A segurança vai mal, a saúde caindo aos pedaços, a alimentação é cara e a qualidade duvidosa, a infra estrutura instalada no país é precária, o modus operandi dos brasileiros é fantasioso, para dizer o mínimo, a corrupção graça solta, do pequeno ao mega fee por baixo dos panos, a lista de mazelas é grande e desagua na estratosférica hiperinflação.
Não, não estamos falando do presente, embora este ainda seja o status quo da Terra de Santa Cruz: este preâmbulo se refere ipsis litteris ao início da década de 1990, quando José Augusto Oliveira, fundador do Grupo Siroco, em Lisboa, disse: – Chega, não fico! E deixou o Brasil após empreender no ramo náutico nas duas décadas anteriores, entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Este observador testemunhou uma certa manhã de 1994, no dia seguinte à posse do presidente recém eleito, os jornais brasileiros estamparem a catástrofe sabida nos bastidores por apenas poucos privilegiados: o governo eleito pelo voto direto do contribuinte confisca 80% de todos os depósitos bancários de contas correntes e poupanças, deixando no máximo em cada conta 50 mil cruzados novos (a moeda oficial na época, hoje é o Real). Um parente deste que voz escreve teve um ataque cardíaco, assim como outras milhares de pessoas no país, e o país que até então sempre fora uma promessa, nunca mais foi o mesmo, ou qualquer coisa que se leve a sério.
A única diferença daquela época no Brasil de hoje é a inflação, que ronda em 2018 os 3% ao ano, contra mais de 40% ao mês no ato daquele confisco criminoso.
Voltando ao José Augusto, sendo português de Angola ele mudou-se para Lisboa e, segundo uma de suas primeiras declarações em nossas conversas, “foi a melhor coisa que fizera na vida”. De lá para cá já passaram muitas águas por debaixo da ponte 25 de Abril, muitas ondas no Atlântico e Mediterrâneo, mais duas décadas e o negócio de Brokerage (insípido em Portugal daqueles tempos), a empresa inicial de José Augusto, tornou-se o Grupo Siroco. – O que se imaginar em termos de produtos e serviços náuticos, Siroco oferece com qualidade e a experiência de 40 anos no ramo. Venda de barcos novos e usados, com destaque para marcas de renome tais como Lagoon, Jeanneau e Prestige, iates a vela e a motor; implacável o seu portfólio de barcos usados, do simples kayak a um clássico mono casco de madeira com a assinatura centenária Sparkman & Srephens; no segmento equipamentos um desfile de marcas incluindo a Plastimo, Nuova Rade, Max Power, Lofrans, Goiot, Barton, Lewmar, e a Star Brite, cujos produtos estão à disposição através de um sistema de distribuição único em Portugal, direto do fornecedor ou estocados em um armazém próprio na área de Lisboa. Ainda, para atender aquele cliente que não possui embarcação, mas é entusiasta do meio náutico de lazer e diversão, a SeaSky, outro braço do Grupo Siroco, provê um cardápio de tirar o fôlego: você quer um violino a bordo ou é amante de saxofone, a SeaSky providencia; se prefere um DJ na sua festa particular, pronto; está no hotel e contratou um dos programas de charter no Tejo pela SeaSky, uma carrinha impecável fará o translado de seu grupo de e até o cais do porto; ok, você planeja um evento “team building” para energizar uma equipe de sua empresa, contrate a SeaSky; e não param aqui as ofertas do Grupo Siroco.
Considerando que estamos a falar de um segmento de mercado pertencente à maior indústria do mundo, a do Turismo e entretenimento, maior do que a indústria do petróleo e automotiva juntas, a pergunta que não quer calar é: como ser bom e durável neste meio?
Perguntei a José Augusto exatamente isso, inferindo se a sua estratégia é mesmo atuar 360 graus horizontal e verticalmente, abarcando tudo. Com os pés no chão, sem deixar de sonhar grande, eis a sua resposta:
“Desculpa a demora em responder seu telefonema, hoje abriu uma janela, vamos lá: releve, respondo mais de 50 emails diários e a maior parte deles são técnicos, demorados e normalmente em Francês ou Inglês”
Naquela semana do contato, José Augusto havia ido a Les Sables D’Olonne, Baía de Biscaia, num evento da marca Jeanneau, quando retornei o contato ele já havia partido para Chamonix-Mont-Blanc, quase na Suiça, para um evento da marca de catamarãs Lagoon.
