Determina o Direito as formas de relação dos homens entre si e as formas de relação dos homens com o mundo. No número de Abril percebemos melhor porquê.

Determina o Direito, para além das formas de relação dos homens entre si, as formas de relação dos homens com o mundo, assumindo sempre a relação dos homens com o mundo a forma de propriedade. Exactamente porque sempre se entendeu não ser o mar apropriável, sempre, desde os romanos, se entendeu ser o Mar res nulius. No entanto, os Portugueses sabem, como talvez mais nenhum povo hoje saiba, como o mundo, as coisas do mundo, sempre requerem, exigem e implicam proprietário, quanto mais não seja para dar ao mesmo mundo, às coisas do mundo, a consciência de si que o mundo e as respectivas coisas, por si só, não têm nem possibilidade têm de adquirir.

Como se sabe, o Estado é e efectivação do Direito e, como se abe também, Hegel o afirmou, a finalidade do Direito moderno é a realização da liberdade, conceito sempre difícil de determinar e definir. Podemos, porém, pensar desde logo, nós povo de poetas, na liberdade poética e na sua mais nobre, mais bela e entusiasmante capacidade de transportar-nos da imediata e insuportável realidade nítida das coisas às mais decisivas e iluminantes causas, sempre ocultas como é próprio de todas as verdadeiras causas, sempre logo entrevistas, logo veladas também, para que o segredo por inteiro não se desfaça nunca. Saber ver, saber fazer ver a forma na figura, dir-se-á a mesmo maior e mais bela poética, a maior obra como é próprio da verdadeira poética. Dar, enfim, novos mundos ao mundo.

Escreveu o grande Grotius, o grande adversário de Portugal, o grosso volume, De Jure Belli ac Pacis, instaurando, afirmamo-lo nós, leigos e com a liberdade poética que tal condição nos confere, o Direito Internacional. Não, Vitória ainda pensava em termos Universais, não em termos Internacionais, residindo aí mesmo a subtileza de Grotius e do seu grosso De Jure Belli ac Pacis, para justificar, afinal, o seu breve mas decisivo Mare Liberum, contra o Mare Clausum de Selden, pela possibilidade de os Holandeses navegarem até ao Atlântico ou, antecipando já Serafim de Freitas e a sua reacção com o não menos grosso De Iusto Imperio Lusitanorum Asiatico, pelo Direito e possibilidade das futuras Companhias das Índias, pragmaticamente transmutando a forma em função determinante da figura.

O que aqui se diz e poeticamente se defende, ou talvez nem tão poeticamente quanto isso, é residir no Mar a matriz determinante de origem do Direito Internacional, em torno do Mar consistir a sua mais determinante evolução, continuar a residir no Mar a sua mais decisiva efectivação. E se assim é, importa então saber também, pelo Direito, afirmar a liberdade de Portugal. E assim é, importará igualmente, simples e pragmaticamente:

– Saber das questões determinantes e decisivas, sob o ponto de vista do Direito, para que a Economia do Mar seja uma realidade em Portugal;

– Saber das questões determinantes e decisivas, sob o ponto de vista do Direito, para que Portugal afirme a liberdade do Mar que é seu, não subsumindo a qualquer Direito Internacional que, não raras vezes, corre o risco de mais não representar senão os interesses de outras nações.

Tudo isso importa mas importa também não nos deixarmos cair numa espécie de solipsismo auto-satisfeito, tão estéril quanto fruste, importando concomitante e crucialmente, dar também pública notícia disso, de modo a permitir começar a formar-se aquela consciência comum que sempre verdadeiramente conduz e impõe a transição da potência ao acto, tornando o Mar real para Portugal como hoje ainda verdadeiramente não é.

Por isso mesmo juntámos alguns dos juristas que mais têm pensado estes assuntos em Portugal, em Colóquio, Cristina Lança, João Paulo Ferreira da Conceição, José Ferreira Marques, Marta Chantal Ribeiro, Rui Guerra da Fonseca e Sofia Galvão, dando-se transcrição do mesmo no número de Abril do Jornal da Economia do Mar.



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