Uma nação é livre quando está em condições de determinar por si mesma o seu próprio futuro, o que significa também saber de si, saber onde quer ir e dispor dos meios necessários para o realizar e, no caso de Portugal, tudo isso passa pelo Mar.

Nunca deixará de surpreender a inconsciência de Portugal sobre si mesmo. Já nem se dirá da consciência ou inconsciência de sermos a Nação Marítima que eminentemente somos mas, até mais prosaicamente, da relativa condição de subalternidade que ainda hoje vivemos após mais uma intervenção financeira do FMI, acompanhada, desta vez, pela União Europeia e Banco Central Europeu.

E tudo isso como se não fora já senão longínquo passado há muito ultrapassado e esquecido quando, afinal, a realidade é bem o inverso, não deixando de continuarmos a viver sob uma espécie de permanente ameaça de uma qualquer  Espada Financeira de Dâmocles prestes a cair a qualquer o momento mal haja uma mudança mínima de condições para além de qualquer possível controlo nosso.

Todavia, se soubéssemos olhar para o Mar com olhos de ver, i.e., com consciência disso, talvez tudo pudesse ser muito diferente, razão primordial também da importância da III Conferência do Jornal da Economia do Mar, a ter lugar a 22 e 23 de Junho no Centro de Congressos do Estoril.

Antes de mais e acima de tudo, o que a III Conferência do Jornal da Economia do Mar tem a oferecer de singular e único é uma visão global e transversal como é muito pouco habitual a não ser mesmo nas Grandes Conferências do Jornal da Economia do Mar.

Em segundo lugar, nesse mesmo enquadramento e cumulativamente, o conjunto de temas em diálogo e debate, «sem lábia nem falsos salamaleques», para além a sua decisiva importância, é muito pouco comum em tal tipo de iniciativas, permitindo, pelo seu todo, uma perspectiva muito mais profunda de quanto está verdadeiramente em causa quando se fala da importância do Mar para Portugal.

E o que está em causa, em terceiro lugar, é não apenas o Mar mas, real e verdadeiramente, Portugal _ ou, mais rigorosamente ainda, sem falso melodrama, a efectiva subsistência de Portugal.

Ainda vale a pena explicar porquê?

Vale, porquanto, como Napoleão gostava de dizer, com aquela singular capacidade de persuasão que, rezam as crónicas, tanto o caracterizava, como se afigura, «só há uma única e verdadeiramente poderosa figura retórica: a repetição».

Se olharmos para o nosso mar, o que vemos?

Vemos, por exemplo, inúmeros Cruzeiros Científicos esquadrinhando e estudando tão exaustivamente quanto possível as nossas águas, solos e subsolos marinhos sem que, em muito mais casos do que seria desejável, senão mesmo numa maioria de casos, nem tenhamos conhecimento com o rigor necessário por onde navegam, nem qual exactamente o seu trabalho ou, muito menos, qualquer notícia dos respectivos resultados.

Cruzeiros Científicos realizados, como é natural e seria de esperar, predominante por outras nações europeias, embora não exclusivamente, e, antes de mais, para muitos, surpreendentemente, pela Alemanha.

Como vemos e sabemos também que o Tratado do Atlântico Norte não esse tem exacta designação apenas por mero acaso, como sabemos, por tudo quanto tem sido aqui diversamente exposto no Jornal da Economia do Mar, a crescente importância estratégica do Atlântico em termos de recursos, dos hidrocarbonetos aos minerais e uma das maiores biodiversidades do mundo,  bem como, por consequência também, até mesmo em termos mais directamente políticos.

Como vemos sabemos que, Portugal, retirando-lhe o mar, não fica senão um pequeno território, sem profundidade estratégica e sem qualquer capacidade de projecção política, estratégica ou económica.

Como vemos e sabemos que Portugal, com a marítima hoje já sob jurisdição nacional, e, muito mais ainda, com o reconhecimento da sua futura Plataforma Continental que poderá chegar aos quase 4 milhões de Km2 uma vez aprovados os respectivos limites pelas Nações Unidas,  passando a dispor então, em qualquer caso, da 11ª maior área marítima sob jurisdição nacional do mundo, se pode afirmar, de facto, como uma das maiores e mais importantes Potências Atlânticas da actualidade.

Mas a questão é esta: estamos preparados para isso?

Não estamos.

Não estamos e para nos prepararmos temos de ter, antes de mais, exacta consciência das nossas potencialidades, assim como não menor bem menos exacta consciência do que queremos e, por consequência, dos meios e trabalhos necessários realizar para o alcançar. Numa palavra, ou expressão: necessitamos de pensamento estratégica com consequente acção.

Para defesa de Portugal, antes de mais e acima de tudo?

Sim, porque entendemos que Portugal tem uma missão a cumprir no Mundo mas, para tal, importa, é crucial, decisivo mesmo, uma correspondente capacidade para se afirmar verdadeiramente, de jure et facto, como a Nação Marítima que realmente é, realmente livre, realmente autónoma, realmente soberana.

Nesse plano, como dito desde o início do lançamento do Jornal da Economia do Mar, evoluindo no mundo radicados no espaço, tempo e circunstância em que vivemos, sabendo também não haver afirmação política, geopolítica ou geoestratégica sem correlata, efectiva e real capacidade económica, sendo, de facto, a economia aquele domínio de plena afirmação da liberdade do Homem no Mundo, o Mar tem ainda essa adicional e extraordinária virtude de se constituir exactamente como um elemento determinante para a nossa afirmação económica, assim saibamos aproveitar todas as suas imensas potencialidades.

Importa assim, mesmo nesse plano, aparentemente mais prosaico, da economia, compreender também como todas as imensas potencialidades e virtualidades oferecidas pelo Mar a Portugal, só o serão verdadeiramente se não se perder, concomitantemente, a «visão unívoca» do todo.

Ou seja, a importância do Mar para Portugal não se realiza apenas sectorialmente mas sempre integradamente, transversalmente, como um todo perfeitamente uno e incindível.

Como num verdadeira sistema em que tudo quanto de diz da parte se diz do todo e tudo quanto se diz do todo se diz da parte, assim o mesmo sucede em relação ao Mar.

Como importa não deixar nunca de ter ser sempre igualmente bem presente como tudo isso sempre depende, primordialmente, muito mais do que de qualquer Governo, da iniciativa particular de cada um, de empresários e empreendedores com visão e a necessária imaginação, como de cientistas, não apenas com a devida e adequada preparação, mas também a mesma necessária visão e imaginação, como de todos os demais verdadeiros Portugueses de Alma Salgada que, reconhecendo a importância do Mar para Portugal, não aceitam que Portugal seja menos do que tudo quanto pode vir a ser em relação ao Mar: ou seja, como poderemos dizer, parafraseando o nosso sempre muito avisado Pessoa, «ser tudo de todas as maneiras».

E essa também uma das maiores singularidades da III Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, ser real acto de todos os verdadeiros Portugueses de Alma Inteira que, não aceitando ser, em relação ao Mar, menos do «tudo de todas as maneiras», vão já hoje, pouco a pouco, realizando, transversalmente, o futuro de Portugal.

Mas mais é necessário fazer, a começar pela necessidade de criar essa real e verdadeira consciência nacional da importância do Mar para Portugal, sem a qual a prioridade política do Mar continuará a ser a que tem sido, ou seja, tão só e meramente retórica vazia, bastando, por exemplo, comparar os valores de investimento realizados em outras áreas ou sectores que não o Mar para se perceber do que se está  a falar.

E se assim é, para que assim não continue a ser, sabemos todos também o que é necessário fazer.



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«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
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