“Definitivamente o mercado náutico está em ascensão” – respondeu-me o paciente José Augusto, num estacionamento a caminho de Tróia, com a simpatia de quem não tem essa agenda tão pesada. E continuou: “Evidentemente que existem sectores, como por exemplo os dos equipamentos, que parecem mais adormecidos. Isso na minha opinião deve-se ao facto desse sector estar muito globalizado e com forte concorrência da China. No momento a China produz todo o tipo de equipamentos para barcos e entra no mercado mundial a todo pano! Âncoras, correntes, barcos infláveis e semi-rígidos, electrónica e todo o tipo de equipamentos em plástico injectado ou mesmo aço inox, são difundidos no mercado mundial a preços devastadores.”
E com relação aos barcos ele afirma: “Quanto aos barcos, tudo é diferente. A produção da China é grande em pequenos barcos, mas nos barcos de médio ou grande porte, eles são por enquanto importadores. Não quer dizer que possamos fazer a mesma afirmação daqui a 4 ou 5 anos. Conhecemos o mercado Chinês e não duvido que daqui a uns poucos anos, encontremos espalhados pelo mundo, marcas mundiais actuais, sob o “Made in China”
E ele vai além em sua paciência e atenção: “Quanto ao restante mercado, como afirmei está em plena ascensão. Os números são aliciantes e motivantes, estando uma boa parte dos estaleiros em franco crescimento.”
Conclui ele no momento em que ainda festejava o prêmio da Lagoon recebido pela quarta vez, trazido de Chamonix, Melhor Assistência Técnica da Europa, e o quarto em vendas européias.
http://www.seaskycharter.com/pt/seasky/siroco
Essa performance de José Augusto à frente do Grupo Siroco, não tem segredos, fica claro que trata-se da velha e conhecida experiência que “não se compra em farmácia”. Primeiro, José Augusto investiu capital e energia num país que, plagiando uma frase do famosos músico brasileiro, autor da mundialmente reconhecida Garota de Ipanema, “o Brasil não é para amadores”; depois cultivou pacientemente negócio no ramo que especializou-se, então no país que, segundo Antônio Cançado, “…deu ao mar a dimensão que o mar tem hoje”.
Não é pouco, especialmente nessa indústria que exibe números devastadores, para usar uma expressão de José Augusto: são bilhões de euros, centenas de milhares de empresas de médio e grande porte, as de pequeno perdem-se como estrelas de várias galáxias; os números de embarcações amontam aos milhões, só de recreação, as marinas, que são o parque de diversão para esses brinquedos, somam um quarto de milhão, sem contar que é hoje uma tendência mundial os empreendimentos imobiliários e da rede hoteleira os projetos de marina condomínio. Então, ora, se Portugal rima com indústria de turismo, tecnologia e imóveis, estamos todos falando a mesma língua em toda a Europa, pois:
De acordo com o estudo, âmbito da estratégia da UE destinada a promover o «crescimento azul», da comissão europeia “O turismo costeiro e marítimo é um setor turístico importante, que emprega mais de 3,2 milhões de pessoas e gera um total de 183 mil milhões de euros em valor acrescentado bruto, representando mais de um terço da economia marítima”.
Os dados recolhidos nos estudos realizados, no âmbito do Portugal Náutico, apontam para que, tendo em conta os valores diretos e indiretos das atividades de náutica de recreio, o valor desta fileira, na Europa, seja de cerca de 60 mil milhões de euros (valor de volume de negócios de bens e serviços).
A Náutica de Recreio pode assim representar cerca de 11% do valor total do volume de negócios do sector do Turismo Europeu (570 mil milhões € volume total de consumo, para os 28 países Europa ocidental, com base nos dados 2013 do Eurostat), sendo que em alguns países europeus o peso será, com certeza, superior, pela especialização turística nas zonas costeiras.