costal – BRCostal de que fui fundador e dirigi até este ano de 2018, quando encerrei suas atividades, estava em seus primeiros passos (2003/2004) e, num evento de tentativa de regulamentação da profissão e do curso universitário da oceanografia no Brasil, conheci a Professora Juliana. Era impossível não ficar intrigado, fascinado, pela sua descoberta que à época era apresentada com esforço de aventureira para provar à comunidade científica sua descoberta, não era para menos, tratava-se de sua tese de doutorado. O estudo foi submetido ao Journal of Physical Oceanography em 2004, publicado somente em 2007 e revelava a existência de uma corrente gêmea da corrente dos Açores, ao sul do Atlântico batizada de Corrente de Santa Helena, salinidade, temperatura, volumes, etc, etc, o DNA idêntico. Outra vez, Portugal. E ficou nisso só, não deveria.

*presos daquelas priscas eras tinham que carregar barris de água, pela metade, para pelo desequilíbrio sofrerem a tortura desejada pelos grilhões do governo Salazar.



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