Já foram dadas orientações, disse José Apolinário
Pescado

O Secretário de Estado das Pescas, José Apolinário, admitiu ontem que já foram dadas orientações para “consolidar um programa de investigação e conhecimento que valorize o papel da pequena pesca”. O governante fez a afirmação no encerramento do seminário sobre A Pequena Pesca: Potencial para a Sustentabilidade, promovido pela Organização Não Governamental (ONG) Pong Pesca, em Sesimbra.

Com esta explicação, José Apolinário quis dizer que o plano estratégico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), terá que ser alinhado com o programa Mar 2020, para concentrar esforços na pequena pesca. “Essa vai ser a matriz do plano estratégico do IPMA para o próximo futuro”, que deverá ter “uma forte valência na pequena pesca”, referiu.

 

A “frota fantasma”

 

Um dos oradores do seminário, Miguel Gaspar, ele próprio do IPMA, reconheceu que a pequena pesca “tem pouca visibilidade e reconhecimento”, apesar do seu impacto económico, cultural, social e ambiental. De acordo com aquele responsável, a pequena pesca é responsável por cerca de 50 a 60 por cento do abastecimento nacional de peixe fresco e representa mais de 80 por cento da frota pesqueira portuguesa.

Mas de que falamos quando referimos a pequena pesca? Trata-se do conjunto de embarcações com reduzida autonomia operacional, de comprimento inferior a 9 metros (a União Europeia considera 12 metros) e que operam geralmente dentro de uma área de 3 milhas, quer “ao longo do litoral oceânico, quer “em sistemas lagunares costeiros e sistemas estuarinos”, conforme se refere num estudo do IPMA publicado de 2014,mas realizado durante 2009 e 2010.

O reduzido reconhecimento da pequena pesca, quer no plano nacional, quer a nível da União Europeia (UE), mais preocupada com dados sobre as grandes pescarias, reflecte-se na informação que existe sobre essa actividade, e que Miguel Gaspar considera insuficiente. “Em termos sociais e económicos, de uma forma geral, há pouca informação, quer para a pequena pesca, quer para a pesca costeira”, referiu.

E para Miguel Gaspar, que trabalha há cerca de duas décadas sobre a pequena pesca, nesta actividade, a informação é fundamental. Dirigindo-se aos pescadores, admitiu que “não sabemos onde é que vocês andam, ninguém sabe onde é que vocês andam”, o que leva aquele responsável a falar numa “frota fantasma”.

Sem essa informação sobre a pequena pesca, admitiu, não se pode fazer um ordenamento costeiro e uma gestão da frota de modo sustentável, designadamente pelo IPMA, bem como criar uma legislação adequada para a actividade. “Portanto, nós temos que mudar isto”, salientou.

Outra das oradoras, Ana Rita Berenger, da Direcção-Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), entidade legalmente responsável pela “execução das políticas de preservação e conhecimento dos recursos naturais marinhos, execução das políticas de pesca, da aquicultura, da indústria transformadora e actividades conexas, do desenvolvimento da segurança e dos serviços marítimos (…)”, bem como por “garantir a regulamentação, a inspecção, a fiscalização, a coordenação e o controlo das actividades desenvolvidas no âmbito daquelas políticas”, considerou que a recolha de informação científica é importante para o desempenho da missão da DGRM.

Como a recolha e tratamento da informação científica é uma missão do IPMA, que assume a carência de elementos para uma correcta avaliação científica do impacto da pequena pesca por falta de fluxo informativo proveniente dos pescadores, “naturalmente desconfiados do poder”, como referiu outro orador, Carlos Pratas, da Bivalmar, uma organização de produtores, todo o circuito requer uma reflexão.

 

Pescadores: problemas e soluções

 

No estudo do IPMA acima citado, Pequena Pesca na costa continental portuguesa: caracterização sócio-económica, descrição da actividade e identificação de problemas, coordenado por Miguel Gaspar e editado pelo IPMA, com apoio de fundos comunitários, foram identificados problemas elencados pelos pescadores da pequena pesca que “comprometem a sustentabilidade da sua actividade a curto/médio prazo”, repartidos por três áreas: gestão da pesca, controlo e fiscalização e comercialização/custos de produção.

No que respeita à gestão da pesca, o estudo concluiu que os pequenos pescadores descrêem na administração pública. Motivos: são pouco consultados, pouco ouvidos, sujeitos a uma legislação que não considera as suas especificidades locais e pouco beneficiados com o estudo dos ecossistemas que exploram, já que os recursos científicos são mais aplicados pela pesca costeira.

Quanto à fiscalização, o estudo admitiu que os pescadores a consideram pouco eficaz e que as acções de controlo são consideradas desproporcionadas relativamente à pesca recreativa. Diz o estudo que para os pescadores da pequena pesca, “existem pescadores recreativos que exercem uma actividade profissional de forma mascarada que compete directamente na comercialização do pescado, causando uma diminuição a nível local e regional e baixando os preços da 1ª venda”.

A propósito da comercialização e dos custos de operação, o estudo refere que os pescadores criticam o aumento do preço do combustível e o baixo valor do pescado em lota, problemas que deveriam gostavam de ver solucionados no curto prazo.

O estudo também identificou problemas menos transversais, circunscritos a determinadas áreas: estado dos recursos explorados, pesca fantasma, assoreamento de barras, falta de portos de abrigo, longa distância até à lota, más condições de desembarque, poucos armazéns de apoio, conflitos entre artes de pesca, roubo de equipamentos, poluição e pressão turística.

Face ao problema da falta de informação, central para a sustentabilidade da pequena pesca e o ordenamento costeiro, Miguel Gaspar adiantou algumas soluções, que o IPMA tem procurado implementar: realização de inquéritos (de que o estudo mencionado é um exemplo, pois baseia-se em 1.014 entrevistas em 75 portos de pesca de toda a costa portuguesa), a elaboração de um calendário de pesca (com datas de utilização das artes de pesca), a investigação cooperativa (com o sector) e o seguimento das embarcações em tempo real através de um equipamento que gera um mapa e um gráfico da trajectória e velocidade da embarcação (ensaiado em embarcações de ganchorra com o apoio da Bivalmar).

O seminário também abordou a questão da valorização dos produtos da pequena pesca (novas receitas, apresentação conveniente, diversificação, etc.), que tem resultado da colaboração, essencialmente, da Docapesca e do IPMA, num esforço que carece de maior acção por parte da indústria e da distribuição. E não faltou uma alusão ao papel dos Grupos de Acção Local de Pesca, no quadro do Desenvolvimento Local de Base Comunitária e da Rede Europeia das Zonas de Pesca (FARNET) e dos apoios do FEAMP (Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e de Pesca).



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